Para Unicef, redução da maioridade penal põe ECA em risco
Proposta foi aprovada em 1º turno pela Câmara. Nova votação deve ocorrer só em agosto.
10/07/2015 - 18:32
O coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mário Volpi, afirma que todas as mudanças feitas até hoje no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/90) foram para “garantir que os princípios pudessem responder à realidade”. Mas ele acredita que agora a legislação está em risco, por conta da aprovação da mudança na Constituição para reduzir a maioridade penal.
A proposta aprovada na Câmara dos Deputados (PEC 171/93), em primeiro turno, reduz a maioridade de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso (com a intenção de matar) e lesão corporal seguida de morte. Os deputados precisam ainda analisar a matéria em segundo turno, o que deve ocorrer só em agosto. Se aprovada novamente, o texto seguirá para o Senado.
“É um grande retrocesso [a redução], porque não há nenhuma evidência de que uma medida dessa natureza poderia contribuir com a melhoria da situação das crianças e dos adolescentes e com a redução da violência; poderia inclusive agravá-la”, aponta Volpi. Para ele, o País precisa investir em políticas públicas para os jovens. “O grande desafio é ampliar as oportunidades para os adolescentes”, salienta.
Também contrária à redução da maioridade penal, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que foi relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou na legislatura passada a exploração de crianças e adolescentes, explica que, até agora, todas as mudanças ocorridas no ECA foram para aumentar direitos, e não para reduzi-los. Entre elas, estão a lei que proíbe pais de aplicar castigo físico ou tratamento cruel e degradante para educar os filhos (13.010/1414) e a que tornou crime vender e servir bebida alcoólica a menores de 18 anos (13.106/15).
“Também foram aprovadas a Lei da Adoção [12.010/09], que colocou no estatuto capítulo sobre a responsabilidade do Judiciário e do Ministério Público para não deixar a criança abandonada em abrigos, e a tipificação do crime de estupro de vulnerável [Lei 9.975/00]”, acrescenta.
População defende redução
Diversos deputados, entretanto, favoráveis à redução da maioridade penal, consideram o ECA brando e argumentam que a aprovação da Câmara reflete o anseio da população. Pesquisa do Datafolha divulgada no último dia 22 revela que 87% dos entrevistados apoiam a diminuição da maioridade para 16 anos. Foram ouvidas 2.840 pessoas em 174 municípios do País.
Um dos autores da emenda aprovada pelo Plenário, o deputado Andre Moura (PSC-SE) destaca a necessidade de coibir a participação de jovens em crimes. “Em momento algum afirmamos que vamos resolver o problema da segurança do País, mas vamos dar limites para esses marginais disfarçados de menores”, diz.
Garantia de direitos
Com relação ao ECA, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), por sua vez, ressalta que é preciso tirar do papel o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), criado pela Lei 12.594/12, que também modificou o ECA. O Sinase regulamenta a execução das medidas destinadas ao adolescente infrator.
Ela aponta que a punição e a ressocialização são apenas uma parte da questão: “É preciso trabalhar a redução da miséria e do analfabetismo, a inserção dessas crianças em situação de risco no espaço escolar”. Dorinha defende uma articulação maior entre os ministérios da Educação e da Saúde para a garantia dos direitos.
Conselhos tutelares
Para a consultora da área de direitos humanos da Câmara Debora Azevedo, um dos grandes avanços promovidos pelo ECA foi a exigência de criação, pelos municípios, dos conselhos tutelares para zelar pelos direitos de crianças e adolescentes. Em 25 anos, foram estabelecidos no País mais de 5,7 mil desses institutos, embora ainda haja 44 municípios que não criaram o órgão. Formados por membros eleitos pela comunidade, os conselhos devem ser acionados sempre que se perceba abuso ou situações de risco contra menores de 18 anos.
“A gente sente que já está sendo incorporado pelas famílias e pela comunidade a ideia de que, se há algum problema referente à criança e ao adolescente, eles têm de procurar o conselho”, aponta a consultora. Segundo ela, um dos obstáculos enfrentados pelas entidades é a falta de verba para o funcionamento. Muitos conselhos são criados, porém não têm equipamentos mínimos, como mesas e cadeiras, telefones e computadores.
Da Reportagem - MO