Reportagem Especial

Código Florestal: as bases da nova lei

08/11/2012 - 16h48

  • Código Florestal: as bases da nova lei (bloco 1)

  • Código Florestal: as regras para grandes e médios produtores (bloco 2)

  • Código Florestal: os pequenos agricultores têm mais chances de regularização (bloco 3)

  • Código Florestal: a situação de quem já cumpria as antigas normas (bloco 4)

  • Código Florestal: o papel do produtor na preservação das matas (bloco 5)

Como o novo Código Florestal vai funcionar na prática? Após anos de discussão no Congresso, a lei passou por reviravoltas nos últimos meses, mas agora chega à etapa de aplicação. Saiba como pequenos, médios e grandes produtores passaram a ter obrigações e incentivos diferentes para se regularizar. Entenda também como fica a situação de quem já cumpria a legislação anterior e por que os agricultores brasileiros continuam sendo peça importante na estratégia de conservação dos nossas matas nativas. No primeiro capÍtulo, entenda as bases do novo código e por que a lei foi alterada.

TEXTO

"O grande problema que a gente enfrenta no Paraná inteiro é o cumprimento das normas previstas na legislação anterior. Se o agricultor tem uma propriedade de dois módulos fiscais, mas desce um riozinho no meio da propriedade inteira, a legislação anterior previa uma dimensão de área de cada lado da rio, mais 20% da propriedade. A propriedade desse agricultor acabou em nada."

A preocupação de Mário Plefk, pequeno agricultor em Ortigueira, no Paraná, era comum até pouco tempo atrás. O Brasil mantinha um Código Florestal que, na prática, não era cumprido pela maioria dos produtores rurais. O Ministério da Agricultura estima que cerca de 80% das mais de cinco milhões de propriedades no país tenham alguma conta a acertar com a lei. As últimas mudanças na legislação florestal prometem tornar mais fácil esse acerto.

O novo Código Florestal - em vigor desde maio ( Lei 12.651, de 2012) e alterado em outubro por uma Medida Provisória (MP 571, convertida na Lei 12.727, de 2012) - traz princípios gerais dos chamados PRAs, Programas de Regularização Ambiental, que deverão ser implantados pelo governo federal, estados e o Distrito Federal até 2014. Para aderir ao PRA, o agricultor terá antes que se inscrever no Cadastro Ambiental Rural, obrigação trazida pela nova lei a todo produtor rural, mesmo àqueles com a propriedade em situação regular.

O cadastro será um banco nacional de dados, abastecido eletronicamente pelos proprietários com informações sobre a localização do imóvel, das matas nativas remanescentes, das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, além das frações utilizadas para produção. O Ibama coordenará a implantação do sistema, que deverá ser gerenciado no dia a dia pelos órgãos ambientais municipais ou estaduais.

Mato Grosso, Pará, Amazonas, Rondônia e Bahia mantinham cadastros antes da nova lei e já acertaram a migração dos registros para a base nacional. A partir da implantação do cadastro, o agricultor terá um ano para se inscrever. Mas o prazo poderá ser prorrogado por mais um ano pelo Executivo.

Rodrigo Justus, assessor de Meio Ambiente na CNA, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, explica que o Cadastro Ambiental Rural, ou simplesmente CAR, funcionará como uma espécie de CPF da propriedade.

"Há dois anos para se fazer o cadastro e, daqui a cinco anos, quem não estiver regular, não terá condições de operar. Seria a mesma coisa que o cidadão que não tenha CPF e queira abrir uma conta no banco ou queira fazer uma compra a prazo. (...) O produtor que está irregular hoje não consegue crédito e, se buscasse a regularização pela lei anterior, sairia do órgão ambiental com uma multa na mão. Então, hoje ele tem condições de ir lá, abrir sua situação de fato, que ele não pode enganar, tendo em vista que são imagens de satélite. Ele sabe que poderá ir ao órgão regualarizar sua situação sem ser punido por ter ido lá buscar uma solução."

Pelo novo código, ao se cadastrar e aderir ao Programa de Regularização Ambiental, o produtor terá suspensas as multas e outras sanções relativas ao desmatamento irregular de vegetação nativa ocorrido antes de julho de 2008. Se cumprir os prazos e condições estabelecidos no termo de regularização, as multas serão convertidas em serviços ambientais. As punições também permancem suspensas enquanto os programas de regularização não saírem do papel.

