Prorrogação do auxílio emergencial é unanimidade entre debatedores
Representante do Ministério da Cidadania diz que é importante preservar o equilíbrio fiscal do país
10/06/2020 - 15:57 • Atualizado em 10/06/2020 - 17:27
Economistas e assistentes sociais que participaram de um seminário promovido pela Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (10), defenderam a prorrogação, até o fim do ano, da renda emergencial destinada a amenizar os efeitos da crise decorrente da pandemia de Covid-19 entre os mais pobres no Brasil. A necessidade de prorrogação do benefício foi unanimidade entre os participantes do debate. A dúvida diz respeito ao valor que deverá ser pago, se os atuais R$ 600 ou se outra quantia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já confirmou que vai estender o auxílio emergencial por mais dois meses, possivelmente no valor de R$ 300. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, já disse que a medida deverá ser novamente analisada pelo Congresso Nacional. Da primeira vez, a renda foi aprovada pelos parlamentares e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril, para vigorar por três meses.
Nesta quarta, Rodrigo Maia voltou a dizer que sabe das dificuldades do governo quanto ao assunto, mas acredita que o debate deve avançar. “Tem que avançar, mas nós temos que avançar baseados em formulações também em relação ao ponto de vista da capacidade do Estado brasileiro de financiar isso”.
A dúvida de Maia é se o Brasil tem condições de financiar a prorrogação e até a instituição de um programa permanente sem gerar perda de controle da dívida pública.
Renda mínima
A economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics Monica de Bolle explicou que, prorrogando o programa até dezembro, serão adicionados quatro pontos percentuais de dívida pública, em um cenário que já é de ascensão da dívida pública. “Os seis meses [de prorrogação] são inquestionáveis. Como a gente calibra? A gente pode pensar num valor intermediário entre R$ 300 e R$ 600”, ponderou a economista.
Por outro lado, Monica de Bolle observou que o Brasil não tem condições de simplesmente tornar o auxílio permanente. Mas disse também que um programa de renda mínima teria capacidade de gerar mais arrecadação para estados e municípios, porque parte do investimento volta na forma de ICMS cobrado sobre o que é consumido, por exemplo.
“As pessoas que saíram do mercado de trabalho terão muita dificuldade de reinserção. A recuperação e a retomada do Brasil vai ser lenta, e essas pessoas vão continuar desassistidas caso a gente não tenha um programa de renda mínima”, defendeu a pesquisadora.
No que diz respeito a renda mínima, o ministro Paulo Guedes também já mencionou a possível criação do programa Renda Brasil, para substituir diversos programas sociais.
Redução
O assistente social e professor de práticas sociais Marcelo Reis Garcia, que também participou do seminário desta quarta, discordou de uma possível redução no valor do benefício emergencial. “Diminuir para 300 reais é um sacrifício para a população pobre desempregada. Neste momento, precisamos de um programa que garanta sobrevivência e esperança nas pessoas. Tirar esse pouco é absurdo. É não conhecer a vida diária da pobreza brasileira”, disse.
O secretário-executivo adjunto do Ministério da Cidadania, Martim Cavalcanti declarou que o governo se preocupa em ajudar as pessoas, mas está atento à questão fiscal. “A gente tem que manter um atendimento, a gente tem que ser fraterno, atender aos vulneráveis, mas sempre lembrando que os mais afetados por um desequilíbrio fiscal são exatamente os mais vulneráveis”.
Discordando de Cavalcanti, a assistente social e especialista em gestão de políticas públicas Paola Carvalho acredita que a renda é um direito de cidadania. “O estado mínimo que este governo defende há muito tempo é exatamente para quem? Não me parece que o TCU e os órgãos de controle têm os mesmos critérios quando a liberação é feita para os grandes bancos. Me parece que aperta o garrote sempre que é para as populações mais pobres”, criticou.
Contribuição emergencial
A sugestão do sociólogo Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, é que se crie uma contribuição social emergencial sobre altas rendas, superiores a 15 salários mínimos. Seria complementar ao Imposto de Renda, sem ser permanente.
“É viável politicamente . A gente poderia estabelecer uma alíquota de 10% para rendas de 15 a 40 salários mínimos, 15% para 40 a 80 salários mínimos e 20% para 80 salários mínimos ou mais. Isso permitiria arrecadar emergencialmente R$ 142 bilhões. A gente coloca a conta sobre aqueles que estão perdendo menos”, defendeu.
Demora
Para Tereza Campello, que foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo de Dilma Rousseff, o Brasil demorou a tomar decisões em todos os aspectos da crise.
“O Brasil tem 40 mil famílias que enterraram seus mortos. É desse jeito que a gente tem que olhar o auxílio emergencial. O governo podia ter agido. A gente sabia que essa crise ia nos alcançar. O governo não precisava esperar, em abril, o Congresso tomar uma atitude e dizer ‘governo, pague o auxílio emergencial’”.
A renda emergencial, disse ainda a ex-ministra, é um recurso para garantir que a população possa ficar em casa, sem precisar sair para a rua para trabalhar, com risco de contaminação.
“É uma renda que as pessoas estão investido em comida. Não estão comprando roupa, não estão guardando. Está indo para a segurança alimentar, comprando comida que é produzida no Brasil.”
Assistência social
Para Marcelo Reis Garcia, o atual governo tem promovido o esvaziamento da assistência social no País. Ele também criticou a utilização de aplicativo bancário na concessão do auxílio de R$ 600. “A correria do aplicativo bancário deu no que deu porque se esvaziou o trabalho da assistência social. Se a gente achar que aplicativo resolve problema social, a gente está no caminho erradíssimo neste país”, afirmou.
Segundo Martim Cavalcanti, o canal digital foi utilizado porque o governo precisava acessar os informais que não estavam no Cadastro Único. Ele assumiu que ocorreram erros, em razão de o sistema ter sido implantado rapidamente, com o objetivo de chegar logo às pessoas. “Em menos de 60 dias, já analisamos mais de 120 milhões de CPFs. Mais de 60 milhões de pessoas recebendo o auxílio emergencial”, listou.
O governo, disse ainda Cavalcanti, está evoluindo para um canal presencial, inclusive para que os conselhos de assistência social (Cras), como demandado por Garcia, façam o serviço. “Fizemos um contrato com os Correios para que as pessoas que não têm acesso à internet possam se cadastrar por outros meios”, disse também o secretário do Ministério da Cidadania.
Os outros participantes do seminário criticaram o governo por não conhecer o número de trabalhadores informais antes da atual crise. “O governo se surpreendeu com o número de pessoas em vulnerabilidade e invisíveis. Para quem essa população é invisível e até quando será?”, questionou, por exemplo, Paola Carvalho.
Reportagem - Noéli Nobre
Edição - Roberto Seabra