Meio ambiente e energia

Lei das Unidades de Conservação da Natureza completa 20 anos

Ambientalistas apontam riscos de redução no tamanho das áreas protegidas, enquanto governo fala em eficiência gerencial e otimização de recursos

16/07/2020 - 16:17  

José Fernando Ogura/Agência de Notícias do Paraná
Turismo - Brasil - ecoturismo trilhas natureza parques nacionais flora fauna (Cânion do Guartelá, Paraná)
Os parques nacionais estão entre as unidades de conservação protegidas pelo SNUC

A Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), chega aos 20 anos ainda em busca de implementação e de superação de riscos. A legislação está em vigor desde 18 de julho de 2000 e regulamenta parte do capítulo da Constituição sobre meio ambiente e tenta conciliar a proteção da rica biodiversidade brasileira com a necessidade de desenvolvimento sustentável.

Atualmente, ambientalistas apontam riscos de redução no tamanho das áreas protegidas, flexibilização de regras, baixo orçamento, carência de pessoal, ameaças de privatização e desmatamento, além da falta de plano de manejo e de regularização fundiária. Já o governo federal aposta em “eficiência gerencial e otimização de recursos” para reestruturar os órgãos que cuidam do setor.

A proposta (PL 2892/92) que deu origem à Lei das Unidades de Conservação chegou à Câmara em 1992, vinda do Executivo. Primeiro relator do texto, o ex-deputado Fábio Feldmann, do PSDB de São Paulo, lembra que o anteprojeto surgiu da sociedade civil, por meio da Funatura. Muito antes de embates com o agronegócio e setores empresariais, Feldmann afirma que as primeiras divergências se concentraram no âmbito do ambientalismo.

“O SNUC tinha algumas controvérsias internas entre conservacionistas e pessoas com enfoque socioambiental. O SNUC encontrou uma posição intermediária”, lembrou Feldmann.

Hoje o SNUC está dividido em dois grandes grupos: proteção integral, com cinco categorias, entre elas os parques nacionais (PARNA); e o grupo de uso sustentável, com sete categorias, como as florestas nacionais (FLONA) e as reservas extrativistas (RESEX). Até avançar nessa classificação, o segundo relator do projeto de lei, ex-deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, fez questão de ampliar o debate.

“O relator percorreu os principais pontos do país e o submeteu à apreciação de cada área. Portanto, a resistência foi um pouco aplacada pelo fato de que houve muita discussão e abertura para sugestões”, observou Gabeira.

A Lei do SNUC especifica as características de cada uma das 12 categorias de unidades de conservação e traz as regras de criação, implantação e administração delas. O plano de manejo é o principal instrumento de gestão dessas áreas. Inicialmente, o Ibama era o principal órgão-executor do SNUC, mas, desde 2007, essa função foi assumida pelo ICMBio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Lei 11.516/07).

Hoje, existem 334 áreas protegidas sob responsabilidade do ICMBio, além de centenas de unidades de conservação estaduais e municipais. Muitas delas, no entanto, não saíram do papel e ainda correm risco de extinção ou de redução da área prevista.

Riscos de privatização
Em recente reunião da Frente Parlamentar Ambientalista, o procurador da República Leandro Mitidieri, integrante do grupo de trabalho do meio ambiente do Ministério Público Federal, também apontou riscos de privatização, sobretudo de parques nacionais. Mitidieri informou que o órgão propôs várias ações para frear o que chamou de “ataques” às unidades de conservação.

“Nós tivemos um número muito grande de unidades de conservação, com o Brasil chegando a atingir as Metas de Aichi. Mas, de lá para cá, o jogo se inverte e a gente passa de uma posição de buscar a implementação dessas unidades a lutar para que elas não sumam, porque começa esse ataque para que muitas delas fossem reduzidas, recategorizadas ou até extintas, nesse ataque feroz, em várias frentes, que aparentemente traduz um ódio ao meio ambiente”, disse Mitidieri.

As Metas de Aichi, citadas por Mitidieri, foram estabelecidas em 2010 durante a COP-10, a mesma conferência da ONU que propôs o Protocolo de Nagoia. Um dos itens do acordo internacional é a criação de sistemas de áreas que protejam a biodiversidade do planeta.

Falta de servidores e recursos
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista do Meio Ambiente (ASCEMA) reclama do baixo número de servidores e dos baixos investimentos em unidades de conservação: o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3 bilhões, em 2020) corresponde a apenas 0,05% dos gastos públicos.

O vice-presidente da ASCEMA, Denis Rivas, também critica a atual reestruturação do ICMBio, que substituiu 11 coordenações por cinco gerências regionais, ampliou o número de núcleos de gestão integrada e criou um novo código de ética, que, segundo ele, tem “teor intimidatório” para os servidores.

“As unidades de conservação foram agrupadas sem nenhuma lógica territorial de fato. E as distâncias vão inviabilizar a proteção dessas unidades”, disse.

Eficiência e otimização
Já o ICMBio rebate as críticas e garante que a reestruturação busca “mais eficiência e otimização da força de trabalho”. O órgão ainda justifica a criação de uma corregedoria para “apurar se as ações dos servidores públicos estão de acordo com os valores éticos da instituição”. Quanto ao suposto risco de privatização de unidades de conservação, o presidente do ICMBio, coronel Homero Cerqueira, já garantiu, em audiência na Câmara, que a intenção do governo é apenas de concessão à iniciativa privada de alguns serviços de apoio à visitação e à conservação dentro de parques nacionais.

“É uma parceria muito importante para a concessão de serviços e não para privatização, porque são coisas totalmente diferentes”, afirmou Cerqueira.

Também em audiência na Câmara, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se queixou do baixo aproveitamento do potencial turístico dos parques nacionais e citou as prioridades do governo para a solução de problemas nas unidades de conservação.

“Das 334 unidades de conservação do Brasil, nós temos um percentual não desprezível de problemas de delimitação de perímetro, de escolha do nível de categoria (do SNUC) e da falta de regularização fundiária. Como é que se resolve isso? O decreto de criação das unidades de conservação diz que, ao fim de cinco anos, naquelas unidades de conservação em que não tiver o processo de regularização fundiária solucionado, o decreto caduca. Nós temos um cem número de unidades que continuam tendo problemas de definição do direito de propriedade – do uso do solo, portanto. Uma insegurança jurídica enorme”, afirmou o ministro.

Desmonte
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), avalia o desafio que os órgãos públicos e a sociedade civil terão pela frente na tentativa de preservar o Sistema Nacional das Unidades de Conservação e a biodiversidade brasileira.

“É realmente desafiador. Isso não quer dizer que, antes desse governo, as coisas estavam a mil maravilhas: a gente tinha deficiências e problemas estruturais, mas estava todo mundo imbuído e lutando para que as coisas acontecessem da melhor forma possível. O Brasil tem uma das maiores biodiversidades do mundo e essa biodiversidade está indo embora e a gente vê todo esse desmonte acontecendo. Não adianta replantar e plantar mudinha: não volta àquilo que era. As pessoas precisam entender que unidade de conservação pode trazer renda para o Brasil”, disse.

Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Roberto Seabra

  • Áudio da matéria

    Ouça esta matéria na Rádio Câmara

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'.