24/08/2021 18:22 - Direito e Justiça
Radioagência
Julgamento do STF pode iniciar reversão de ameaças aos direitos indígenas, dizem juristas
O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre demarcações de terras indígenas, previsto para esta quarta-feira (25), pode ser o início da reversão de uma série de ameaças aos povos originários em curso nos três poderes da União. A opinião foi manifestada por lideranças indígenas e juristas que participaram de audiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, nesta terça-feira (24).
Em uma disputa dos povos Xopleng, Guarani e Kaingang com o governo de Santa Catarina, o STF vai decidir se o direito dos indígenas à demarcação de suas terras é originário do descobrimento do Brasil, em 1500, ou deve se submeter ao marco temporal da promulgação da atual Constituição Federal, considerando apenas as ocupações de terras até 5 de outubro de 1988. Ex procuradora geral da República, a jurista Deborah Duprat afirma que, desde o julgamento da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2008, o STF tem reconhecido os usos, costumes e tradições dos povos originários na delimitação de um amplo espaço que permita habitação, produção, preservação dos recursos naturais e reprodução física e cultural de cada povo.
“Os direitos remontam à época da invasão, porque se reconhece que houve ali uma expropriação violentíssima. No processo constituinte, reconheceu-se que esse é um país formado por desterritorializações e diásporas e que esses povos foram organizando a sua tradicionalidade nos locais possíveis. Eles não estão mais em Copacabana nem em Ipanema porque foram expulsos, mas conseguiram se reconstruir como grupo em outros espaços. É um julgamento importantíssimo que vai dizer muito de nós e das nossas instituições”.
O julgamento do STF terá repercussão geral, ou seja, a decisão passará a orientar a gestão federal e os demais julgamentos em outras instâncias judiciais. Para juristas, indígenas e parlamentares que participaram da audiência na Câmara, será a oportunidade de reverter o que chamam de “retrocessos” na política indigenista do Executivo, projetos de lei “nocivos” no Legislativo e demora do Judiciário na garantia de direitos expressos na Constituição.
Advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana Batista ressalta a relevância do julgamento do STF para a correção de algumas condicionantes impostas na demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e que têm se tornado danosas aos interesses indígenas. Algumas delas, inclusive, estariam justificando a apresentação de projetos de lei no Congresso sobre exploração econômica das reservas. Integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Poran Potiguara, da Paraíba, citou a mobilização de mais de 6 mil índios que vieram acompanhar o julgamento no Acampamento Luta pela Vida, montado ao lado da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
“Respeitem as nossas organizações sociais. Não é um grupinho que vem aqui tirar foto com o presidente (Bolsonaro) que representa os mais de 340 povos desse Brasil. Juízes que vão julgar: vocês têm a responsabilidade de nos assegurar o direito à vida”.
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também manifestou esperança de reversão da onda de “retrocessos”, a partir do julgamento.
“Espero que, rapidamente, a gente possa mudar esse cenário negativo e sombrio”
Várias lideranças indígenas discursaram durante a audiência na Câmara. Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, de Roraima, pediu que os não-indígenas “deixem o povo da floresta cuidar do meio ambiente em paz”. Megaron Txucarramãe, da Terra Indígena Kapoto-Jarina, no Mato Grosso, e Alessandra Munduruku, da Federação dos Povos Indígenas do Pará, denunciaram a série de invasões de suas terras por grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. Patrícia Krin Si Atikum, do Movimento dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), fez defesa enfática dos territórios tradicionais, como o que ela ocupa na Terra Indígena Pankararé.
“É dessa terra que sobrevivemos e que tiramos os frutos, as caças e onde criamos nossos filhos. É dentro de um território indígena que a gente se encontra como membro de uma comunidade, zelando pelo nosso patrimônio espiritual e pelo nosso patrimônio de vida: nosso território, nossa terra, nossa casa”.
Para o presidente da Comissão de Legislação Participativa, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), o STF deve encerrar, de vez, a tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas.
“O marco temporal é uma interpretação definida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas. Na nossa opinião, a tese é injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos povos indígenas até a promulgação da Constituição”.
Indígenas, juristas e parlamentares também fizeram muitas críticas ao projeto de lei (490/07 e 13 apensados) que trata de demarcação e exploração econômica de terras indígenas. O texto polêmico foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça no fim de junho e aguarda a análise do Plenário da Câmara.
Da Rádio Câmara, de Brasília, José Carlos Oliveira








