Direitos Humanos

Núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas reclamam de preconceito contra vítimas

22/05/2012 - 17:59  

Alexandra Martins
Juliana Felicidade Armed (coordenadora do núcleo de enfrentamento ao tráfico de pessoas do Estado de São Paulo)
Juliana Felicidade: mais importante do que combater, é prevenir.

O tráfico de pessoas é um crime relativamente desconhecido no Brasil e as vítimas são alvo de preconceito. Essa foi uma das conclusões da audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas, que ouviu, nesta terça-feira, seis coordenadores de núcleos estaduais de enfrentamento a esse tipo de crime.

A coordenadora do núcleo no Ceará, Lívia Maria Xerez, explicou que o preconceito começa porque, majoritariamente, as vítimas já são profissionais do sexo. “Essa é uma das nossas dificuldades no enfrentamento ao tráfico no Ceará. O trabalho do núcleo de enfrentamento ao tráfico de pessoas é a educação, é a prevenção. As pessoas não conhecem o tráfico de pessoas e quando conhecem, existe esse preconceito de 'ah, ela é prostituta, ela já vai se prostituir, ela já está sabendo, ela merece sofrer."

Maior número de vítimas
Goiás é o estado com o maior número de vítimas do tráfico de pessoas. Segundo a coordenadora do núcleo de enfrentamento no estado, Nelma Maria Pontes, em um centro de atendimento a vítimas de exploração sexual da Espanha, três entre cada quatro garotas eram não só brasileiras, mas de Goiás. O núcleo já recebeu garotas da Espanha, e o cenário é de escravidão. "Eu recebi uma mais recentemente que relatou que se alimentava apenas uma vez por dia. Que se ela quisesse comer mais alguma coisa tinha que comprar. Que o preservativo ela tinha que pagar. Que higiene pessoal era difícil de fazer entre um cliente e outro, porque não dava tempo. Entre outros depoimentos absurdos, contava que era vigiada e que não podia deixar de trabalhar nem mesmo quando estava menstruada."

O núcleo de Goiás conta com parceria com organizações não governamentais (ONGs) no exterior que atendem a vítimas e que conseguem, com os governos e outras instituições, incluir as garotas nos programas de retorno voluntário da Organização Internacional para Migrações, isso quando elas conseguem fugir da rede de tráfico. No Brasil, elas são assistidas pelo Núcleo de Enfrentamento. O grupo já atendeu 10 pessoas, entre garotas de programa, travestis traficados do Pará e trabalhadores rurais também traficados internamente.

Segundo a coordenadora do núcleo de São Paulo, Juliana Felicidade Armede, o núcleo paulista já manteve contatos com representantes dos consulados dos países do Mercosul, Bolívia, Peru, Equador, Canadá e Espanha para explicar as autoridades dos países e também ao brasileiro as regras de imigração e características do país em relação à educação, trabalho. Para a coordenadora, mais importante do que combater, é prevenir.

Mudança na legislação
A coordenadora do núcleo no Rio de Janeiro, Alessandra Page, salientou a necessidade de mudar a legislação, já que, pela legislação atual, uma prostituta que tenha decidido se mudar para o exterior pode se transformar em criminosa se convidar uma amiga para ir para lá e emprestar dinheiro para a viagem. "Se ocasionalmente houver algum grampo, só pelo fato de a Maria emprestar dinheiro para Ana, ela já se configura como traficante só pelo fato de emprestar dinheiro."

Formas de atuação
A relatora da CPI, deputada Flávia Morais (PDT-GO), considerou a audiência com os núcleos dos estados a mais importante para os trabalhos da CPI, porque permite que a comissão conheça as diversas formas de atuação e desempenho de cada um e, principalmente, os problemas enfrentados para o desenvolvimento das atividades. "Os núcleos são as referências que existem nos estados. Até hoje nós temos apenas 15 núcleos em todo o País, há estados que não têm núcleos e percebemos que eles trabalham de forma independente. O que precisamos é integrar os trabalhos dos núcleos, padronizar, para termos uma rede articulada."

No âmbito do governo federal, o Ministério da Justiça tem, dentro da estrutura da Secretaria Nacional de Justiça, a Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que articula os núcleos de enfrentamento e postos de atendimento ao migrante e promove realizações técnicas três vezes por ano para aumentar o fluxo de informações entre eles.

Reportagem - Luiz Cláudio Canuto/ Rádio Câmara
Edição – Regina Céli Assumpção

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