Rádio Câmara

Reportagem Especial

MP dos Portos: a resistência de empresários e trabalhadores

19/03/2013 - 18h12

  • MP dos Portos: a resistência de empresários e trabalhadores (bloco 1)

  • MP dos Portos: a forma de contratação da mão-de-obra é o nó da discórdia (bloco 2)

  • MP dos Portos: a transferência de poder dos estados para a União (bloco 3)

  • MP dos Portos: governo quer fretes mais eficientes e baratos (bloco 4)

  • MP dos Portos: mudanças mexem com sindicatos e segurança dos portos (bloco 5)

Três meses após ter enviado ao Congresso uma medida provisória (595/12) criando um novo marco regulatório para os portos brasileiros, o governo federal ainda não sabe como enfrentar a resistência imposta por algumas categorias de empresários e trabalhadores.

Mobilizados, eles contribuÍram com boa parte das 645 emendas de parlamentares que sugerem alterações no texto.

Trabalhadores portuários entendem que a proposta, batizada de MP dos Portos, abre caminho para a precarização da mão de obra, com redução de postos de trabalho, achatamento salarial e perda de garantias. Uma das queixas é que os futuros terminais privados, que vão operar fora da área do porto público, poderão prestar serviços a terceiros e ainda contratar mão de obra livremente.

Já os empresários do setor, temendo uma competição desigual com os futuros terminais, querem mais investimentos do governo. Eles pedem melhorias nos acessos aquavário e terrestre, autorizações para ampliar as frentes de cais para receber navios maiores e diminuição de tarifas e da burocracia envolvendo árgãos como a polícia e a Receita Federais.

Antes da MP, a prestação de serviços portuários sá era permitida dentro dos 34 portos públicos do País. Nesse caso, era obrigatório que a contratação de trabalhadores avulsos, ou seja, sem vinculo empregatício, fosse feita diretamente de órgãos gestores de mão de obra, os chamados ogmos. Essas estruturas foram criadas pela Lei de Modernização dos Portos (8.630/93) para, entre outras funções, gerenciar as escalas de trabalho e capacitar a mão de obra avulsa nos portos públicos.

Para os trabalhadores, a ausência dos ogmos nos terminais privados força a categoria de portuários avulsos, formada por estivadores e capatazes, entre outros - hoje a maioria nos portos públicos -, a uma equiparação com outros regimes de contratação, como o celetista, caso queiram atuar na iniciativa privada. Eles entendem que a equiparação implica perda de direitos e garantias. Quem fala das diferenças dos modelos público e privado é o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Portuários (FNP), Eduardo Guterra.

"Nós já temos mais de 100 terminais privados operando no Brasil. Só que esses terminais operam com carga deles, cujo porto faz parte da cadeia de produção. E nós não questionamos isso. Agora, quando o governo resolve liberar para que novos terminais possam movimentar um container, uma carga, prestar um serviço público, aí nós entendemos que deve haver o concurso da mão de obra avulsa. Porque no porto público, onde as empresa privadas já operam, elas não atuam com carga própria. Eles são empresas com o objetivo de prestar um serviço público. Então, nós queremos essa isonomia de tratamento entre o porto publico e o porto privado."

Além da exigência de contratação pelos órgãos gestores, ou ogmos, Eduardo Guterra destaca outros pontos.

"Nós temos três pontos que nós queremos discutir na medida provisória. Essa questão do trabalho portuário também fora do porto organizado. A questão das empresas portuárias públicas, que está evidente na medida provisória e a questão da representação sindical."

As categorias de portuários avulsos ameaçam cruzar os braços caso não haja avanços na negociação. Em fevereiro, uma paralisação de seis horas envolveu 4 mil portuários no portos de Santos e cerca de 30 mil em todo o país.

