Governo quer esperar COP-26 para regulamentar mercado de carbono; deputado discorda
Projeto em análise na Câmara cria regras para compra e venda de créditos de carbono, certificados que atestam redução nos gases do efeito estufa
17/09/2021 - 19:40
O secretário-adjunto de Clima e Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Marcelo Donnini Freire, recomendou nesta sexta-feira (17) que a Câmara dos Deputados aguarde os resultados da Conferência da ONU sobre Mudança Climáticas para depois regulamentar o mercado de carbono no Brasil. A COP-26 está prevista para ocorrer na Escócia entre 1° e 12 de novembro e tem a regulação do mercado internacional de carbono como uma das prioridades.
A Câmara analisa a proposta (PL 528/21) de criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que, na prática, regula o mercado nacional. O texto já foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara e está incluído na chamada “pauta sustentável” para possível aprovação antes da conferência climática.
Em audiência na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde o projeto está em exame no momento, Donnini Freire reconheceu que o tema é relevante para o desenvolvimento da economia de baixo carbono e para a redução das emissões de gases do efeito estufa. No entanto, pediu “prudência” na tramitação da proposta.
“Proposições como essa são muito importantes e devem avançar, mas, por uma simples questão de lógica, prudência e precaução, deve-se aguardar o retorno das definições que ocorrerão na COP-26”, disse Freire. Precisamos trabalhar para ter uma legislação coerente ao conjunto de regras internacionais, para não incorrermos no risco de produzirmos uma lei inexequível.”
O representante do Ministério do Meio Ambiente declarou que o Brasil terá posição “proativa e construtiva” na discussão desse tema na COP-26.
Período de transição
Já o autor da proposta de regulação do mercado brasileiro de carbono, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), argumenta que o tema se impõe independentemente do poder público e que seu projeto de lei prevê um período de transição plenamente ajustável às decisões internacionais que vierem a ser tomadas na Escócia.
“Que a gente tire da frente esse falso fantasma de ter um mercado regulado antes da COP. Nós temos um processo de transição de cinco anos para que a nossa regulamentação seja absolutamente coerente com o pactuado na conferência”, comentou. “Para que tenha quem compre, precisamos de mecanismos de certificação que dialoguem com mercados internacionais já mais avançados e consolidados do que o nosso”, disse o deputado.
O parlamentar informou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de um “grupo de diálogo” sobre o tema. Há também reunião prevista de Marcelo Ramos com o presidente do Banco Central (possivelmente na próxima semana), Roberto Campos Neto.
Empresas
No setor empresarial, há consenso quanto às chances de oportunidades financeiras para o País, mas também existe divergência sobre o momento e o alcance da regulação.
A gerente de Clima e Finanças Climáticas do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Natália Renteria, defendeu uma emenda apresentada pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) que, segundo ela, vai permitir a regulamentação equilibrada dos mercados regulado e voluntário de carbono.
“Quando a gente organiza a trajetória de carbono neutro, evitam-se barreiras comerciais de cunhos climáticos que, inclusive, já foram anunciadas pela União Europeia como uma possibilidade. Precificar carbono e caminhar na agenda desses mercados não é uma opção para o Brasil, mas uma necessidade. A mudança mundial já está em curso, e o País não pode ficar fora disso”, sustentou Natália.
Movimentos sociais
Por outro lado, a Organização Internacional GRAIN e o Grupo Carta de Belém, integrado por movimentos sociais, sindicais e ONGs, apontaram uma série de questionamentos aos modelos nacional e internacional de mercado de carbono.
Uma das preocupações é quanto à eficácia do sistema de limites e compensações (Cap and Trade), que já teria falhado em experiências passadas de controle de chumbo e de dióxido de enxofre, causador de chuva ácida nos Estados Unidos.
Integrante da organização GRAIN, a advogada socioambiental Larissa Packer fez alertas de riscos de inconstitucionalidade na inclusão de áreas já protegidas, como as áreas de proteção permanente (APPs) e reservas legais, no cálculo do mercado de carbono. Outro receio dela é em relação à devida remuneração pelos serviços prestados por comunidades tradicionais com cultura e tradição devidamente alinhadas com a proteção florestal.
“Os principais fornecedores desse possível mercado de carbono são os pequenos produtores, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais. Então, isso tem que ser muito bem ajustado”, afirmou. “A outra questão é que a maior parte do dinheiro que vem para esses pequenos produtores vai para empresas de consultoria que vão fazer o MRV. Então, fica uma situação que dá até nulidade de contrato.”
O MRV, citado por Larissa Packer, é a sigla de Monitoramento, Relatório e Verificação, uma espécie de contabilidade das emissões de gases do efeito estufa.
Commodity
Consultor da área de meio ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus de Brito manifestou preocupação com riscos de taxação extra para o setor.
Já o gerente-executivo de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, disse que o segmento vê o gás carbônico como “nova commodity mundial” e traçou uma estratégia na direção da transição para economia de baixo carbono baseada em quatro eixos prioritários: transição energética, precificação de carbono, economia circular e conservação florestal.
Relatório
Presidente da Comissão de Meio Ambiente e relatora da proposta da regulamentação do mercado brasileiro de carbono, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) adiantou que seu parecer vai contemplar tanto a posição internacional do Brasil quanto a preocupação socioambiental.
“O Brasil tem que chegar à COP de forma altiva. O País hoje é detentor da maior área preservada, 500 milhões de hectares de florestas tropicais, que são aquelas com maior capacidade de remoção e de estoque de carbono, bem como as mais biodiversas”, apontou. “Temos a preocupação de regulamentar de forma correta para não prover mais desigualdade e injustiça social.”
Durante a audiência, o diretor do Departamento de Ciências da Natureza do Ministério de Ciência e Tecnologia, Márcio Rojas, manifestou apoio da pasta à regulamentação do mercado de carbono no Brasil, sobretudo diante dos alertas do IPCC, o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas, quanto aos riscos de o Brasil ter aumento da temperatura acima da média global.
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Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Marcelo Oliveira