Rádio Câmara

Reportagem Especial

Pais separados, filhos educados pelas babás - a família do século 21 - ( 09' 17" )

12/10/2005 - 00h00

  • Pais separados, filhos educados pelas babás - a família do século 21 - ( 09' 17" )

TRILHA: FAMÍLIA, Titãs

Até há um tempo atrás, família era algo fácil de se definir. Havia o pai, a mãe e os filhos, simples assim. Nos dias de hoje, a família ganhou uma complexidade muito grande: são filhos criados somente pela mãe. Criados pela mãe, pelo novo marido dela e ganhando como irmãos os filhos dele. Criados pelo pai, pela avó e até mesmo pela babá.

A separação dos pais é terreno fértil para essa nova configuração familiar. O psicanalista José Inácio Parente diz que, antigamente, a separação era um fantasma na vida de pais e filhos. Mas hoje virou rotina. Ele aconselha os pais a pensarem antes em seu próprio bem-estar que, certamente, os filhos serão beneficiados a reboque.

"O que mais beneficia as crianças é o prazer dos pais. Às vezes os pais não se separam, e estão super infelizes por causa das crianças. Isso faz muito mal às crianças, o que mais faz bem às crianças é o prazer dos pais"

E a separação não tem que necessariamente significar o sumiço de um dos pais da vida dos filhos. José Inácio aconselha seus pacientes a optarem pela guarda compartilhada, que é uma alternativa para que os pais separados tenham igual presença na vida dos filhos. Dessa forma, os filhos podem passar um mês com o pai e outro com a mãe, por exemplo.

"Durante o mês em que a criança está com o pai, ela fica todo final de semana com a mãe. às Vezes toda 4ª-feira à noite com a mãe e todo final de semana. Na vez que está com a mãe, fica todo final de semana com o pai. De maneira que não fica um mês longe. Fica um mês com um, mês com outro. Inspirado nessa situação, muitas instituições ligadas à paternidade e à maternidade têm feito uma campanha que chamam de guarda compartilhada"

O divórcio do policial militar João Valério Lisboa trouxe uma nova configuração familiar à vida de Raíssa, sua filha. Nos dois primeiros anos de separação, eles adotaram o modelo tradicional, em que o filho fica com a mãe e o pai paga pensão. Mas não deu certo. Daí, João decidiu criar sua filha. Ele explica porque pediu a guarda de Raíssa.

"Muito largada, porque a mãe trabalhava e estava estudando também. Aí eu peguei ela, porque ela estava tomando até ´bomba"

João conta que a ex-esposa não se importou com a mudança. Mas ele admite que se preocupou mais com Raíssa porque já tinha casado novamente. Se continuasse divorciado, ele acha que seria mais difícil cuidar sozinho da filha.

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O mundo moderno trouxe outra dimensão à presença das babás na vida das crianças. Com o dia dedicado ao trabalho, as mães optam por deixar o filho numa creche ou contratam uma babá. A psicóloga Beatriz Gang Mizrahi (Mizrarrí) escreveu um livro sobre a relação entre pais e filhos, baseado na sua dissertação de mestrado.
Ela diz que o mundo globalizado obriga essa nova configuração, e os casais acabam deixando as crianças tempo demais a cargo de pessoas alheias à família. Beatriz destaca que o tempo que os pais dedicam a seus filhos não é uma questão puramente familiar, e sim decidida e função da atividade profissional.

"No momento em que esse mundo em que a gente vive lá fora, social, ele se torna cada vez mais focado nas relações de mercado, esse espaço da intimidade e do afeto, dentro de casa, fica comprometido também"

A funcionária pública Patrícia Mesquita conta que aproveitou bem o primeiro ano de sua filha, Carolina, porque trabalhava apenas meio expediente. Mas quando precisou trabalhar o dia inteiro, ela revela que passou por vários momentos de insegurança. Achou que sua filha ia perder tudos os hábitos - que ela considera saudáveis - construídos durante o primeiro ano de vida. Patrícia diz que o maior problema era dela própria, porque ficava angustiada com a distância da filha. Outra fonte de insegurança era o pensamento de que a filha fosse gostar mais da babá.