(TRILHA)

O debate de mudanças na legislação florestal brasileira ganhou força no Congresso nos últimos quatro anos, após o governo do ex-presidente Lula editar um decreto prevendo multa a quem não cumprisse os índices de reserva legal na propriedade. A possibilidade mais concreta de punição, aliada a restrições a crédito, mais fiscalização por satélite e pressão do Ministério Público, acendou o sinal de alerta no campo. O Código Florestal, sancionado em 1965 e depois alterado pontualmente, passou a ser mais fortemente criticado pelos produtores.

Durante os debates no Congresso, a aplicação das multas pelo descumprimento da reserva legal foi adiada seguidas vezes. Até que, com a aprovação de um novo código em maio e algumas alterações em outubro, produtores e governo chegaram a um consenso sobre como a regularização poderia ser flexibilizada conforme o tamanho da propriedade e o período de ocorrência do desmatamento.

A reserva legal continua variando entre 20% e 80% de mata nativa na propriedade, dependendo da região do país. Mas, pela nova lei, o proprietário pode incluir no cálculo da reserva outras áreas obrigatórias de preservação, como as matas às margens de rios, por exemplo. Isso era bastante restrito antes.

Na prática, as áreas protegidas vão diminuir, o que preocupa ambientalistas como o advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental. Ele lembra que as regras mais flexíveis vão atingir, principalmente, as regiões do país mais carentes de vegetação nativa e, por isso, mais sujeitas a problemas de água e fertilidade do solo. Além disso, o advogado alerta para possíveis dificuldades de aplicação da lei, o que, na sua avaliação, terá de ser resolvido nos decretos que virão para regulamentar o novo código.

"Essa lei criou duas categorias de cidadãos. Cidadãos que respeitaram a lei terão obrigação de preservação muito maior do que os que não preservaram. A lei trouxe anistia maior para os chamados pequenos agricultores, todos os donos de imóveis com até 4 módulos fiscais. (...) Ocorre que muitas fazendas no Brasil- não existe dado oficial sobre isso, é minha experiência- é uma regra de que, pelo menos os médios e grandes imóveis, estão divididos em mais uma matrícula. No cartório, é mais de uma fazenda. Para o Código Florestal antigo era irrelevante. O sujeito tinha 1 ou 1000 hectares, com o rio de um tamanho, a APP era a mesma. Reserva legal era de x% do tamanho do imóvel. X% de uma matrícula ou vários, a soma dava na mesma. Agora, não. Então, há um risco sério de que, se não houver no decreto de que não se pode permitir cadastramento fracionado de imóveis, essa anistia que foi direcionada para os pequenos tende a se espraiar para médios e grandes."

O ex-ministro da Agricultura e deputado Reinhold Stephanes, do PSD do Paraná, concorda que a prática poderá levar a novas mudanças no código. A diferença, segundo ele, é que agora a maioria dos produtores conta com uma norma possível de aplicação.

"Foram discutidas novas regras, um novo código foi elaborado. Ele dá uma tranquilidade a mais ou menos 90, 95% dos nossos produtores. Mas ainda teremos, vamos ter, com certeza, alguns problemas para o futuro porque à medida que o Código seja aplicado - já que o anterior não era aplicado e por isso ele não criava maiores problemas -, mas esse vai ser aplicado. (...) Tenho como sugestão que o Congresso crie uma comissão especial para acompanhar implantação e estudar questões básicas, como custo de implantação."

O deputado Bohn Gass, do PT gaúcho, diz que, em todo o país, os produtores estão buscando informação sobre a nova lei. Presidente da comissão especial sobre a medida provisória que fez as últimas alterações no código, Bohn Gass defende que o debate da aplicação da legislação passe também pela busca de técnicas agrícolas menos agressivas ao meio ambiente.

"Eu já estive em sindicatos, em secretarias de agricultura. Já estive em universidades, já estive em escolas técnicas, já falei com governos, já fui chamado para vários órgãos ambientais para prestar esclarecimento sobre esses temas. Eu vi que em todos eles há um interesse de compreender. (...) Este é o código brasileiro que dialoga com a maioria. Ele para mim é página virada. O debate que precisamos fazer é de aprimoramento no sentido de termos mais tecnologia menos agressiva ao meio ambiente. Que não tenha a ncessidade de o Brasil ser o campeão mundial de uso de veneno na lavoura. Como vamos preservar melhor a água. Esse é o debate do futuro."

Por enquanto, o governo editou apenas um decreto para regulamentar pontos gerais do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental. Entidades do agronegócio e ONGs ambientalistas reivindicam participação ativa na definição dos próximos critérios para regular o novo Código Florestal.

De Brasília, Ana Raquel Macedo

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