Parlamentares e militares avaliam qual será o papel da Comissão da Verdade
11/05/2012 - 11:56
A Comissão Nacional da Verdade deverá ser marcada por tensão. Nesta quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff anunciou os nomes dos indicados para compô-la e marcou a instalação para o próximo dia 16. Há os que defendem a rápida instalação da comissão e outros querem evitá-la.
Neste segundo grupo está o general da reserva Maynard Marques de Santa Rosa. Em sua análise, a Comissão da Verdade é uma costura política na qual “um dos lados” fará a revisão da recente história brasileira para adaptá-la a seus interesses políticos. Sentimento que, diz o general, provoca revolta na caserna.
“Ela não pode ser imparcial porque está sendo conduzida, projetada, orientada por remanescentes de uma das facções em luta. Se houvesse um espírito isento de apuração, nenhum elemento político que esteve na repressão, seja na subversão, poderia estar inserido nessa comissão. Claramente fica estabelecido que a finalidade dela é revanchista”, reclama.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Domingos Dutra (PT-MA), discorda. “Não vamos fazer nada que não esteja na Constituição e no ordenamento jurídico. E, portanto, esse receio de que a gente possa pôr nossa posição pessoal sobre um assunto que é coletivo é um receio infundado. Não há receio nenhum de a gente agir com ódio. Eu não tenho ódio de nenhum daqueles, mesmo que tenham cometido barbaridades covardes no regime militar.”
Mas a neutralidade da comissão também é contestada pelo professor de Filosofia da Universidade de São Paulo, Vladimir Safatle. “Eu tenho dificuldade em admitir que alguém pode ser imparcial diante de crimes como estupro, sequestro, terrorismo de estado, assassinato, ocultação de cadáveres e coisas dessa natureza. Eu acho imoral pedir imparcialidade nesses casos.”
Lei da Anistia
Para o general Santa Rosa a apuração das violações aos direitos humanos durante a ditadura militar pela Comissão da Verdade pretende no futuro levar à revisão da Lei da Anistia (6.683/79). “Essa comissão surge como artifício para burlar o espírito da Lei da Anistia.”
A mesma posição é defendida pelo professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Denis Rosenfeld. “Vamos lançar o País num momento de discórdia e de conflitos. Veja a Argentina que até hoje está olhando para trás. O Brasil conseguiu uma transição pactuada é um caso único no mundo. Que contou com todas as partes. Militares interessados na democracia, o MDB organizações da sociedade civil como OAB, ABI, líderes sindicais. Isso foi uma transição histórica.”
Lei da Anistia é o nome popular da Lei 6683/79 promulgada ainda na ditadura pelo general presidente João Figueiredo. A lei anistiou quem praticou crimes políticos ou eleitorais, e restituiu os direitos de quem foi cassado ou perseguido pelo regime. Abrangente, a Lei da Anistia teve sua importância política para o caminho de volta à democracia no País.
Para o juiz José Henrique Torres, da Associação de Juízes para a Democracia, a Lei da Anistia foi fruto de um “afrouxamento” da ditadura e privilegiou as razões do Estado. “Como diria Drummond, no meio do caminho tinha uma pedra, que se chamava a Lei da Anistia. Por muito tempo tentaram nos convencer de que essa pedra era necessária para pavimentar os caminhos da democracia e que ela fora colocada ali em razão de um livre acordo nacional para possibilitar a transição política tranquila e pacificadora. Engano. Hoje sabemos que essa lei foi ditada pelo regime militar a um Congresso ilegítimo e impotente que não tinha liberdade política para pactuar ou fazer qualquer tipo de acordo.”

Militares
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que é militar da reserva, está preocupado com o que a história oficial vai registrar após a Comissão da Verdade. “Eles vão contar a estorinha como melhor lhes aprouver. E essa estorinha vai fazer parte dos currículos escolares. Você não pode julgar o período militar a partir de 31 de março de 64. Você precisa ver os antecedentes. Os militares foram pressionados a assumir o governo em março de 64”, afirma o parlamentar. De acordo com ele, a pressão sobre os militares partiu da igreja católica, dos empresários e até mesmo da grande imprensa da época.
Bolsonaro critica que nenhum militar foi chamado para compor a Comissão da Verdade e se preocupa com os depoimentos de militares à comissão. “Para o militar, quando está escrito que é dever colaborar, se ele não for à comissão, ele está incurso em transgressão disciplinar.” Além disso, o deputado critica o poder de a comissão apreender documentos. “A comissão tem poder de determinar diligências para busca e apreensão de documentos, tem poder de entrar na casa de qualquer militar ou qualquer civil que eles julguem que tenha colaborado com o regime militar no passado. Nem o Ministério Público pode invadir uma residência sem licença judicial”, reclama.

A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da Comissão Parlamentar da Memória na Câmara, no entanto, afirma que a minoria dos militares é contra a Comissão da Verdade. “Tem um segmento responsável por aquelas atrocidades que não tem interesse nenhum em trazer a luz essa verdade. São minoria. E a instituição não pode se manter manchada, atingida, suspeita de crime praticado há mais de 40 anos. Evidente que é um tema que gera tensão, insatisfações e reações.”
O professor da Universidade de São Paulo, Vladimir Safatle lembra que no Chile as Forças Armadas admitiram os erros do passado. “O Exército chileno foi mais brutal do que a ditadura brasileira pelo menos no número de mortos e teve a capacidade de fazer uma carta aberta à população pedindo desculpas pelo que fizeram. Nunca os militares brasileiros tiveram a honradez de fazer um mea-culpa dizendo que compreendem que aquele foi um momento negro da história das Forças Armadas brasileiras e que isso não mais voltaria a acontecer”, compara.
A questão da Lei da Anistia é complexa. Por se tratar de uma lei penal uma eventual mudança não poderia ter efeito sobre crimes do passado a não ser para beneficiar o réu. Por essa interpretação, não seria possível punir os agentes da repressão civis ou militares.
Reportagem - Eduardo Tramarim/Rádio Câmara
Edição – Natalia Doederlein