Direitos Humanos

João Pessoa tem baixa notificação de violência contra jovens com deficiência

13/08/2012 - 09:47  

Divulgação
Selo concurso Tim Lopes

Em João Pessoa (PB), outra capital visitada pela reportagem, são poucos os casos registrados de abuso sexual contra crianças e jovens com deficiência. Foi identificada apenas uma notificação na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Violência e Juventude e duas no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

A pedagoga e pesquisadora Rosângela Régia da Silva também tentou conseguir números sobre o abuso sexual contra crianças e adolescentes com deficiência. Encontrou apenas relatos de pessoas que não puderam, ou não quiseram denunciar o crime às autoridades.

Segundo ela, as famílias têm vergonha de relatar o que aconteceu. Ela cita o exemplo de uma adolescente de 14 anos, que tem paralisia cerebral, vive numa cadeira de rodas e engravidou depois de ter sido abusada sexualmente. A família tinha dúvidas se o agressor teria sido algum dos funcionários que trabalhava na casa. Rosângela conta que os pais da jovem são médicos, não denunciaram e realizaram um aborto.

A pesquisadora disse que muitos agentes públicos nem registram se a vítima tem ou não algum tipo de deficiência. Em conversa com um delegado, ela chegou a questionar se ele costumava perguntar se a vítima do abuso sexual tinha deficiência, e ele respondeu que pouco importava. “Mas se a pessoa for vulnerável, o crime é duplamente [qualificado]. Nem o delegado tinha pensado sobre isso", lembrou Rosângela.

Testemunhas ameaçadas
A subnotificação dos casos tem, entre outras razões, ameaças às testemunhas. "De certa forma, as pessoas eram coibidas a não dizer nada, a concordar com abusos de pais com filhos ou filhas, ou pais que engravidavam as próprias filhas", relata uma ex-funcionária do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que não quis se identificar.

TV Câmara
Segurança pública - Violência sexual - Exploração sexual de crianças 2
Na Paraíba de 200 denúncias só 14 foram atendidas no Creas.

A delegada-adjunta de repressão aos crimes contra a violência e juventude de João Pessoa, Andrea Melo de Lima, diz que nem a polícia tem condições de garantir proteção ao denunciante.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual da Câmara fez uma diligência à Paraíba. Os resultados da viagem, ocorrida em junho deste ano, podem ajudar a explicar os poucos casos registrados no estado.

“Segundo os dados oferecidos pelo juiz da Vara de Infância e Juventude da Paraíba, de 200 casos que chegaram pelo Disque 100, só 14 tiveram atendimento no Creas. O que nós estamos percebendo é um nível de atendimento absolutamente precário, então você consolida a vitimização”, lamenta a presidente da CPI, deputada Erika Kokay (PT-DF).

Os dados não são apenas de crianças com deficiência, mas refletem a enorme distância entre a denúncia e registro na rede de proteção, na avaliação da parlamentar.

Atendimento pós-denúncia
As deficiências aparecem também no atendimento após a denúncia. A enfermeira Beth Alcoforado trabalha em uma das duas maternidades de João Pessoa que atendem vítimas de violência sexual e contou que uma adolescente com deficiência abusada pelo pai perdeu o direito de interromper a gravidez porque foi levada ao hospital tarde demais.

Ela sugere a criação de medidas para facilitar a comunicação entre os órgãos da rede de proteção. A primeira providência deve ser a identificação dos componentes da rede de atendimento. Em seguida, deve-se abrir um protocolo no qual as unidades estabeleçam comunicação direta, para agilizar a assistência jurídica, social e de saúde.

Verônica Lima
Fundação de Apoio ao Deficiente da Paraíba (Funad)
Funad oferece educação sexual para evitar abusos.

Tabu x educação sexual
A educação sexual para pessoas com deficiência também é fundamental para aumentar a proteção, sem tirar o direito a vivenciar sua sexualidade. Esse trabalho está sendo iniciado na Fundação de Apoio ao Deficiente da Paraíba (Funad). As oficinas são oferecidas aos pais dos usuários e funcionários da instituição, para aprenderem a reconhecer sinais de abuso.

A diretora da Funad, Simone Jordão, defende a qualificação das pessoas que trabalham com crianças e adolescentes com deficiência. “A gente tem que resgatar a capacidade de escuta dos profissionais."

Reportagem – Verônica Lima / Rádio Câmara
Edição – Adriana Resende

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