Direitos Humanos

Mães de pessoas com deficiência ou doenças raras pedem programas públicos de apoio

Conhecidas como mães atípicas, elas destacam sobrecarga de trabalho, abandono paterno e falta de redes de apoio psicológico e financeiro

11/11/2022 - 14:58  

 

Mães de pessoas com deficiência ou com doença raras, conhecidas como mães atípicas, pediram programas públicos de apoio, em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, nesta sexta-feira (11).

Os deputados Tereza Nelma (PSD-AL) e Léo Moraes (PODE-RO), que solicitaram o debate, citaram levantamento de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) segundo o qual na população brasileira acima de 2 anos há 17,3 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 8,4% da população do País.

“E o cuidado sobre essa população sempre recai sobre uma figura feminina, em geral, a mãe”, salientou Tereza Nelma. Ela disse que deparar-se com as limitações dessas crianças em uma família, em geral, gera sofrimento, frustração e medo. “Por esse motivo, exercer a maternidade nessas situações é uma experiência complexa”, ressaltou. Ela acrescentou que as crianças autistas, por exemplo, têm dificuldades de realizar as atividades do dia a dia, exigindo mais dos pais e cuidadores. A deputada frisou que muitas mães se veem obrigadas a renunciar a suas carreiras profissionais, relações afetivas e vida social.

Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados
Audiência Pública - A maternidade atípica no Brasil.
Tereza Nelma: é papel do Parlamento formular políticas públicas multissetoriais

A parlamentar destacou ainda a falta de redes que apoiem as mães psicólogica e financeiramente. “Segundo dados de 2012 divulgados pelo Instituto Baresi, no Brasil, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiência e doenças raras antes de os filhos completarem cinco anos”, citou. De acordo com ela,  muitos pais “não conseguem suportar o luto do abandono da ideia do filho ideal”. A deputada defendeu um programa de apoio psicológico na rede pública de saúde para essas mães, já que muitas recorrem a ONGs, que não dão conta da demanda. Ela acrescentou que é papel do Parlamento formular políticas públicas multissetoriais para apoiar essas mulheres.

Tereza Nelma é relatora, na comissão, do Projeto de Lei 2859/20, do deputado Léo Moraes (PODE-RO), que institui a Semana Nacional da Maternidade Atípica, a ser comemorada anualmente na terceira semana de maio.

Mães sobrecarregadas
Fonoaudióloga e ativista, Maria Klivianny afirmou que em Rondônia já existe uma lei estadual com esse fim. Ela também salientou a ausência de políticas públicas para essas mães. De acordo com a debatedora, elas recebem estereótipos como de mães guerreiras. “Mas o que elas são mesmo são mães sobrecarregadas”, destacou.

Na avaliação dela, não se pode romantizar o cansaço dessas mães. A ativista disse que o nível de suicídio entre as mães atípicas é muito elevado. “Que o poder público possa enxergá-las como pessoas de direito que são”, defendeu, ressaltando a necessidade do cuidado com a saúde mental para que as mães possam exercer o cuidado dos filhos. De acordo com Maria Klivianny, essas mães precisam ser atendidas pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e muitas delas vivem em insegurança alimentar.

Mãe e ativista, Deusina Lopes frisou a importância de proporcionar condições para que as mães atípicas trabalhem mesmo recebendo Benefício da Prestação Continuada (BPC). Ela propôs que as políticas para essas mães façam parte do plano do próximo governo. Além disso, pediu estímulo e apoio à paternidade responsável dos pais de filhos com deficiências.

Visão do governo
O secretário nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Cláudio Panoeiro, afirmou que o propósito do projeto de lei em discussão - de criação da semana nacional da maternidade atípica - é estabelecer a visibilidade desse grupo, porém ponderou que talvez a proposta não atinja o seu objetivo. “O problema aqui é que as mães rechaçam expressões como mães guerreira, mãezinha, mãe superadora”, observou.

Panoeiro lembrou que o movimento de mães atípicas surgiu a partir de mães de filhos com transtorno do espectro autista. E sugeriu “em vez de criar uma data específica, trazer isso para dentro do movimento do próprio autismo, para não ter duas datas”. Isso poderia ser feito, conforme ele, por meio de uma alteração da Lei 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. “O risco de se criar uma semana própria é não alcançar a visibilidade pretendida”, acrescentou.

A deputada Tereza Nelma salientou a necessidade de se conceituar, no projeto, a mãe atípica, para delimitar se é apenas a mãe de pessoas com transtorno do espectro autista ou se abrange também mães de todas as pessoas com deficiência ou doenças raras. Maria Klivianny avaliou que o conceito abrange mães de filhos com qualquer tipo de deficiência e que o dia 2 de abril, Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo, não representa todas as mães.

Já a coordenadora-geral de Saúde Perinatal e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde, Janine Selva Ginani, apoiou a proposta. Ela afirmou que as políticas públicas existentes para esse público foram também fruto da luta dessas mulheres. “Um dos avanços que eu destaco muito é a inclusão de um instrumento de rastreio precoce de risco de transtorno do espectro autista na caderneta da criança”, citou. Segundo Janine, as campanhas do ministério sobre o tema ressaltam a necessidade de rede de apoio, da divisão do trabalho e da presença paterna. “Enquanto ministério, abraçamos essas mulheres e queremos trabalhar junto.”

Reportagem - Lara Haje
Edição - Ana Chalub

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