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Audiovisual critica atuação da Ancine e demora do governo em liberar verbas para o setor

Deputados e debatedores também reclamam da decisão de agências reguladoras que libera canais de TV pela internet de cumprir lei de TV paga

21/09/2020 - 14:52  

A paralisação nas atividades da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e a demora para liberação de recursos para fomento do setor audiovisual foram criticadas em reunião técnica na Câmara dos Deputados sobre a situação da agência, promovida nesta segunda-feira (21).

O deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que pediu a audiência, lamentou a ausência do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, e do diretor-presidente interino da Ancine, Alex Braga, que nem enviaram representantes para o debate. Para o deputado, trata-se de descaso com a atividade fiscalizatória do Parlamento.

Calero citou exemplos de paralisação da agência, como a demora para a indicação de membros do comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e a demora para a realização das reuniões do grupo. Além disso, ressaltou que o FSA vem sendo sistematicamente contigenciado pelo governo e reclamou que, hoje, a Ancine não tem diretoria colegiada efetiva.

Toda essa situação, segundo o parlamentar, traz imprevisibilidade para os investidores do setor. Ele acrescentou que a Ancine deveria ser agência regulatória e de fomento independente do governo.

 

 

Desmonte do setor
Leonardo Edde, do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual, disse que nos últimos 10 anos houve um ciclo virtuoso na economia do audiovisual, que gera R$ 24,5 bilhões por ano à economia brasileira e cresce 8,8% do ano, representando 0,46% do PIB.

Ele ressaltou que o crescimento da indústria do audiovisual foi induzido pelo Estado, especialmente a partir da aprovação da chamada Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei 12.485/11), que instituiu cotas de conteúdo brasileiro nos canais de TV paga.

Edde apontou desmonte dessa indústria pelo atual governo e defendeu que o Parlamento pressione o Executivo para liberar os recursos do FSA. Ele ressaltou que esses recursos vêm sobretudo de contribuições feitas pela própria indústria do audiovisual por meio da Condecine.

Segundo ele, o governo está burocratizando cada vez mais o setor, gerando insegurança jurídica às empresas e tirando a competitividade da indústria brasileira. “Por omissão, incompetência ou ações danosas do governo, o setor audiovisual está passando por desemprego, falência de empresas e perda de mercado”, alertou.

Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
Leonardo Edde está sentado à mesa participando de debate virtual sobre o audiovisual no Brasil
Leonardo Edde reclamou do excesso de burocracia

Falta de vontade política
Para o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros, deputado Tadeu Alencar (PSB-PE), a paralisação na agência é deliberada e não decorre de incapacidade operacional ou de ausência de recursos, mas sim de falta de vontade política.

Ele acredita que o Congresso deve agir para acelerar a nomeação de diretores efetivos para a Ancine e dar resposta mais contundente aos ataques ao setor audiovisual.

PSB e Cidadania já entraram com mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça para que os recursos retidos do FSA sejam liberados.

O procurador da República Sergio Suiama informou que o Ministério Público do Rio de Janeiro investiga a excessiva morosidade da Ancine no processamento de contratos do FSA de 2018 e 2019 e que há vários mandatos de segurança impetrados em relação a isso.

Já houve reuniões e oitavas com funcionários e diretores da Ancine e foi constatada, por exemplo, a não disponibiilização de recursos do FSA pelo governo federal para que fossem efetivamente gastos.

“Servidores falaram que houve ordem expressa de diretoria para que projetos não andassem, a não ser aqueles em que houvesse ordem judicial”, disse. “Isso parece realmente absurdo, porque se transfere problema para o Judiciário, que não tem competência para dizer qual projeto tem que andar”, avaliou.

Canais pela internet
Participantes da audiência foram unânimes em criticar decisões da Ancine e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que consideram contrárias ao setor audiovisual brasileiro. As agências decidiram recentemente que canais de TV transmitidos pela internet não precisam cumprir as regras para a TV paga, como as cotas de conteúdo brasileiro. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) é uma das que considera a decisão ilegal.

Essa também é a visão do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que apresentou o Projeto de Decreto Legislativo 403/20 suspendendo a decisão da Anatel. Para ele, com essa decisão e com a política de esvaziamento operada pelo governo, “o audiovisual brasileiro está sofrendo um grande golpe”.

Presidente da Comissão de Cultura em 2019, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) alertou que a decisão das agências reguladoras prejudica inclusive o recolhimento da Condecine e acrescentou que o PL 8889/17, já aprovado na Comissão de Cultura, regula a situação.

Falta de transparência
O produtor Marcio Yatsuda, do Brasil Audiovisual Independente (Brasvi), por sua vez, destacou a falta de transparência da Agência Nacional de Cinema. Conforme ele, a Ancine publicou o último relatório anual de gestão do FSA em 2017. “Não foram publicados os de 2018 e 2019”, salientou.

Ele aponta queda de 72% no número de projetos contratados em 2020 e redução drástica de número de editais.

Paulo Cesar Starke Junior, superintendente do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, operador do FSA, disse que os relatórios sobre os valores contratados são produzidos pelo banco e enviados para agência. Foram 806 contratos em 2018, no valor total de R$ 551 milhões; 689 em 2019, no valor total de R$ 511 milhões; e apenas 121 em 2020, no valor total de R$ 74 milhões.

Desemprego no setor
Sonia Santana, representante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (Sindcine), alertou para o alto índice de desemprego atualmente no setor. Ela pediu a retomada das contratações no setor pela Ancine e ressaltou que o setor já aprovou protocolos de segurança sanitária para atuar mesmo durante a pandemia do novo coronavírus.

Diretora da Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (Conne),Vânia Lima apontou que a queda de contratações de projetos, desde 2018, têm levado não só à perda de empregos como ao fechamento de empresas nessas regiões, interrompendo um ciclo virtuoso. A Lei de TV paga obriga o investimento de recursos nessas regiões, mas o fomento foi paralisado.

Reportagem - Lara Haje
Edição - Natalia Doederlein

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