Rádio Câmara

Reportagem Especial

Mulheres na prisão - quantas são e como vivem

22/04/2019 - 03h01

  • Mulheres na prisão - quantas são e como vivem (bloco 1)

“Para de ficar pedindo para ir para o médico, não está na hora, na hora de nascer a gente tira você do raio”, dizia uma funcionária da unidade. Aí que minha filha passou da hora de nascer, nasceu de 43 semanas, estava com falta de oxigênio a menina. Nasceu toda roxinha. Nunca fiz ultrassom, nunca fiz nada. Eu só ia no médico, eles me chamavam uma vez por mês, eu ia no médico, ele ia lá, media a minha barriga e me pesava.

Você acabou de ouvir a reprodução do depoimento de uma melhor presa retirado do relatório Mulheres em Prisão, publicado em 2017 pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e gravado pela locutora da Rádio Câmara Val Monteiro.

A população carcerária feminina brasileira é a quarta maior do mundo em números absolutos. Em 2015, o Brasil tinha 42 mil mulheres encarceradas. Considerando a taxa de aprisionamento, que é de 41 presas para cada 100 mil brasileiras, o Brasil sobe para a terceira posição entre os 12 países que mais encarceram mulheres. Os dados são do Infopen Mulheres, relatório lançado em 2018 pelo Depen, Departamento Penitenciário Nacional, com dados referentes a 2015 e 2016.

Ainda segundo o Infopen Mulheres, entre os cinco países com maior população prisional feminina do mundo, o Brasil é o que apresenta, de longe, a maior taxa de crescimento. Por exemplo, entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres cresceu mais de 5 vezes no Brasil; enquanto a da Rússia caiu em 2%.

Em termos absolutos, a população prisional feminina cresceu mais de 6 vezes entre 2000 e 2016, ritmo muito superior ao da população prisional masculina. Quem afirma é a Susana Inês de Almeida, que, em novembro de 2018, participou de audiência pública da Secretaria da Mulher da Câmara sobre o aumento do encarceramento feminino. À época, ela era coordenadora de Políticas para Mulheres do Depen, que faz parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Susana Almeida: “A gente está prendendo muito mais mulheres do que homens. As mulheres caem mais, como se diz no jargão policial, elas caem mais. Em geral, mulheres são presas por tráfico de drogas; geralmente, elas caem por serem o ponto mais fraco do tráfico. Alguns estudos já indicam que isso se dá muito pela dificuldade econômica de mulheres no Brasil. Eu, se estivesse sem emprego, não tivesse acesso ao trabalho, estivesse com meus filhos ali passando necessidade, não tivesse acesso aos serviços públicos e alguém me oferecesse, sei lá, vai ali, talvez a gente até pense.”

Apesar da grandeza dos números, eles podem ser ainda maiores, pois 2% das unidades prisionais não enviaram os dados completos. Além disso, na maior parte dos estados brasileiros, os dados sobre pessoas presas em carceragens de delegacias não apresentam recorte de gênero.

O banco de dados do Conselho Nacional do Ministério Público revela um cenário um pouco mais promissor. A série começa em 2015 e indica que, em 2016, havia 38 mil presas no Brasil. Pelo Infopen Mulheres, eram 42 mil. Além disso, segundo esse banco de dados, o Brasil já iniciou uma trajetória de redução do encarceramento de mulheres, apresentando queda de 6% no número absoluto de presas entre 2015 e 2017. Quem traz os dados é a Vanessa Cavallazzi, da comissão do Sistema Prisional do Conselho Nacional do Ministério Público.

Vanessa Cavallazzi: “Em 2016, nós tínhamos 38.171 mulheres encarceradas. Em 2017, esse número caiu já para 36.559. Em 2018, não temos ainda dados completamente fechados, mas a parcial até o terceiro trimestre de 2018 apontava para um número de 33.800 mulheres. Temos apresentado um decréscimo progressivo desse encarceramento.”

Na comparação com o número de homens presos, o de mulheres é ainda pequeno. Eles são 665 mil, e elas 42 mil. Por serem minoria, as necessidades específicas das mulheres passam despercebidas na prisão. Uma das primeiras a apontar o problema foi a jornalista Nana Queiroz, no livro “Presos que menstruam: a situação das mulheres nas prisões brasileiras”, escrito com base em pesquisas e visitas a penitenciárias de todo Brasil entre 2010 e 2015. É a própria Nana que explica o título do livro, colocado de propósito no masculino.

Nana Queiroz: “As mulheres no sistema carcerário são tratadas como homens. Ao esquecer que as mulheres têm especificidades por terem os corpos que têm, o sistema esquece de dar absorvente suficiente para as mulheres, esquece de dar a quantidade de papel higiênico necessária para uma mulher, porque a mulher consome papel para duas necessidades, em vez de uma só, como os homens, esquece de proporcionar atendimento pré-natal, proporcionar espaços adequados para gestantes e lactantes. E aí você tem a violação de direito não só dessas mulheres, mas também dos filhos delas, que estão dentro das barrigas, mas também os bebês que estão ali e que têm o direito de ser amamentado pela mãe e de não perder o contato com a mãe.”

Outra estudiosa do tema, Deise Benedito, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, traz mais exemplos dos desafios extras enfrentados pelas mulheres na prisão.

Deise Benedito: “Para as mulheres que estão grávidas na prisão, a própria gravidez vira uma tortura. Quando elas dão à luz, e muitas vezes a comida é reduzida, para que ela seque o leite e desfaça da criança mais rápido. E aí quando a gente fala das trans, quando a gente fala das lésbicas, em alguns presídios, duas mulheres andando de mãos dadas é 30 dias de tranca, quando não é relatada pra outro presídio sem que a família saiba. Os presos escrevem muitas cartas para vários órgãos. Agora, as mulheres presas, a vigilância sobre as cartas é muito grande. O acesso à biblioteca, como os homens têm, é praticamente impossível."

E, para atender às demandas específicas das mulheres, é preciso conhecer essa população. Se, desde 2004, o governo federal compila informações estatísticas do sistema penitenciário, foi só em 2015 que o relatório passou a ter um olhar mais direcionado para a situação das mulheres. O Infopen Mulheres, que, em 2018, teve sua segunda edição, aborda, entre outros temas, dados sobre cor, etnia, idade, deficiência, nacionalidade, gestação e maternidade das mulheres encarceradas. A Susana de Almeida, do Depen, fala sobre a situação das mulheres no cárcere.

Susana Inês: “Dentre todas as unidades do Brasil, apenas 107 são destinadas especificamente para mulheres. A gente tem 244 mistas. Unidade mista é uma unidade masculina com espaço adaptado para mulheres. Em geral, não é um espaço que é devido. Em geral é um espaço em que as mulheres ficam mais confinadas. Elas não têm muito acesso às assistências. A gente tem tentado que essas unidades mistas sejam extintas porque há, sim, uma distinção de tratamento. Geralmente tem mais homens, então a gente dá preferencialmente os serviços, assistências para homens. Então, se há trabalho na unidade, os homens têm preferência. Se há escola, os homens têm preferência. E assim vão outras assistências.”

Em 2010, as Nações Unidas adotaram uma resolução sobre o tratamento de mulheres presas, que ficou conhecida como Regras de Bangkok, mas que só foi traduzida oficialmente no Brasil seis anos depois. O documento propõe um olhar diferenciado para as demandas específicas das mulheres na prisão e a priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário.

No segundo capítulo da série especial sobre mulheres na prisão, conheça o perfil da detenta brasileira.

Reportagem - Verônica Lima
Edição - Ana Raquel Macedo

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h