Papo de Futuro

A censura, as leis, a Constituição e uma palavra para quem quer entender um pouco mais desse Brasil na internet

08/11/2022 -

  • Papo de Futuro (08/11/2022):

Nesta edição do programa Papo de Futuro, a consultora Beth Veloso fala sobre moderação de  conteúdo e censura na internet do ponto de vista do que dizem as leis aprovadas no Parlamento.

Agora que a eleição acabou, a gente se pergunta: houve censura? Não há respostas simples para perguntas complexas, sobretudo num comentário de rádio sem grandes pretensões, como é o nosso caso. O que é importante aqui é nivelar a informação para o cidadão, porque isso sim é cidadania. E cada um que tire as suas próprias conclusões. Inspirados neste exercício de pensar sob a perspectiva não de quem faz a lei, mas de quem as coloca em prática e se beneficia delas, é que a democracia se fortalece, afinal, a informação hoje, segundo Bramam, é a maior fonte de poder.

A regra é simples, me parece que na prática, os agentes públicos que postam informações nas redes sociais têm uma responsabilidade maior e tem sido cobrados por isso de maneira mais dura pela TSE. Para o cidadão comum, atenção, a investigação vale para todos. E é por aqui que começamos. Porque tivemos tantos conteúdos removidos e até mesmo perfis durante as eleições?

O Código Eleitoral[1] diz, no artigo 323, que é crime divulgar, na propaganda eleitoral ou fora dela, fatos que se sabe inverídicos.

A pena é de dois meses a um ano de detenção, e multa. Isso inclui vídeos. E isso inclui também a internet e rede social, inclusive em tempo real, além da imprensa escrita, rádio e TV.

Na base desse fundamento, está um argumento muito discutido hoje nas redes, que é a defesa das instituições, ou seja, da democracia em última instância. E quando a gente vai para o cidadão, a gente acrescenta outros três dispositivos da lei,  são os crimes de calúnia, difamação e injúria, previstos nos artigos 324, 325 e 326, respectivamente.

Sem entrar na profundidade desses conceitos, o que é importante ter em mente, para o nosso ouvinte, é que a internet não é uma terra sem lei. Isso sim é importante perceber, porque a percepção generalizada é de a rede aceita tudo, e fica tudo por isso mesmo.

Se engana quem acredita que a rede é o ícone, o baluarte da liberdade de expressão, e que somos livres para pensar e expressar esse pensamento. Como diz a filosofia, o seu pensamento é livre desde que seja apenas um pensamento.

Censura x liberdade de expressão

Conforme o Wikipédia[2], a palavra censura é a desaprovação e consequente remoção da circulação pública de informação, visando à proteção dos interesses de um estado, organização ou indivíduo. Ela consiste em toda e qualquer tentativa de suprimir a circulação de informações, opiniões ou expressões artísticas.

A Constituição brasileira escreve expressamente: “vedada a censura no Brasil”[3]. É curioso que não um único trecho que a lei maior expressamente assegure a “liberdade de expressão”, sendo este um conceito fruto de uma construção social e do direito de fato, das práticas sociais e da jurisprudência.

Mas, se existe um direito que pode ser confrontado, é justamente o da liberdade de expressão, cujos limites são diversos. Por exemplo, o MCI da internet determina a remoção imediata de conteúdo com pornografia infantil, pois trata-se de conteúdo inaceitável.

Na internet, o tempo não é um conceito relativo ao como da liberdade de expressão. Os danos que um conteúdo danoso podem causar se não removidos de imediato são irreparáveis e muitas vezes representam a perda de uma vida humana, como aconteceu recentemente na Inglaterra, o que reacendeu o debate sobre o controle de conteúdo prejudicial â infância.

Controle, portanto, é um termo hoje associado à rede por uma questão de sobrevivência da própria rede, mas a diferença è, justamente, o clássico equilíbrio entre o remédio e o veneno,  ou seja, qual é a dose do controle que deve haver sobre o conteúdo da rede. E até que ponto este controle está submetido â avalição de um controle social, como o fórum de regulação que o Facebook criou e desmontou, que foi pensado para aproximar as pessoas das práticas de moderação das plataformas digitais para lidar com postagem indesejadas e anti-sociais.

