Educação, cultura e esportes

Debatedores divergem sobre comprometimento da autonomia dos clubes com MP do Futebol

19/05/2015 - 21:27  

A autonomia dos clubes e federações do futebol brasileiro foi o principal tema da audiência pública promovida pela comissão mista que analisa a MP 671/15 (a chamada MP do Futebol, que refinancia dívidas dos clubes brasileiros). Os efeitos da medida provisória sobre a gestão interna das entidades opôs os convidados da audiência desta terça-feira (19).

O advogado Wladimyr Camargo, professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em direito desportivo, afirmou que a MP carrega uma “inconstitucionalidade latente” porque, segundo ele, viola a autogestão dos clubes.

Camargo criticou as práticas de gestão administrativa impostas pelo Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), que garante o refinanciamento. O programa exige dos clubes que aderirem a ele a obediência a normas como limitação de mandatos de dirigentes, teto de gastos com futebol profissional, investimento obrigatório na modalidade feminina, participação dos atletas na gestão e responsabilização pessoal dos dirigentes por gestão temerária.

O especialista explicou que o direito desportivo garante às entidades esportivas a autonomia para criarem suas próprias normas, mesmo que, de forma geral, tenham que se sujeitar ao ordenamento jurídico civil de seus países.

Na opinião do especialista, essa autonomia estaria sendo violada quando uma lei passa a impor aos clubes obrigações e punições. “As entidades se autorregulam, são autogestionárias e têm mecanismos judiciais próprios e internos, afastados do Estado, para colocar em prática suas sanções. A autodeterminação dos clubes está sendo ferida porque temos uma situação de tutela do Estado na organização interna.”

Ele questionou especificamente a regra que impede um clube participante do Profut de disputar competições organizadas por entidades que não respeitem as regras do programa. Uma dessas regras para as entidades é apenas aceitar em seus torneios clubes que tenham aderido ao Profut.

Essa norma, de acordo com o professor, criaria uma cascata de “adesões compulsórias”, pois obrigaria entidades a aderirem ao Profut para acomodarem seus filiados e clubes a aderirem para poderem manter-se em atividade dentro dessas entidades. “O direito de ficar fora, que é sinônimo de autonomia desportiva, está sendo desprestigiado. Se não há esse direito não se trata de autonomia, e sim de tutela, de ingerência indevida nas entidades esportivas”, argumentou.

Camargo disse ainda que o universo jurídico criado pela MP estaria em desacordo com decisões internacionais, inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU), que enxergam o direito desportivo como parte dos direitos humanos e reconhecem a plena autonomia das entidades esportivas em questões de gestão.

O contraponto foi feito por Ricardo Martins, diretor-executivo do Bom Senso Futebol Clube – um movimento independente criado por jogadores profissionais para discutir a situação do futebol brasileiro.

Proteção x punição
Martins manifestou-se a favor da MP e disse que o conceito de autonomia não é absoluto e não deve se confundir com soberania e independência. “A gestão irresponsável é fomentada por um problema sistêmico. Clubes que respeitam seus orçamentos são prejudicados diante dos gastadores. Falta regulamentação e há impunidade. Em função de a CBF [Confederação Brasileira de Futebol] não assumir esse papel, o Estado precisou entrar na discussão. A ideia não é punir os clubes, e sim protegê-los.”

O representante do Bom Senso FC observou que não há nenhum tipo de coerção embutido na MP, e que se os clubes e entidades não estiverem de acordo com as contrapartidas exigidas pelo texto do governo federal basta não aderirem ao Profut. “A MP é completamente opcional. Os clubes têm a opção de aderir ou não. Se não quiserem cumprir com as contrapartidas, podem muito bem pagar as dívidas no lugar de aceitar o refinanciamento. É muito comum o credor exigir daquele que deve certas contrapartidas para garantir que a dívida será paga”, disse.

Camargo explicou que o Estado pretende apenas garantir as condições mais básicas da prática de uma administração mais racional das entidades esportivas, com alternância de poder e transparência. “O que o Estado está pedindo é a luz e a água encanada da democracia”, resumiu ele.

Arrecadação
O subsecretário de Arrecadação e Atendimento da Receita Federal, Carlos Roberto Occaso, também apoiou a instituição de regras de gestão como exigência para participação no Profut.

De acordo com Occaso, programas de refinanciamento precisam fazer exigências firmes aos beneficiados. Nesse sentido, ele acredita que a MP é até “bastante generosa”. “O parcelamento especial e setorial até pode existir, desde que seja mais restrito do que a cobrança geral. Só faz sentido se for mais rigoroso. A norma deve estabelecer regras de gestão, governança e responsabilização, para garantir o cumprimento regular dos tributos e o equacionamento das dívidas.”

O subsecretário se baseou nos resultados obtidos pelos programas de refinanciamento de dívidas fiscais promovidos pelo governo federal desde 2000, considerados maléficos ao Tesouro. Foram nove, sendo quatro apenas em 2014. A taxa de abandono e exclusão alcança até 90% das adesões iniciais, e o passivo tributário da União cresceu – hoje, atinge R$ 1, 35 trilhão, segundo Occaso.

Banalização dos refinanciamentos
Na opinião do subsecretário, ocorre hoje uma “banalização” dos programas de refinanciamento, que foi na contramão do objetivo original e criou uma cultura de maior inadimplência. “Eles influenciam o comportamento do contribuinte no cumprimento voluntário da sua obrigação. O contribuinte entra no parcelamento, transita por um período, se torna inadimplente e volta a pressionar por um novo parcelamento”, relatou.

Conforme dados da Receita, o nível de adimplência voluntária (pagamento espontâneo dos tributos devidos) caiu 1,7% desde 2013, a um custo de R$ 85 bilhões para os cofres públicos.

Da Redação – RCA
Com informações da Agência Senado

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