SUS não é obrigado a pagar reprodução assistida, mas projetos podem mudar isso
Especialistas lembram que Constituição considera planejamento familiar como “direito do cidadão” e que lei sobre o tema estabelece que concepção também é planejamento.
03/01/2013 - 10:57
O valor que se paga por cada tentativa de engravidar por meio de fertilização in vitro (FIV) no Brasil ainda é muito alto. O procedimento e os hormônios necessários para cada tentativa ficam entre R$ 10 e 15 mil nas clínicas particulares. Poucos serviços do País oferecem ao casal o procedimento sem custos, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que entre 8% e 15% da população mundial em idade fértil têm problemas para gerar filhos. No Brasil, segundo a OMS, são cerca de 280 mil os casais que convivem com a infertilidade.
Em 2005, o Ministério da Saúde tentou, por meio de uma portaria, tornar obrigatório o financiamento da reprodução assistida pelo SUS. A base era um anteprojeto redigido por especialistas. Quatro meses depois, o mesmo Ministério voltou atrás e suspendeu a portaria, alegando falta de recursos.
“É o problema reconhecido e crônico no nosso SUS, que é o subfinanciamento”, lamenta o deputado João Ananias (PCdo B-CE), autor de um dos requerimentos para a realização de uma audiência pública que, em junho do ano passado, reuniu na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, especialistas que discutiram, justamente, a possibilidade de tornar obrigatório o financiamento da reprodução assistida pelo SUS. “Levamos nossas conclusões ao Ministério da Saúde”, conta Ananias, que é médico.
Direito do cidadão
Em seu capítulo 7º, artigo 226, a Constituição Federal diz que o planejamento familiar é um direito do cidadão “de livre decisão do casal”. Diz também que “compete ao Estado propiciar os recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito”. Já a Lei do Planejamento Familiar considera como planejamento não só a anticoncepção, como também a concepção. Projetos de lei que tramitam na Câmara (PL 1184/03- o mais avançado em tramitação-, e PL 5730/09) tornam obrigatória a cobertura da Reprodução Assistida pelo SUS.
“Eu vejo que o governo trabalha muito mais na anticoncepção do que tenta resolver os problemas dos casais. Tem muita gente humilde que quer ter filho. Ter filho faz parte da saúde da pessoa. Não é o bem estar físico, mental e social o conceito de saúde? Um casal que não tem filho é um casal incompleto”, opina o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Adelino Amaral.
“Por que uma paciente que tem um poder aquisitivo não compatível com a técnica vai deixar de fazer? O direito de planejar a família é de todo mundo, quantos você quer ter e a hora que você quer ter é um direito do cidadão”, diz outra especialista e dona de clínica particular, Carla Martins. “Então, a gente briga muito, a gente que trabalha em clínica particular também tá nessa luta pra que o SUS libere e os planos de saúde. 10% da população é infértil”, acrescenta.
Além do Hospital Pérola Byton, vinculado ao Hospital das Clínicas de São Paulo- a maior referência na área no sistema público do Brasil-, em Brasília, o Hospital Materno Infantil (HMIB) dispõe, atualmente, de equipamentos modernos. Funcionando de forma intermitente desde 1998, o HMIB realizou cerca de 900 procedimentos de reprodução assistida, contabilizando 300 bebês nascidos.
A fila para ser atendido, porém, continua grande: são mais de 4 mil casais de diversas idades. Já foram chamados 2,8 mil mães e pais para passar pelos tratamentos de FIV e inseminação artificial.
Bons resultados
O serviço do HMIB já parou de funcionar diversas vezes por causa da falta de recursos.“Nós sobrevivemos graças às secretarias de saúde. De dois anos para cá é que nosso serviço está mais regular”, diz a coordenadora do serviço de reprodução assistida do HMIB, Rosaly Rulli, considerada uma “lutadora” pelos diversos especialistas de Brasília entrevistados ao longo desta série de reportagens.