Então, em primeiro lugar, é preciso compreender que:

  • quem acusa tem o ônus de provar;
  • Difamar alguém, além de crime comum, também é crime eleitoral, mesmo tendo passado as eleições;
  • O debate aqui é sobre a dose do remédio, dependendo se o autor do conteúdo falso é pessoa comum, funcionário publico ou autoridade, e se atinge um órgão como o TSE, quando ao dizer que as eleições foram fraudadas ou não, e se atinge qual desses sujeitos;
  • há que se observar o devido processo legal, também previsto na Constituição;
  • há que se implantar um relatório de transparência, tanto por parte das plataformas, quanto do governo, sobre conteúdos ou perfis removidos, como previsto nas propostas de lei em tramitação na Câmara, como o PL 2630, o chamado PL da Transparência. Cito ele não como validação, mas por ser a proposta mais abrangente em tramitação nesta casa;
  • É obrigação do poder público interromper a atividade delitiva.

Mais do que transparência, o que as iniciativas de lei pretendem, caso sejam aprovadas, é combater contas falsas, criadas por robôs com vistas a disseminar conteúdo criminoso ou mensagens publicitárias. E, sobretudo, que as plataformas digam quais são os critérios que são usados para barrar conteúdos inadequados. E, claro, as mesmas regras teriam que ser seguidas pelo Poder Público, incluindo o Poder Judiciário, na gestão de contas e e conteúdos na internet.

Há muito que clarificar e evoluir nesse sentido. No Brasil, assim como no exterior, a abordagem que se usa é a de colaboração, o que a gente diz no jargão do comuniques ou juridisquês como soft law, ou seja, existem código de conduta que as redes sociais podem aderir voluntariamente[4].

A tentativa mais enérgica do governo de atuar no campo da remoção do conteúdo, que foi a medida provisória que listava o que poderia ser removido, que foi a Medida Provisória 1068, de 2021, acabou não emplacando, pois retirava das plataformas a possiblidade de excluir conteúdo com base em regras próprias, para seguir uma lista que incluía o inadimplemento do usuário, contas simulando a identidade de terceiros, contas geridas por computador, violação de direitos autorais, divulgações de atos sexuais, prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico, organizações criminosas, dentre outras. A questão é tão conflituosa que partidos políticos e a OAB pediram a inconstitucionalidade da MP no STF, que suspendeu a vigência da norma, e o próprio Congresso Nacional devolveu a MP ao Governo Federal, nos informa o artigo da advogada Roberta Chiminazzo[5].

O problema é que a lista de questões a serem examinadas é interminável e o que se acredita é que este controle, a rigor, precisa ser feito a posteriori, e não a priori, ou seja, caso a caso, pela Justiça, a partir de uma lei que seja abrangente o suficiente para garantir a liberdade de expressão, e restritiva o suficiente para coibir a libertinagem de conteúdo improprio e de mentiras a circular na internet.

No esclarecedor artigo sobre moderação de conteúdo[6], nosso colega Guilherme Pinheiro, consultor legislativo como eu, revela a fragilidade do modelo soft law, uma vez que “esse modelo de governança empresta liberdade para que a rede social decida que a disseminação das visões de determinado grupo político é prejudicial aos seus negócios e, portanto, opte por excluì-lo da plataforma. Só um lembrete que Guilherme, citando o pesquisador Gillespie, nos faz: Google e FAcebook são monopolistas, e, nessa condição, podem induzir, esconder e manipular a expressão e o discurso, sem correr o risco de perder um único dos seus bilhões de clientes insatisfeitos ao redor do mundo.

A responsabilidade civil no Marco Civil da Internet

As plataformas não são responsabilizadas por conteúdo de terceiros, apenas quando descumprirem ordem judicial específica para tornar indisponível conteúdo apontado como infringente, conforme define o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que é a lei 12.965, de 2014).

Vale lembrar que em 2014, as plataformas precisavam crescer e a liberdade de expressão era o fermento para que nada impedisse a internet de se tornar o maior meio de comunicação e troca de informação do mundo. O contexto é outro, como se pode ver nos escândalos como o do Cambridge Analytics ou do Facebook Paper, em que ficou demonstrado que o lucro das empreas podem estar a serviço de interesses políticos e eleitorais, em detrimento do uso consciente e responsável das plataformas, como é exigido de outros meios de comunicação, como rádio e televisão.

