Política e Administração Pública

Governo se apropria de ideias do Legislativo, aponta estudo

Conflito e cooperação entre os Poderes emerge de levantamento realizado por consultores da Câmara e do Senado que abrange 20 casos exemplares.

01/10/2010 - 17:04  

O Executivo utiliza, na construção de sua agenda, assuntos, ideias ou textos de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, transformando-os em medidas provisórias ou propostas de sua iniciativa. Quem faz a constatação são os consultores Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, da Câmara, e Rafael Silveira e Silva, do Senado. Eles estudaram 20 casos exemplares do fenômeno que chamam de apropriação da agenda do Legislativo pelo Executivo.

Os consultores chegaram a criar um "índice de apropriação", que leva em consideração a participação dos parlamentares, a abordagem escolhida pelo Executivo para fazer uso da agenda do Legislativo e o instrumento adotado. Há casos em que se estabelece cooperação entre o parlamentar autor da proposição e o Executivo quanto ao aproveitamento do conteúdo, mas existem situações em que a apropriação se dá em ato unilateral.

Responsabilidade territorial
Um dos casos mais claros de apropriação do trabalho legislativo pelo Executivo ocorreu com os esforços dos deputados na construção da futura Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, em substituição à Lei 6.766/79, que regula o parcelamento do solo para fins urbanos.

A proposta teve origem no Projeto de Lei 3057/00, do ex-deputado Bispo Wanderval, que reunia cerca de 20 propostas apensadasTramitação em conjunto. Quando uma proposta apresentada é semelhante a outra que já está tramitando, a Mesa da Câmara determina que a mais recente seja apensada à mais antiga. Se um dos projetos já tiver sido aprovado pelo Senado, este encabeça a lista, tendo prioridade. O relator dá um parecer único, mas precisa se pronunciar sobre todos. Quando aprova mais de um projeto apensado, o relator faz um texto substitutivo ao projeto original. O relator pode também recomendar a aprovação de um projeto apensado e a rejeição dos demais.. Durante a tramitação, o projeto recebeu centenas de emendas e dezenas de votos em separadoEspécie de manifestação alternativa ao voto do relator em uma comissão, podendo ser apresentado por qualquer dos demais integrantes. . O texto mais recente é o substitutivo da comissão especial, de autoria do deputado Renato Amary (PSDB-SP), pronto para a pauta do Plenário.

No entanto, em março de 2009, foi adotada a Medida Provisória 459, relativa ao Programa Minha Casa, Minha Vida, que resultou na Lei 11.977/2009, tendo o Poder executivo inserido no texto um capítulo relativo à regularização fundiária em áreas urbanas que se “baseia integralmente” em dispositivos constantes no substitutivo do deputado paulista. “As diferenças de conteúdo e mesmo de redação são pontuais”, ressaltam os consultores.

Hansenianos
O apoio aos hansenianos previsto na Medida Provisória (MP) 373/07, que resultou na Lei 11.520/07, foi originalmente proposto em projeto de lei do Senado apresentado por Tião Viana (PT-AC).

Com a sanção da MP, o projeto, que se encontrava na Câmara, foi declarado prejudicado. Como o autor integra a base governista, a MP, de acordo com o estudo, parece ter sido adotada em esquema de cooperação.

Conflitos
Nem sempre a apropriação se dá de forma tranquila. Suely Mara e Rafael Silveira citam, por exemplo, os conflitos que precederam a norma que disciplina direitos e deveres de empresas e estudantes no estágio — a Lei 11.788/08, formalmente originada de um projeto do senador Osmar Dias (PDT-PR).

Em 2007, o Executivo apresentou, em regime de urgência constitucional, proposta sobre o tema, o PL 993, aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado. Osmar Dias requereu e obteve a tramitação conjunta com o PLS 473/03.

As duas proposições, notam os autores do estudo, foram remetidas às comissões de Educação e de Assuntos Sociais, para exame simultâneo. Os pareceres do relator nas duas comissões, respectivamente Raimundo Colombo (DEM-SC) e Ideli Salvatti (PT-SC), foram pela aprovação do projeto do Executivo e rejeição do de Osmar Dias.

No Plenário, solicitou-se o retorno do projeto para reexame da CE, que mudou seu ponto de vista e acolheu o projeto do parlamentar, com modificações. Com a confirmação do parecer da comissão pelo Plenário, considerou-se prejudicado o projeto do Executivo.

Osmar Dias deixou claro seu descontentamento com os atropelos do Executivo em relação a projetos apresentados por parlamentares e disse em Plenário que o governo "tentou roubar a autoria" da lei. No caso, segundo os consultores, a apropriação foi um ato unilateral, sem a participação do autor. As divergências foram solucionadas politicamente, com a elaboração de outro texto.

Primeiro emprego
O PL 1394/03, do Executivo, resultou na Lei 10.748/03, que criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens, posteriormente revogada pela Lei 11.692/08, que trata do Programa Nacional de Inclusão de Jovens.

Rafael Silveira e Suely Mara observam que a proposição aproveitou a ideia e a força política da expressão "primeiro emprego" de projeto de lei do senador Osmar Dias, que propunha o Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego.

Da Redação/NA
Com informações da Agência Senado

A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'.