Relatora diz que não é crível que “minuta do golpe” encontrada na casa de Torres seria descartada
Governistas apontam conivência de ex-secretário de Segurança do DF nos ataques de 8 de janeiro; oposição acusa ministro de Lula
08/08/2023 - 13:51 • Atualizado em 08/08/2023 - 18:00
A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), disse que não é crível que a “minuta do golpe”, encontrada na casa do ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, era lixo para ser descartado, conforme alegou o depoente.
Segundo ela, o documento não estava “jogado” na casa para ser descartado, e sim muito bem guardado. “No documento do Ministério Público Federal, a PGR [Procuradoria-Geral da República], em um dos pontos diz o seguinte: ‘Não se trata de documento que seria jogado fora, estando, ao invés, muito bem guardado.'" Eliziane questionou novamente a origem do documento, e Torres reiterou que o texto estava “pronto para ir para o lixo”.
Efetivos da PM
A relatora questionou ainda onde Anderson Torres identificava os erros na execução do protocolo de ações integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF para as manifestações de 8 de janeiro. “Eu acho que isso é o que deve ser apurado”, respondeu o ex-secretário.
Eliziane também perguntou ao depoente sobre o envio de efetivos da Polícia Militar em número insuficiente para conter os manifestantes. Torres voltou a afirmar que, se o protocolo de ações integradas tivesse sido cumprido, cada instituição devia ter enviado os efetivos em número suficiente, e as invasões não teriam acontecido.
“A Polícia Militar, então, não enviou efetivo suficiente para fazer o acompanhamento da segurança na Praça dos Três Poderes?”, perguntou Eliziane. “Pelo que a gente viu nas imagens, faltaram policiais ali”, admitiu Torres.
A relatora questionou, então, a “coincidência” da viagem de férias do ex-secretário no período e lembrou que vários alertas dos atos foram feitos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ignorados por Torres. O ex-secretário voltou a alegar que não tinha informações de risco e que, se tivesse, não teria viajado.
Responsabilidade do Ministério da Justiça
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), por sua vez, questionou o depoente se esses alertas da Abin teriam chegado ao atual ministro da Justiça, Flávio Dino, que, na sua visão, teria deixado “a quebradeira acontecer”.
Izalci também afirmou que a Força Nacional de Segurança Pública poderia ter sido acionada por Dino para complementar a ação da Polícia Militar, o que foi feito, mas tardiamente.
Torres disse que “com certeza” alertas dessa gravidade chegaram ao ministro e que a CPMI teria que apurar se houve omissão dele. “Não seria razoável esperar uma reação mais contundente e pró-ativa do Ministério da Justiça, dado que, no dia 7, sábado, já havia a confirmação da invasão de prédios públicos?”, perguntou o senador. Anderson Torres voltou a afirmar que, para a Secretaria de Segurança, faltaram informações.
Questionado por Izalci sobre as imagens das câmeras do Ministério da Justiça no dia dos ataques à Praça dos Três Poderes que devem ser encaminhadas à CPMI, o depoente acredita que não haverá “grandes novidades” porque elas já foram amplamente divulgadas pela mídia.
O presidente da CPMI, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), informou que o Ministério da Justiça vai entregar essas imagens após recebê-las da Polícia Federal.
O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ) disse que Anderson Torres está sendo responsabilizado por atos sobre os quais não têm responsabilidade e que foi preso injustamente. Para ele, as “incompetências e omissões” do 8 de janeiro não foram de Anderson Torres, mas dos ministros do governo Lula.
Digitais na minuta
Já o deputado Rafael Brito (MDB-AL) acredita que os indícios “apontam o dedo” para a conivência do ex-secretário com a tentativa de golpe. “O senhor manteve em sua casa uma minuta de golpe de Estado e disse que recebeu a minuta de alguém. Isso está confrontando com a perícia da Polícia Federal, que afirmou que na minuta só havia três impressões digitais: a do senhor, a do delegado da Polícia Federal e a de um advogado do senhor.”
