Reportagem Especial
Os 25 anos do Plano Real - a implantação da nova moeda e os desafios dos primeiros anos
06/08/2019 - 03h00
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A implantação da nova moeda e os desafios dos primeiros anos
Quase dez anos depois da redemocratização, o Brasil tinha passado por uma sucessão de planos econômicos fracassados e estava no final do governo Itamar Franco, que assumira depois de um traumático processo de impeachment.
A inflação superava a casa dos dois mil por cento ao ano e o salário mínimo era mais de quatro milhões e meio de cruzeiros reais!
O ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, acha que este contexto facilitou a criação da nova moeda:
“Infelizmente, às vezes é preciso que uma determinada situação se agrave e mostre a sua face mais dura e mais cruel, para o país conseguir mobilizar vontades, corações, mentes, apoios políticos, coalizão de forças para dizer: olha, nós não podemos continuar vivendo dessa maneira.”
No Ministério da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso reúne uma equipe de técnicos para enfrentar o monstro que desorganizava a economia - a inflação.
FHC ressalta, no entanto, que a autoria do plano é uma questão secundária:
“Essa coisa de quem fez o plano... Quem fez o plano foram os técnicos. Eu fiz politicamente, eu ajudei a fazer. O presidente Itamar deu respaldo. Ninguém faz nada sozinho, não é um artigo de jornal. É uma reconstrução das instituições do País.”
Os números antes e depois do Real são emblemáticos das mudanças operadas pela estabilização monetária. Nos quinze anos anteriores à nova moeda, o Brasil teve treze ministros da fazenda e acumulou uma inflação que ultrapassou a impressionante marca dos treze trilhões por cento. Nos primeiros quinze anos do plano Real, tivemos apenas três ministros da fazenda e uma inflação acumulada de menos de duzentos por cento.
Nos quinze anos anteriores ao Real, a inflação esteve fora do controle. Vários planos econômicos foram adotados no período. E depois de cada fracasso, a inflação voltava ainda mais feroz. Com o Plano Real, finalmente a inflação foi domada. E mesmo turbulências econômicas ou políticas não foram suficientes para ameaçar a estabilidade da moeda. Vinte e cinco anos depois, a inflação continua domada - em 2018 estava abaixo da meta de quatro por cento.
O vice-líder do PSDB na Câmara, deputado Vanderlei Macris, considera o Real uma conquista da sociedade brasileira:
“Esse período foi extremamente importante para o Brasil. O Brasil é um antes do Plano Real e o Brasil é outro depois do Plano Real. Então, esse foi um legado importante que o PSDB deixou para a sociedade brasileira.”
Para o deputado Rubens Bueno, do Cidadania do Paraná, o Plano Real foi um avanço:
“Neste novo momento, primeiro você diminui a inflação, você beneficia aqueles que ganham menos. Porque não é o salário correndo atrás da inflação né? É o salário, salário real, que possa comprar aquilo que efetivamente tem condições de comprar com seu salário. Depois, o emprego. Depois, o investimento. A economia melhorou e muito. Então, foi um momento de muitos avanços para o país, não é?”
Houve resistências, especialmente dos representantes dos trabalhadores.
O deputado Vicentinho, do PT paulista, alega que o plano arrochou salários:
“A reação do nosso partido e da nossa central, do nosso movimento sindical, contra o Plano Real, foi porque ele consolidou o arrocho salarial. A diferença salarial continuava grande. Quem ganhava pouco continuou ganhando pouco porque não bastava controlar o preço e manter o salário lá embaixo.”
Mesmo na oposição ao plano, Vicentinho reconhece a importância da estabilidade:
“Congelamento de salário não é bom, não foi bom. O congelamento de preços, o controle de preço no controle da inflação, foi uma coisa boa.”
A maior dificuldade, no entanto, era a desconfiança pelos erros passados, como conta o ex-presidente do Banco Central, Pérsio Arida:
“Na economia, os brasileiros aprendem. Resultado: os empresários saindo de um congelamento, já subiam rapidamente os preços para ter gordura quando houvesse o congelamento seguinte. No caso do plano real, a primeira coisa a dizer, foi avisar para a população que não tem congelamento nenhum. E que tudo ia ser pré-anunciado. E que o primeiro passo do programa era o ajuste fiscal.”
Outro caminho foi promover uma desvinculação orçamentária, para tirar o gesso dos recursos, como explica Pérsio Arida:
“Nós chamamos aquilo de Fundo Social de Emergência, que era uma baita desvinculação orçamentária para permitir cortes no orçamento. O nome era bonito. Mas não era nem fundo nem social nem de emergência. Tanto é que ficou permanentemente...”
No trabalho escrito onze anos antes, André Lara Rezende e Pérsio Arida previam dois anos para implantação da nova moeda. Na prática, o processo levou apenas três meses, como conta Arida:
“O que aconteceu foi muito surpreendente. A inflação àquela altura era 20% ao mês. A conversão de contratos, exceto os salários que foram mandatórios, eram todos voluntários. Em três meses, todos os contratos foram voluntariamente convertidos na nova moeda. Quer dizer: houve uma confiança da sociedade. Houve quase um pacto social implícito.”
A troca da moeda – uma das maiores substituições de dinheiro em todo o mundo – ocorreu em plena eleição, vencida por Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno.
Em apenas três meses, o Banco Central recolheu cerca de 3 bilhões de cédulas de cruzeiro real e colocou em circulação 1,5 bilhão de notas de reais, que na época valiam 27 bilhões de dólares.
Trabalhos técnicos - Ribamar Guimarães
Edição de rádio - Mauro Ceccherini
Reportagem - Cid Queiróz