Reportagem Especial
Movimentos Sociais - A questão da violência na sociedade brasileira (07' 53")
26/06/2006 - 00h00
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Movimentos Sociais - A questão da violência na sociedade brasileira (07' 53")
As injustiças sociais existentes no Brasil, a distribuição desigual da renda e da terra são reconhecidas dentro e fora do país. Na época da ditadura militar diziam que nós éramos o país do futuro. Mais de 20 anos depois e milhões de brasileiros ainda esperam ter atendidas suas necessidades básicas, capazes de dar a eles uma vida mais digna. O combustível que move a massa de excluídos dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal muitas vezes tem sido a violência. Seria esse combustível a explicar a destruição do patrimônio público e a agressão a servidores da Câmara dos Deputados? Para o deputado federal Xico Graziano, injustiça alguma justifica a violência, nem mesmo a histórica distribuição concentrada da terra no Brasil.
"Nada justifica essas ações violentas, antidemocráticas, porque se nós imaginamos que o mundo possa ser melhorado, as injustiças, as desigualdades, não só da terra, da renda, de oportunidades na educação, a forma de melhorar é dentro do regime democrático, utilizando-se da capacidade do convencimento, das formas políticas de expressão. O que o MST, MLST fazem hoje não faz parte da política. São ações criminosas, que precisam ser combatidas pelos democratas brasileiros"
Já para a Irmã Madalena, da Comissão Pastoral da Terra, a violência não vem dos movimentos sociais organizados. Com a experiência de quem convive com várias organizações de luta pela terra, a religiosa analisa a situação de outro ponto de vista.
"A violência não é dos movimentos, mas estrutural, atinge o cidadão como um todo e principalmente o trabalhador rural na luta pela terra de uma forma mais expressiva, porque são os mais vulneráveis nessa dinâmica da sociedade. Violência estrutural que vai se consolidando através de leis que não são cumpridas, de projetos que não são votados, que vão minando os direitos dos trabalhadores, que são garantias constitucionais"
Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, acha que a violência empregada na manifestação do MLST na Câmara dos Deputados é apenas um aspecto da violência que percorre o país inteiro, em todos os setores da vida social, política e econômica.
"Nós vivemos como se não existisse Estado, como se não existisse a lei. Tanto do ponto de vista privado você tem a violência dos empresários rurais, que ainda usam jagunços, capangas para intimidar os camponeses quanto os camponeses também usam essa força como se não existisse uma força policial que assegurasse os seus direitos. Então, temos a violência quase pura, sem mediação e a atenuação do Estado. Essa violência aumenta quando nós pensamos que no interior da Câmara dos Deputados, lugar que deveria ser de máximo respeito à lei, a lei é desrespeitada"
Na opinião do professor Roberto Romano, há muito preconceito na sociedade brasileira, o que explicaria, segundo ele, a forma como os movimentos sociais muitas vezes são tratados.
"A sociedade brasileira é uma das mais hediondas do planeta. As elites brasileiras são as mais egoístas, as mais incultas e as mais primitivas do planeta, haja vista se você olha relatos sobre o preço das mercadorias usufruídas pela classe média e classe alta brasileira. Bolsa por 56 mil reais num país com tamanha falta de distribuição de renda é um deboche. Esse tipo de atitude parece que leva à radicalização. Mas não é apenas isso. Apesar da atitude egoísta e violenta da nossa classe média, que é extremamente preconceituosa, evidentemente também não se pode partir para o outro lado"
Vander Geraldo, membro da Confederação Nacional das Associações de Moradores, também defende a tese de que a sociedade brasileira é preconceituosa e que teme a organização dos movimentos sociais para cobrar direitos constitucionais.
"Nós somos contra a violência. Queremos a paz, a vida, que todo mundo tenha os seus direitos respeitados. Muitas vezes a violência é utilizada pelo poder constituído e pelas elites para poder agredir os trabalhadores e o povo que depende dessas conquistas. E aí muitas vezes nós usamos das nossas defesas corporais. E quantos e quantas não foram mortos pelos poderes constituídos para defender patrimônios das grandes elites? Nós não usamos a violência. Nós somos muitas vezes vítimas da violência"
O professor Dalmo Dallari, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, afirma que está faltando entre nós espírito de fraternidade e de solidariedade. Ele cita o filósofo alemão Kant para lembrar que nenhuma pessoa vive sozinha. Todas, sem exceção, dependem de muitas outras para viver.
"Mas existe também um egoísmo essencial. Muita gente coloca o eu, o meu acima de todos os valores. Então, as pessoas esquecem essa socialidade, esquecem que recebem muito dos outros e só se preocupam com o que é seu, com a sua riqueza, com as suas vantagens, com os seus benefícios, nada fazendo para a correção das injustiças e em termos de solidariedade. Isso deve ser dito muitas vezes entre nós para despertar as consciências, para que as pessoas percebam que é tremendamente injusto esse apego ao seu benefício, às suas vantagens pessoais à custa do sacrifício do outro, da dignidade humanda do outro, à custa da própria sobrevivência do outro."
O professor Dalmo Dallari entende que é preciso criar no Brasil a mentalidade solidária, a preocupação com a justiça e a superação do egoísmo, para que os brasileiros possam efetivamente viver em paz.
De Brasília, Marise Lugullo