Habeas Data e Lei de Acesso a Informação

A internet é um espaço público de debate. É onde o cidadão pode acessar os canais públicos, as informações do Estado, ser atendido, receber respostas de interesse público, como temas relativos a eleições ou saúde pública, como Covid, peticionar e mesmo ter acesso às suas informações pessoais, como no caso habeas data[7], previsto no art. 5 da Constituição, que te dá direito a ter acesso ou corrigir informações registradas em bancos de dados de órgãos públicos ou instituições similares.

A internet e as redes sociais simplificaram o que se propunha fazer com a Lei de Acesso à Informação, a chamada LAI, que permite que todo cidadão busque informações sobre orçamento, gastos, decisões públicas, políticas públicas, como forma de fiscalizar o que os gestores políticos e a burocracia estão fazendo, o que vale também para a Câmara dos Deputados e o Parlamento. Os dados são abertos, basta pedir e eles lhe serão enviados, pois esse é o princípio do accountability, um termo clássico americano para prestação de contas.

O que a lei prevê sobre denúncia falsa, ou fake News, como a gente costuma chamar? Quem denuncia precisa estar fundamentado, precisa provar o  que diz, sobretudo nos crimes contra a honra. Caso contrário, o feitiço vira contra o feiticeiro e quem denuncia poderá ser processado por difamação e calúnia, e isso não vale apenas para imprensa ou jornais. Qualquer pessoa está sujeita a ter que pagar uma indenização, numa ação reversa de denunciação caluniosa.

A obrigação máxima do poder público é esclarecer a população e  dar respostas e esclarecimento aquilo que está sendo discutido na arena do espaço público, cuja dimensão virtual hoje é  a das redes sociais.

Encontrar o caminho do meio sobre remover o conteúdo ou responder a este conteúdo é o desafio do agente público.

Eu, Beth, vou lhes contar um segredo: de tudo que vejo na internet, o que mais me dá medo é compartilhar conteúdo. Acredito que tenho tanto medo de dar uma barrigada que eu prefiro ficar quietinha. Vejo pelos meus pais que eles são muito afeitos em compartilhar o que lhes parece verdade. Imagina a urgência de uma educação para a terceira idade, porque na internet, o que vale é a lei, nem idade nem a melhor das intenções atenua a pena para crime por disseminar informações falsas.

Para mim, a internet que eu quero é aquela criativa, inovadora, em que eu crio o meu conteúdo, muito mais do que compartilho um conteúdo que não sei de onde veio, nem a quem interessa. A única coisa que sei é que as plataformas ganham muito dinheiro com isso, ainda que saibam que o que viraliza nem sempre corresponde às evidências de verdade que a lei requer. Mas entre a lei e os lucros, há uma dilema que o capitalismo supera com uma muita facilidade a favor do lucro.

Se as plataformas fizessem a sua parte colaborativa com “C” maiúsculo, o drama do Congresso, da Justiça e do Executivo seria menor, porque, afinal, alguém duvida quem é o dono do poder?

São as plataformas , quem detém a informação, a usa, manipula, armazena e distribuí,  ou somos nós, meros produtores de conteúdos e dancinhas para ganhar uma graninha extra à custa de likes e muita sorte?

 Mande suas dúvidas, críticas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br

[1][1] Extraído de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm

[2] Extraído de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Censor_romano

[3] Extraído de: https://www.senado.gov.br/Relatorios_SGM/CCS/Legislação/000_CF%20artigos%20relativos%20ao%20CCS.pdf

[4] Extraído de: https://www.migalhas.com.br/depeso/355361/moderacao-de-conteudo-nas-redes-sociais-em-qual-etapa-estamos

[5] Extraído de: https://www.migalhas.com.br/depeso/355361/moderacao-de-conteudo-nas-redes-sociais-em-qual-etapa-estamos

[6] Extraído de: https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/38626/26352

[7] Extraído de: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/habeas-data.

Comentário – Beth Veloso

Apresentação – Marcio Achilles Sardi

Coluna semanal sobre as novas tendências e desafios na comunicação no Brasil e no mundo, da telefonia até a internet, e como isso pode mudar a sua vida.

Terça-feira, às 8h. Mande sua sugestão pelo WhatsApp: (61) 99978.9080.