Para o Executivo, a meta da MP é clara: estimular investimentos privados em terminais portuários e outras instalações (armazéns, estações de transbordo) para aumentar a oferta de serviços de carga, descarga e estocagem no litoral brasileiro. Com a MP, há previsão para a licitação de 159 terminais marítimos, dos quais 42 são novos, em áreas ainda não exploradas. A estimativa é que o total de investimentos nos portos some cerca de R$ 54 bilhões até 2017.

Favorável à medida provisória, a senadora kátia Abreu (PSD-TO) afirma que a MP não implica em perda de direitos dos trabalhadores.

"Na verdade, os trabalhadores estão reclamando e fazendo greve por um direito que não existe porque os seus direitos estão assegurados na MP. Eles estão trabalhando por direitos que nem sequer ainda foram construídos. Então, está havendo um desvirtuamento da situação, um equívoco e os trabalhadores precisam ser esclarecidos. Transferir o velho para uma situação moderna, que é o que se espera do país, o Brasil não merece, transferir esse sistema arcaico para os novos portos. Preservar direitos sim, mas transferir direitos inexistentes não é justo com o país."

Kátia Abreu alerta ainda para o risco de um "apagão" nos portos brasileiros.

"O próprio Tribunal de Contas da União já faz essa previsão: se não expandirmos nossa capacidade, teremos um apagão portuário nos próximos 7 ou 8 anos. O Brasil é um país que produz alimentos para o consumo interno, mas é um país exportador que tem mantido a balança comercial com base no agronegócio e nós não podemos fazer com que os produtos brasileiros percam a competitividade lá fora. Então, portos precisam ser construídos."

Quem já detém concessão e atua como operador portuário dentro dos portos organizados ou público apóia com ressalva as novas medidas. Muitos deles aproveitam para negociar a renovação antecipada de contratos e para cobrar do governo mais investimentos.

Por sua vez, arrendatários com contratos anteriores à Lei dos Portos, de 93, negociam a adaptação de seus contratos para que possam ter direito aos mesmos benefÍcios. Atualmente, 52 terminais que operam dentro dos portos públicos correm o risco de serem licitados por não terem sido adaptados à antiga lei, que previa contratos de 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos.

Quem fala sobre a situação desses contratos é o presidente da Associação Brasileira de terminais portuários (ABTP), Willen Manteli.

"O governo adaptou a maioria desses terminais, mas alguns vinham sendo empurrados com a barriga. A ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) se dispôs a analisar o caso, porque ela viu que é uma forma de liberar investimentos que ficaram retidos por causa dessa indefinição. Dos 52 terminais, 27 são filiados à ABTP e estariam dispostos a 'destrancar' cerca de R$ 10 bilhões em investimentos, 90% pertencentes ao sistema Petrobras."

Para quem ainda não atua no setor, o novo marco regulatório sinaliza a possibilidade de construir e operar o próprio terminal, escoando não apenas o que produzir, mas também embarcando produtos de outras empresas.

Mas o funcionamento de uma rede paralela de portos privados ainda depende de ajustes que viabilizem as mudanças sem causar greves que paralisem a atividade nos portos.

Relator da MP na comissão mista do Congresso, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) já admite mudanças.

"Estão se colocando de pé algumas ideias que possibilitarão a uma equalização, sem o que teríamos dois pesos e duas medidas e isso não interessa a ninguém. Nosso interesse é ter portos competitivos no mercado brasileiro e no mundo desenvolvido."

Eduardo Braga comenta ainda o que pode ser feito.

"A ideia é que nós possamos equalizar e equalizar significa fazer com que os que estão defasados ou em sistemas de outorga onerosos possam ter uma transição e uma equalização para que eles venham, a partir de agora, para a menor tarifa e o maior volume de carga versus os investimentos que precisam e que serão demandados, para isso também é preciso estabelecer um prazo menor para os investimentos."

O cronograma da comissão mista que analisa a MP 595 prevê que o texto final será apresentado dia 3 de abril e, se possÍvel, votado na semana seguinte pela Câmara e pelo Senado.

De BrasÍlia, Murilo Souza

De Brasília, Murilo Souza

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