Educação, cultura e esportes

Especialistas criticam gestão amadora de clubes de futebol

Audiência pública da comissão mista da MP do Futebol discutiu atual situação financeira e estrutural dos clubes no Brasil.

06/05/2015 - 00:19  

Em audiência pública realizada, nesta terça-feira (5), pela comissão mista que analisa a Medida Provisória 671/15 (conhecida como MP do Futebol), especialistas criticaram a realidade gerencial dos principais clubes do País. Todos eles alertaram para a necessidade de a modernização do futebol brasileiro ir além do refinanciamento das dívidas dos clubes – tema da medida provisória – porque os problemas não se limitam a isso.

O consultor Amir Somoggi, especialista em gestão e marketing esportivos, assinalou que as entidades insistem em um modelo de gestão “sem racionalidade”, “insustentável” e que “caminha de lado”. Ele considera necessário exigir um choque de gestão. “Mesmo que se resolva a questão fiscal, não se resolverá a gestão. Temos que forçar os clubes a reequalizar suas finanças. Se não repensarmos o modelo de administração do futebol brasileiro, ainda veremos clubes tradicionais fechando as portas”.

Sem recursos próprios
Em levantamento apresentado aos parlamentares, Somoggi mostrou que o ano de 2014 foi o pior da história do futebol brasileiro em termos financeiros. Os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro acumularam um déficit de R$ 598 milhões e seu endividamento coletivo soma R$ 6,6 bilhões – o que equivale a dois anos de faturamentos. As dívidas são de natureza fiscal, trabalhista, bancária e com fornecedores.

Segundo explicou o especialista, não há perspectiva de recuo desses números. “As receitas não crescem há três anos e mesmo assim as dívidas evoluem. Há dependência quase extrema das cotas de televisão, patrocinadores não estão colocando mais recursos, falta criatividade no marketing e os estádios continuam vazios. Daqui a alguns anos vamos estar falando em déficit de bilhões”, alertou.

Walter de Mattos Júnior, presidente do Grupo Lance! (que edita o jornal esportivo de mesmo nome), se referiu ao modelo de gestão dos clubes como “um atoleiro” e disse que ele é “arcaico e incapaz de lidar com os desafios atuais”. “O regime de responsabilização é completamente inadequado. A origem associativa dos clubes foi sem fins lucrativos. No entanto, eles são entidades mercantis que faturam milhões, negociam, organizam eventos. Não há dirigentes punidos por gestão temerária, por mais que tenham deixado seus clubes falidos. Não vai haver gestão profissional nesse modelo amador”, criticou.

O empresário acredita que o futebol brasileiro tem potencial para ser um importante elo econômico e social, mas que não existem iniciativas para aproveitá-lo nesse sentido. Ele chega a estimar quanto os clubes deixam de faturar por não estarem melhor estruturados: “O futebol é um grande negócio, tem uma cadeia produtiva sofisticada, emprega dezenas de milhares de pessoas. Tem uma razão subjetiva à identidade do brasileiro. Só que não o exploramos adequadamente. Estamos deixando na mesa cerca de R$ 1 bilhão numa atividade que as pessoas querem ir, mas não damos condições.”

Subordinação dos clubes
O advogado Pedro Trengrouse, especialista em legislação esportiva, criticou a estrutura de poder do futebol brasileiro, que subordina os clubes às federações estaduais e as federações à Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Para ele, o sistema é herança de um regime de exceção. “Esse modelo foi criado na ditadura do Estado Novo, quando determinou-se que deveria haver uma única entidade para gerir o esporte. Ele concentra a riqueza na CBF e nas federações. A autonomia da vontade, ser membro por querer ser membro, não estava na origem do sistema. Mesmo assim, ele foi recepcionado na Constituição de 1988 com autonomia. Somos reféns dele”, lamentou.

O advogado questionou também os mecanismos eleitorais dentro dessas entidades, que, em sua avaliação, são refratários à renovação de lideranças. “Por que atletas e clubes não têm direito a voto nas organizações que administram suas competições? Dirigentes se sucedem e a base de poder permanece a mesma. Se a ditadura criou esse sistema hermeticamente fechado, não dá para esperar nada mais.”

Próxima audiência
A comissão da MP do Futebol realizará nova audiência pública nesta quarta-feira (6). Ela receberá representantes de entidades de classe do futebol nacional. Estarão presentes o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Rio de Janeiro, Alfredo Sampaio, e o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Rinaldo José Martorelli.

Para esta audiência a comissão também convidou o Bom Senso Futebol Clube, um movimento independente fundado por jogadores profissionais e a Associação Nacional dos Árbitros de Futebol. Essas entidades ainda não confirmaram os nomes de seus representantes na audiência.

Entenda a tramitação de medidas provisórias

Da Redação – RCA
Com informações da Agência Senado

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