Meio ambiente e energia

Promotor vê “lógica perversa” na impunidade do crime socioambiental de Mariana

Assunto foi discutido em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias

06/11/2019 - 20:13  

Quatro anos após o crime socioambiental de Mariana (MG), ninguém ainda foi definitivamente punido pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, que matou 19 pessoas em 5 de novembro de 2015. Também há atrasos significativos na reparação dos danos deixados pelos 62 milhões de m3 de rejeitos de minério de ferro ao longo rio Doce e no mar do Espírito Santo. Essa realidade foi debatida nesta quarta-feira (6), na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Helder Salomão, idealizador do debate: contaminação do rio Doce prejudica saúde dos moradores

Para o promotor de Justiça de Minas Gerais, André Sperling Prado, integrante da força-tarefa que busca indenização para as vítimas, o balanço da reparação é "extremamente negativo". Ele criticou as mineradoras Vale e BHP Billiton, donas da Samarco, por terem criado uma entidade específica, a Fundação Renova, para tratar das indenizações usando, segundo ele, a "lógica de negar direitos".

"O balanço negativo é fruto inicialmente dessa lógica perversa em que as empresas que causaram esse crime ambiental têm na mão a entidade que faz o processo de reparação", disse. "Não cabe ao causador do dano definir qual vai ser a indenização e quem é a sua vítima. Isso é um absurdo."

O promotor também citou entraves da Renova na contratação das assessorias técnicas que deveriam apoiar os atingidos pelo rompimento da barragem e acompanhar a reparação in loco.

Injustiça
Pescador em Conceição da Barra (ES), Leandro Albuquerque reclamou de demora e baixo valor das indenizações. O pescador ainda denunciou que advogados costumam ficar com 30% a 40% do dinheiro.

"Queremos uma assessoria para ontem, porque há pescador recebendo [indenização] lá de qualquer jeito", afirmou. "Temos de esquecer a Renova, que não vai resolver os problemas. Estamos pedindo socorro."

Contaminação
Segundo estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a concentração de metais pesados na foz do rio Doce vem aumentando nos últimos quatro anos.

Organizador do debate na Câmara, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Helder Salomão (PT-ES) ressaltou que uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) com 300 moradores das cidades de Linhares e São Mateus (ES) também retratou a gravidade da situação.

"297 dessas pessoas apresentaram aumento de arsênio, ou seja, quase a totalidade. 79 tiveram aumento de níquel e 14 de manganês no sangue. Estamos falando de um problema ambiental, econômico, social e de saúde física e mental", informou o parlamentar.

O dado faz parte do relatório da diligência de três dias que Helder Salomão fez juntamente com a Assembleia Legislativa do Espírito Santo a seis cidades da bacia do rio Doce.

Dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Tchenna Maso vê "omissão" da Justiça e "falência" do Poder Público diante do crime de Mariana. "A gente está falando de um Estado que não consegue responsabilizar as empresas pelos seus danos, um Estado que transfere para nós, atingidos, o ônus de enfrentar essas companhias."

Brumadinho
O secretário-geral de articulação institucional da Defensoria Pública da União, Renan de Oliveira, classificou de "angustiantes" a "vulnerabilidade" do Estado brasileiro e a falta de solução rápida para as vítimas da Samarco em Mariana.

Para evitar a repetição desse quadro no crime socioambiental de Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, o Ministério Público e a Defensoria têm procurado ações integradas com outros órgãos públicos e negociações diretas com a mineradora Vale, sem a intermediação da Fundação Renova.

Os debatedores defenderam a aprovação no Congresso Nacional dos projetos de lei que tratam da política nacional de direitos das populações atingidas por barragens (PL 2788/19) e da garantia de atendimento continuado de saúde física e mental para as vítimas de desastres ambientais (PL 2495/19). O primeiro texto já foi aprovado pela Câmara.

Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Marcelo Oliveira

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