Direitos Humanos

Estudo do Unicef identificou 35 mil mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes no Brasil

Levantamento compilou ocorrências policiais em todos os estados de 2016 a 2020

10/05/2022 - 14:44  

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Debate sobre o enfrentamento às múltiplas violências na Primeira Infância. Danilo Moura UNICEF - Convidado Panorama Violência Sexual e Letal das Crianças
Danilo Moura, do Unicef, ressaltou que 80% das vítimas de mortes violentas são negras na faixa etária de 10 a 19

Oficial de Monitoramento de Avaliação do Unicef, Danilo Moura apresentou o Panorama sobre a violência letal e sexual contra as crianças e adolescentes no Brasil, estudo realizado pela Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Publicado no ano passado, o estudo compila as informações dos boletins de ocorrências das polícias das 27 unidades da federação do período de 2016 a 2020.

O estudo foi apresentado aos deputados durante o debate "Enfrentamento às violências na primeira infância”, promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10), em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância.

O estudo identifica 35 mil  mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes no País nesse período – portanto, uma média de 7 mil mortes por ano ao longo dos últimos cinco anos. Os casos se concentram sobretudo no Nordeste do País. A grande maioria das vítimas são adolescentes de 15 e 19 anos. Porém, foram identificadas nesse período pelo menos 1 mil mortes de crianças de até 9 anos de idade, ou seja, cerca de 200 mortes por ano – número muito alto, na avaliação do Unicef.

Danilo Moura ressaltou ainda que 56% das vítimas de mortes violentas são negras na faixa etária de 0 a 9 anos, número que sobe para 80% na faixa etária de 10 a 19 anos. A prevalência é de vítimas do sexo masculino. Entre as crianças de até 9 anos, 2/3 foram meninos. Essa proporção vai aumentando com a idade, e entre 15 e 19 anos, os meninos representam 92% das vítimas.

Na faixa etária de 0 a 9 anos, em 85% dos casos o autor do crime é conhecido da vítima; em 41% dos casos a morte ocorre dentro de casa, e o meio empregado é a arma de fogo em 46%. Já no caso das mortes de 10 a 15 anos, o autor é conhecido da vítima em 65% dos casos; o crime ocorre em vias públicas e outros locais em 86% dos casos; 75% dos crimes ocorre com uso de arma de fogo; e 5% das mortes são decorrentes de intervenção policial. Esse número sobre para 10% no caso de adolescentes de 15 a 19 anos; e nesse faixa etária as mortes provocadas por arma de fogo representam 85% dos casos; 88% dos casos ocorre em vias públicas e em 56% dos casos tem autor desconhecido das vítimas.

“As crianças pequenas estão expostas principalmente à violência doméstica, a um fenômeno que acontece dentro de casa, com autores responsáveis e por isso a prevalência da arma de fogo é menor, porque a violência doméstica se utiliza de outros meios”, resumiu o representante da Unicef. Ele frisou que em geral a criança já estava exposta à violência antes da morte. Os adolescentes, por sua vez, estão sendo mortos pela violência armada urbana, e o índice dessa violência vem caindo, ao contrário da violência doméstica contra as crianças, que vem aumentando nos últimos anos.

Violência sexual
Devido a problemas com os dados referentes a 2016, a análise dos registros de violência sexual refere-se ao período entre 2017 e 2020. Nesses quatro anos, foram registrados 180 mil casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos – uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de até 10 anos representam 1/3 do total de vítimas nesses quatro anos.

A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina – quase 80% do total. Um número muito alto dos casos envolve meninas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13 anos a idade mais frequente. Em mais de 80% dos casos, em todas as faixas etárias de crianças e adolescentes, o autor era conhecido da vítima. No caso da violência sexual, a maior parte das vítimas é branca – o que, segundo o representante da Unicef, mostra que esse tipo de violência está presente em todos os tipos de família brasileira, sem estar atrelado a um padrão de desigualdade social/racial.

Não bata, eduque
Marcia Oliveira, representante da rede Não bata, eduque, que trabalha a prevenção da violência contra a criança e adolescente, salientou que na sociedade brasileira a violência ainda é usada como ferramenta de disciplina. Segundo ela, os dados compilados do Disque 100 de 2011 a 2019 mostram que os quatro maiores tipos de violência contra crianças e adolescentes são a negligência (37%), a violência psicológica (24%), a física (21%) e a sexual (11%).

Ela apresentou também dados da Sociedade Brasileira de Pediatria mostrando que todos os dias no Brasil são notificados em média 233 agressões de todos os tipos contra crianças e adolescentes, sendo que muitas delas levam a internações hospitalares e mortes. E ressaltou que se deve focar em trabalhar na prevenção em vez de no dano, apoiando a família para romper o círculo de violência, por exemplo, por meio de programas de visitação familiar, e ampliando a oferta de creches, por exemplo.

As causas da violência incluem falta de acesso à renda, habitação digna, segurança alimentar, machismo, racismo, dificuldade de comunicação e de resolução de conflitos e consumo de álcool e outras drogas.

Reportagem - Lara Haje
Edição - Geórgia Moraes

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