Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Rodovias - Acidentes provocados pelas falhas nas estradas - ( 09' 05" )

09/08/2005 - 00h00

  • Especial Rodovias - Acidentes provocados pelas falhas nas estradas - ( 09' 05" )

TRILHA: "Todo dia quando eu pego a estrada..."

"Eu queria fazer um desafio ao presidente Lula, se estivesse me escutando agora, de ele andar comigo daqui de Brasília até lá embaixo. Andar comigo, só para ele ver o tanto que ele ia bater, não ia mudar para a faixa da esquerda. Nós íamos descer na direita, queria fazer um desafio com ele, porque ele anda lá por cima. Lá em cima não tem asfalto, e aqui tem."

O desafio partiu do caminhoneiro Edson Domingos dos Passos, que é do Paraná e roda o Brasil inteiro, tendo como local de trabalho os milhares de quilômetros de estradas, quase sempre esburacadas, de nosso país. Ele, que paga seus impostos, fica revoltado com a situação das rodovias brasileiras. E não está sozinho. Os caminhoneiros reclamam que os governantes não conhecem de perto nenhuma estrada. É o caso do gaúcho Cláudio dos Passos, que enumera os problemas encontrados em alguns trechos, no seu dia-a-dia pelas estradas do país.

"Uberaba e Uberlândia é um inferno. A chegada em Brasília é uma desgraça. Sem condições de trabalho mais.Rota São Paulo-Curitiba, não tem mais condições de tráfego. Você fazia em 7 horas, leva de 12 a 14 horas, porque é ponte quebrada, ponte em obra, é fila de 10, 12, 15, 20km. A Fernão Dias, ainda está se confirmando um pouquinho. A 040 que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, está mais ou menos. A Rio-Bahia não tem mais estrada. A Bento-Belém, deram uma melhorada. Fizeram algum retoque, de remendos, então melhorou um pouquinho. Daqui para Belo Horizonte, de Paracatu para lá é um inferno. Buraco, trepidação que desmancha o caminhão. Se você for encarar os buracos todos e querer cumprir horário que as empresas exigem de motorista, você não chega."

O governo se defende. O secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Oliveira Passos, diz que o governo está se esforçando muito para melhorar a situação das estradas. Ele destaca que os investimentos na recuperação de estradas são maiores do que os realizados pelos governos anteriores. O secretário do Ministério dos Transportes explica por que existem tantos trechos em condições ruins

"Isso decorre do fato de que o Brasil levou praticamente uma década com níveis de investimento em transporte inferiores àqueles que seriam razoáveis e adequados. É óbvio que a reversão de uma situação como esta, que por consequência provocou um grau de degradação muito forte no patrimônio rodoviário federal. A reversão de um quadro como este leva tempo, e nós estamos trabalhando, atuando em vários eixos rodoviários, principalmente levando em conta aqueles que tem importância no que diz respeito ao escoamento das safras, da produção agrícola."

Mas os caminhoneiros observam somente a degradação das estradas. Nelson Pereira da Silva, de Brasília, diz que já perdeu cargas inteiras por causa das condições das rodovias brasileiras.

"Essa viagem que eu fui para Fortaleza, eu tive que pagar, tomei prejuízo, devido aos buracos, amassou muito a mercadoria, eles não recebem."

Vanderlei Mafra fala do alto de 10 anos de experiência como caminhoneiro. Ele tem visto algumas melhorias nas estradas, mas, na média, acha que o estado delas está piorando.

"Tem estrada, por exemplo, no Nordeste, que não tem como você andar. Você vê a entrada da capital com uma rodovia como esta aqui."

Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Transporte, 56% das rodovias encontram-se com pavimento em estado deficiente, ruim ou péssimo.

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Robson de Almeida Coutinho Júnior tinha 33 anos, quando saiu de Caldas Novas, em direção a Goiânia, numa noite chuvosa de janeiro deste ano. De repente, a estrada não existia mais. O carro caiu numa vala de 10 metros de altura e Júnior morreu soterrado. O irmão, Charleston Reis Coutinho, não se conforma com o acidente. Ele conta que o governo de Goiás construiu tubos de escoamento de água onde deveria haver uma ponte. Segundo Charleston, a manutenção dos tubos era precária, e com o excesso de chuvas, a estrutura se rompeu, levando Júnior. Ele conta que a investigação do acidente ainda está em andamento, mas a família já foi informada de que não deve ter esperanças de obter indenização na justiça, o que revolta Charleston. Mas ele não vai desistir de acionar judicialmente o governo de Goiás.

"Não é nem em função de pleitear a indenização, apesar de que meu irmão deixou um filho de 8 anos que precisa disso, mas demonstrar a irresponsabilidade do estado e daqueles que eram responsáveis pela manutenção. Para que isso fique estigmatizado de como o administrador público falha muitas vezes na sua atuação, não sendo correto na forma de agir."

O acidente de Júnior foi causado pelas falhas na estrada, mas segundo dados do Programa Federal de Redução de Acidentes no Trânsito, PARE, a grande maioria dos acidentes é causada mesmo por erro humano. Um dos coordenadores do programa, Fernando Pedrosa, diz que as falhas humanas são responsáveis por mais de 90% das ocorrências trágicas nas rodovias brasileiras. Mas ele admite que uma via mal conservada também contribui para o acidente. Fernando Pedrosa lembra, entretanto, que o péssimo estado das rodovias acaba fazendo com que o motorista tenha mais cuidado. Ele destaca que, nesses casos, acontecem muitos danos materiais, como quebra de suspensão ou de rodas, mas a vida humana acaba ironicamente preservada pelos buracos na estrada.

"Os acidentes que culminam em mortes, e lesão permanente em vítimas, são decorrentes do excesso de velocidade, isso a gente só faz quando a pista é adequada. Em ultrapassagens indevidas, quando também a pista permite você imprimir velocidade."

O diretor do Grupo de Socorro e Atendimento ao Trauma, Fernando Gallotta, vê isso acontecer na prática todos os dias. Ele é voluntário de atendimento de emergência, já socorreu vários acidentados da via Dutra, e diz que a culpa de quase todos os desastres é humana. De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação em Transporte da Universidade de Brasília, José Alex Santana, o número de acidentes no Brasil é muito mais alto do que nos outros países. Ele revela que, no ano passado, somente nas rodovias federais, aconteceram mais de 112 mil acidentes.

"Nesses acidentes, nós tivemos 67 mil feridos. E mais 6116 pessoas que morreram na estrada. Fora os feridos que morreram no hospital depois ou em casa."

O Coordenador do PARE, Fernando Pedrosa, acha que somente uma ampla campanha de educação para o trânsito pode mudar esses números. Ele lamenta que o acidente de trânsito seja uma ocorrência tão freqüente que a sociedade tende a banalizá-lo.

O diretor do Grupo de Socorro e Atendimento ao Trauma -GSAT, Fernando Gallotta, constata, todos os dias, que nada num acidente é banal. Ele socorre acidentados na Via Dutra, e conta como é ver alguém morrendo num acidente.

"Não tem dor maior para a gente que está tentando salvar a vida de alguém e ver que, infelizmente, aquela vida se foi. A gente faz de tudo, todos os procedimentos de primeiros socorros, abertura de vias aéreas, contenção de hemorragias, e quando você vê que infelizmente todo esse procedimento, ainda assim, não salvou aquela vida, isso contrasta muito para a equipe."

A compensação são as várias manifestações de carinho recebidas pelas vidas que ele e seus colegas conseguem salvar, em seu trabalho voluntário, tentando diminuir o número de mortes nas rodovias brasileiras.

De Brasília, Adriana Magalhães.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

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