Por isso, segundo Brito, Torres não recebeu a minuta de ninguém. “A não ser que a pessoa que lhe entregou a minuta estivesse usando luvas”, ironizou, acrescentando que a perícia leva a crer que o ex-ministro imprimiu e guardou a minuta.
Brito afirmou ainda que era dever do ministro “representar contra a ilegalidade” da minuta. Anderson Torres negou que tivesse imprimido o documento e disse que a perícia “deveria ter encontrado” outra digital.
Celular perdido
Entre outros pontos, Rafael Brito questionou também a coincidência de Torres ter perdido o telefone nos Estados Unidos e criticou o ex-secretário por atribuir a responsabilidade pelas falhas do plano de segurança à Polícia Militar do Distrito Federal.
“A PM do DF é vinculada ao secretário de Segurança Pública. Aí as pessoas estão querendo jogar [a culpa] para o Ministério da Justiça. Se a falha foi da PM, não tem como a gente atribuir omissão a pessoas que não têm nada a ver com essa omissão”, completou o parlamentar.
O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) comentou que o protocolo de ações integradas nunca havia sido desrespeitado. “E a principal suspeita é que tenha sido o senhor que tenha determinado que ele não fosse cumprido”, afirmou ao depoente.
Documentos lidos na CPMI
Por sua vez, o deputado Rogério Correia (PT-MG) leu documento da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF do dia 6 de janeiro, que está em posse da CPMI, alertando para a possibilidade de invasão de órgãos públicos pelos manifestantes, inclusive o Congresso Nacional. Na avaliação do parlamentar, o documento desmente tudo o que foi dito por Anderson Torres.
O depoente alegou que o documento foi transmitido depois que ele viajou e voltou a afirmar que o protocolo de ações integradas previa medida para conter “tudo isso aí”.
Já o deputado Duarte (PSB-MA) leu ofício do Ministério da Justiça, enviado à Secretaria de Segurança do DF em 7 de janeiro, pedindo emprego da Força Nacional de Segurança para auxiliar na proteção dos órgãos públicos e bens da União entre a Rodoviária de Brasília e a Praça dos Três Poderes.
O deputados acusou ainda o ex-secretário de sair de férias antes do período autorizado – a partir do dia 9 de janeiro. Torres alegou que não teve acesso a esse ofício e que viajou na sexta (6) à noite já que as férias começariam na segunda (9).
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) destacou que a esposa de Anderson Torres convocou, nas redes sociais, seus seguidores para a “maior mobilização da história” no dia 8 de janeiro. O depoente disse que desconhecia a postagem.
O deputado Pr. Marco Feliciano (PL-SP), por sua vez, afirmou que Anderson Torres estava sendo injustiçado e o chamou de “herói brasileiro”. Para ele, a esquerda usa a CPMI para atacar opositores.
Acareação
A relatora da CPMI, Eliziane Gama (PSD-MA), disse que pretende promover acareação entre Anderson Torres e o ex-superintendente da Polícia Federal na Bahia Leandro Almada.
Os dois estiveram na Bahia em reunião com o diretor-geral da Polícia Federal, à época Marcio Nunes, cinco dias antes do segundo turno das eleições de outubro de 2022. Enquanto Torres disse que o encontro se tratou de uma visita para vistoriar obras, Almada teria dito em depoimento à Polícia Federal que o assunto seria outro. "O assunto específico seria o debate dos pontos de votação, sobretudo os pontos onde o então candidato à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva teria uma proeminência de votos. O Almada coloca de forma clara e diz que não foi apenas uma visita a órgãos em construção da Polícia Federal. Eu estou protocolando uma acareação entre os dois para que a gente possa dirimir esses fatos e trazer ao conhecimento da comissão sobre o que realmente ocorreu", afirmou a relatora.
Reportagem - Lara Haje
Edição - Natalia Doederlein
Com informações da Agência Senado