Rádio Câmara

Reportagem Especial

Vidas no Trânsito: culpados

18/08/2011 - 00h00

  • Vidas no Trânsito: culpados (bloco 1)

  • Vidas no Trânsito: velocidade (bloco 2)

  • Vidas no Trânsito: educação (bloco 3)

  • Vidas no Trânsito: vontade política (bloco 4)

  • Vidas no Trânsito: socorro (bloco 5)

A Rádio Câmara apresenta uma série de de reportagens sobre a violência em nosso trânsito. Quem será o grande vilão do alto índice de acidentes nas estradas e ruas brasileiras? O motorista imprudente ou a estrada mal-conservada? Vamos falar de educação, fiscalização e vontade política, elementos identificados como estratégicos para mudar a realidade brasileira. Por fim, vamos falar sobre socorro nas estradas. O que pode e o que não deve ser feito para ajudar um acidentado. Na primeira matéria, a repórter Verônica Lima apresenta opiniões divergentes sobre a responsabilidade das mortes e lesões no trânsito.  

TEXTO

Acidentes de trânsito estão relacionados a três principais fatores: o motorista, o veículo e a via. Motoristas atentos e capacitados, veículos com equipamentos de segurança e manutenção em dia e ruas e estradas bem construídas, asfaltadas e sinalizadas são a receita para um trânsito mais seguro. Quanto a isso não há dúvidas. Mas o que não está tão certo é qual desses fatores é preponderante.

O servidor público mineiro Vicente Moura sofreu um acidente de carro no domingo de carnaval, dia em que ele esperava encontrar a BR-381 mais tranquila. Ao fazer uma curva em "S", foi atingido por um carro que vinha na outra direção, que não conseguiu fazer a curva e rodou. A responsável pelo acidente, segundo Vicente, foi a engenharia da estrada.

"Essa curva é negativa, ou seja, aquela curva que a pessoa que vem para fazer a curva no sentido que vinha e no meu também, ela tende a te jogar para fora. Acredito que esse tipo de curva é feito assim para evitar que a água que vem dos morros atravesse a pista naquele local ocasionando aquaplanagem. (...) Mas uma curva negativa é tão perigosa quanto a aquaplanagem."

O trecho da BR-381 em que Vicente trafegava é considerado um dos mais perigosos do país. Segundo Marcus Campolina, um dos fundadores do grupo de socorristas Anjos do Asfalto, o trecho de 100 km entre Belo Horizonte e a cidade de João Monlevade, na região centro-leste de Minas, tem 200 curvas sinuosas. O trecho ainda não foi duplicado.

O fundador da ONG mineira SOS Rodovias Federais, José Aparecido Ribeiro, defende que muitas mortes poderiam ser evitadas se as principais rodovias federais fossem reformadas. Ele explica que a maioria delas mantém o traçado original, construído há 60 anos. Com pistas simples e estreitas, essas estradas não estão adequadas à quantidade e à potência dos veículos atuais.

"Para muitos políticos, inclusive ministros, uma rodovia boa basta que seja asfaltada. Quando na verdade uma rodovia boa precisa de muito mais do que asfalto. Ela precisa ter inclinações condizentes com a proposta, que é de no máximo 6% de inclinação, as curvas precisam ter tangentes menores para dar mais segurança, não fazer o carro sair do traçado dele. E sobretudo pistas independentes com barreira física de concreto ou de aço ou o afastamento, o que é mais ecológico."

O Código de Trânsito Brasileiro determina que o condutor observe constantemente as condições físicas da via, do veículo e da carga, as condições meteorológicas e a intensidade do trânsito, obedecendo aos limites máximos de velocidade estabelecidos para a via.

E é por essa razão que a Polícia Rodoviária Federal confere ao condutor a maior responsabilidade sobre a ocorrência de acidentes, segundo o inspetor Juliano Leite, chefe da Divisão de Fiscalização de Trânsito do órgão.

"Se a via está em má conservação, óbvio que, se ele decidir andar de forma cautelosa, devagar, observando a sinalização, ele vai reduzir a possibilidade de ocorrência de acidentes. Se ele não observar que a via está em má condições e andar em alta velocidade, ou não ter descansado ou ter utilizado bebida ou qualquer tipo de bebida alcoólica, ele está decidindo não respeitar as condições que a via está lhe impondo."

O carro do corretor de imóveis Guilherme do Valle capotou numa estrada de cascalho quando ele dirigia a 90 km/h, quando tinha 18 anos de idade.

Nem ele nem os amigos tiveram sequelas, mas Guilherme ficou de cama por um mês e meio com uma lesão na coluna. Hoje, aos 42 anos, ele avalia o que aconteceu.

"O que eu acho que pode ter me feito sofrer o acidente? A inexperiência que eu tinha de pouco tempo de carteira e a irresponsabilidade de andar numa pista de cascalho acima da velocidade permitida e com som alto ligado, sem o uso de cinto de segurança."

O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros da Bahia, Fernando Lucena, diz que os caminhoneiros temem a impaciência de condutores de veículos pequenos. Mas ele não esconde o comportamento também imprudente dos motoristas de caminhão.

"Existem caminhoneiros que também provocam situações, está com pressa, não respeita nada, está aborrecido. Infelizmente também aparecem aqueles que nos postos de combustíveis ao longo das estradas vendem (...) comprimidos para não dormir. Nesse ponto, ele fica excitado. Ele tem a necessidade da pressa, tem necessidade de chegar, tem necessidade de entregar a carga. E quando encontra um carrinho pequeno que vai fazer estripulia na frente dele, paciência, aí a coisa acontece."

Mas para o sociólogo e professor em Educação e Segurança de Trânsito, Eduardo Bivatt, é um equívoco pensar que a violência do trânsito resulta de um comportamento individual.

"Claro que tudo depende de uma atitude, de uma ação individual. É o motorista que acelera, é ele que liga o carro, o carro não liga sozinho, tudo bem, realmente é o indivíduo, mas esse indivíduo se encontra com outro, ou com outro carro ou numa esquina com pedestre, esse encontro explosivo se dá num contexto."

Se o pedestre não tem calçada para caminhar, por exemplo, diz Eduardo, ele não pode ser responsabilizado por ter sido atropelado enquanto andava no meio da rua.

Eduardo explica que entender que o indivíduo não é o principal responsável não significa que motoristas e pedestres não devam estar bem preparados. Significa apenas que precisamos apontar também os outros responsáveis pelos acidentes. Mesmo porque, diz Eduardo, não é porque as pessoas erram, tomando atitudes precipitadas ao volante, que elas merecem morrer.

Texto e apresentação de Verônica Lima

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

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