O pequeno Filipe Ferreira, de um ano e nove meses, nasceu graças ao serviço do HMIB. Seu pai, Antero, havia feito vasectomia após ter tido três filhos de dois casamentos anteriores. “Eu já tinha meus filhos, mas ela queria ter um bebê dela, então tentei a reversão da vasectomia”, referindo-se à esposa atual, Sara Alves. Como o procedimento não deu certo, o que é muito comum, o casal procurou o HMIB. “Eu me informei e fiquei sabendo do HMIB”, conta Sara.
Os dois seguiram o procedimento padrão: foram a um centro de saúde, que detectou o problema e só então os encaminhou para a doutora Rosaly. Passaram-se cinco anos entre a primeira ida ao centro de saúde e a realização da primeira FIV. A que deu certo foi a segunda. “Engravidei de gêmeos, mas só o Filipe se desenvolveu”, conta Sara, então com 32 anos.
Na primeira tentativa, haviam sido transferidos três embriões, apesar de Sara ter menos de 35 anos, idade em que a nova resolução do Conselho Federal de Medicina já preconizava a transferência de apenas dois embriões. “Sabíamos que poderiam ser gêmeos, corremos atrás das experiências positivas como a da Fátima Bernardes (que teve trigêmeos) e a do Pelé (que teve gêmeos)”, disse Antero, afirmando que não se ativeram a qualquer dos possíveis problemas de uma gravidez trigemelar.
Serviço interrompido
Em meio às três tentativas que fez para engravidar em clínicas particulares, a jornalista Mércia Maciel decidiu recorrer ao HMIB. “Lembro que no meio do tratamento o hospital público de Brasília reabriu o serviço. Ao chegar lá foi mais uma frustração nessa minha caminhada. Quando eu cheguei já tinha uma lista de mulheres na minha frente, eu já estava quase perto dos 40 anos, com o relógio biológico já acendendo todas as luzes vermelhas, não mais amarelas. E tinha lá menina de 20 anos, 22 na minha frente e eu questionei isso lá: ‘uai, eu preciso pra ontem, e tem meninas mais novas que eu’. E eles: ‘ah é, o nosso procedimento é esse. É ordem de chegada’”, contou.
“O critério é a ordem de chegada mesmo”, afirma Rosaly Rulli, lembrando que a idade não é o único fator que pode significar problemas para engravidar. Ela lembra o caso de mulheres jovens como Sara Alves que só ficariam grávidas se passassem pela FIV por causa da vasectomia do marido. Ou de mulheres jovens com maridos ou companheiros mais velhos, que terão poucos anos para cuidar da criança.
Depois de gastar em torno de R$ 50 mil, em valores de 10 anos, não conseguiu engravidar e partiu para a adoção. É mãe de David, hoje com 10 anos.
Portugal
Já a também jornalista Daniela Rubstem e o marido Rui, pais de Fernando, de três anos, optaram por fazer o tratamento em Portugal, onde ela morava na época, entre outras razões, por causa do alto preço cobrado pelo tratamento no Brasil. “Lá paguei o correspondente, atualmente, a cerca de R$ 10 mil pelo tratamento todo; aqui teria pago uns R$ 15 mil”.
Além disso, Daniela achou o acompanhamento feito pela clínica portuguesa muito melhor do que o brasileiro. “Meu marido estava trabalhando em outro País, mas mesmo assim, lá eu nunca me senti sozinha. Durante a gravidez, eles me ligavam todo dia. Além disso, têm uma equipe completa, inclusive com psicólogo à disposição”, disse. “Até hoje eles me telefonam e acompanham o desenvolvimento do Fernando”.
Nas clínicas particulares brasileiras não é comum os médicos acompanharem as pacientes nem durante a gravidez, ou após o nascimento do bebê.
Reportagem- Mariana Monteiro
Edição – Natalia Doederlein