"Às vezes ela acorda de manhã e chama o nome da babá, eu fico arrasada. Mas isso faz parte, óbvio que ela fica muito tempo com a babá, então ela vai gostar, claro, da babá também. Mas isso é mais um ciúme de mãe, do que uma preocupação maior que eu tenha. O mais importante é estar seguro que nosso filho está com alguém que a gente confia. E nesse caso até se torna bom o fato dela gostar mais da babá"

Patrícia destaca, entretanto, que seu tempo livre é totalmente dedicado à filha. Os finais de semana são todos ditados pelo bem-estar de Carolina, que vai completar dois anos no mês qu vem.

"As outras obrigações e até outras formas de lazer, eu procuro fazer quando ela está dormindo. Quando eu tenho tempo livre e ela está acordada, eu tento ficar com ela, e tento fazer com que esse tempo seja de qualidade. Não só estar ao lado dela com a TV ligada, mas estar brincando com ela, saindo com ela, levando ela para lugares onde haja outras crianças ou atividades legais."

Mas nem todos pensam como Patrícia. Pelo menos é o que se observa, nos fins de semana, em parquinhos e restaurantes: muitas crianças continuam a cargo das babás, mesmo quando, supostamente, os pais estejam em seu dia livre. A psicóloga Beatriz Mizrahi (Mizrarrí) diz o que pode acontecer na cabeça dos filhos que se sentem colocados de lado pelos pais.

"O primeiro sentimento de alguém que se sente desprezado é de não existir como pessoa. E quando você tem a impressão de que você não existe, você vai lutar violentamente para existir, para ser reconhecido. Então a gente pode fazer uma relação entre a violência, entre os atos delinqüentes, né. E essa luta fervorosa para que alguém olhe para você, para que alguém te enxergue, te reconheça."

Beatriz sustenta, ainda, que a qualidade da relação entre pais e filhos é importante, mas a quantidade conta pontos, sim, em favor desse relacionamento.

"Ainda mais quando a gente considera os bebês pequenos. Toda relação de intimidade que se estabelece entre os pais e os bebês depende de uma certa convivência que precisa acontecer de fato, depende de tempo, depende de uma dedicação concreta mesmo, que novamente precisa ser possibilitada também pelas relações de trabalho."

O psicanalista José Inácio Parente tem uma opinião diferente sobre o tempo que os pais dedicam aos filhos. Ele acha que a vida social e outras atividades dos pais - e principalmente da mãe, não devem acabar por causa dos pequenos.

"Antigamente havia essa idéia de que ´ser mãe é padecer no paraíso´. Então a mulher se restringia totalmente à vida familiar e aos filhos e matava a vida dela pessoalmente. Isso parecia uma coisa de heroísmo, terra encantada no dia das mães, mas a verdade é que nao é uma coisa boa nem para as mães, nem para os filhos. Aquela idéia: ´minha mãe doou a vida dela para a gente, agora nós temos que dar nossa vida para ela´. Isso não é saudável para ninguém. Então essa menor presença da mãe hoje em dia é verdadeira, porque a mãe precisa trabalhar também, não só trabalhar, precisa se divertir também, fazer ginástica, ter a vida afetiva dela, social, etc. Isso é ruim de um lado, porque a criança fica menos tempo com os pais. Por outro lado eles podem também compensar isso com a qualidade maior de estar junto. Às vezes, a mãe que fica com a criança o dia inteiro, acaba ocupando um lugar excessivo na vida da criança, e um lugar chato, desprazeroso. Eu prefiro uma mãe que fica uma hora tendo prazer com os filhos do que a mãe que fica 8 horas chateada de não ter liberdade de fazer nada."

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Segundo o novo Código Civil, o sustento, a guarda e a educação dos filhos são deveres igualmente do pai e da mãe. Em caso de divórcio, vai prevalecer o acordo entre o ex-casal. Mas se não houver acordo, a guarda fica com quem tem melhores condições para exercê-la.

De Brasília, Adriana Magalhães

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