Reportagem Especial
Teto dos Gastos Públicos: a PEC sobre o tema e a crise
28/11/2016 - 08h01
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Teto dos Gastos Públicos: a PEC sobre o tema e a crise (bloco 1)
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Teto dos Gastos Públicos: argumentos favoráveis e contrários à PEC sobre o tema (bloco 2)
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Teto dos Gastos Públicos: possibilidade de cortes na educação e na saúde preocupa sociedade (bloco 3)
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Teto dos Gastos Públicos: a constitucionalidade da PEC sobre o tema (bloco 4)
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Teto dos Gastos Públicos: o posicionamento da sociedade em relação à PEC (bloco 5)
O Plenário do Senado Federal deve apreciar nas próximas semanas a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita as despesas primárias de todos os órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário federais pelos próximos 20 anos. Segundo o texto já aprovado pelos deputados, em 2017, a União poderá gastar o equivalente ao que tiver gastado em 2016 corrigido em 7,2%. A partir daí a correção passará a ser feita pelo IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.
Bem, e o que são despesas primárias? Quem responde é o presidente do Conselho Federal de Economia, Júlio Miragaya.
Júlio Miragaya: "As despesas primárias são, essencialmente, gastos correntes do governo. Entram aí os gastos sociais, os programas, o custeio dos ministérios, os programas sociais, Bolsa Família; entra Previdência, saúde, educação, habitação. Tudo, excluindo as transferências do governo para estados e municípios e os gastos com juros da dívida pública."
Outros itens que ficaram de fora do limite de gastos foram: despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições; despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes; e créditos extraordinários para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
A próxima pergunta é: qual a razão para se propor esse limite aos gastos públicos federais? Segundo Alexandre Manoel da Silva, do Ministério da Fazenda, a questão é meramente aritmética: o país precisa gastar menos para estabilizar a dívida pública. O relator da PEC na Câmara, deputado Darcísio Perondi, do PMDB gaúcho, explica melhor.
Darcísio Perondi: "Nos últimos sete anos do governo anterior, gastou muito mais do que arrecadou dos impostos e das contribuições, da comida, da luz, do querosene, do livro, do sapato, da internet, dos impostos, tudo, tu gastou (sic) mais, gastou 50% acima da inflação, 7% ao ano real, real, e deixou um cheque especial primário de 179 bilhões neste ano, no ano passado era 110. (...) E o governo da Dilma e do PT nos últimos 7 anos quase dobrou a dívida interna bruta. Saiu de 50% para 70%, aumentou mais de 50%. A dívida é brutal, é a segunda maior dos países emergentes. Então, o País ficou semi-quebrado".
Para a senadora Gleisi Hoffmann, do PT paranaense, é um exagero dizer que o Brasil esteja quase quebrado.
Gleisi Hoffmann: "Se nós pegarmos a tendência da nossa dívida pública, ela é decrescente. (...) Ela começou a aumentar em 14 e 15, que nós tivemos os déficits orçamentários, mas não porque a gente teve uma despesa exorbitante, é porque a gente teve uma queda muito grande de receita por conta da crise. O Brasil não arrecadou o que podia. Aí é claro, teve um déficit entre a receita e a despesa. Não sobrou para pagar o juro da dívida, uma parte do juro da dívida. E isso foi rolado. Por isso que a dívida aumentou em 14 e 15, mas é um aumento conjuntural, vai passar porque, passando a crise, a gente recupera a economia. Então não é uma situação de desespero."
A crise a que a senadora se refere é a internacional, que vem minando vários países desde 2008. Segundo a pesquisadora Grazielle David, do Inesc, Instituto de Estudos Socioeconômicos, o Brasil demorou para ser atingido pela crise global. Ela começou a ser sentida aqui quando as grandes economias perderam capacidade de comprar nossas commodities, que são os produtos que a gente mais exporta: café, suco de laranja, carne, soja, entre outros. Segundo a pesquisadora, essa queda no preço das commodities é um dos elementos que explicam a recessão atual no Brasil.
Em todo o debate sobre a PEC, só há um ponto pacificado: o Brasil vai fechar o ano de 2016 em déficit. A partir daí, sobram divergências. A começar, como os primeiros argumentos já mostram, pelas causas dessa recessão. O assessor econômico do Senado Felipe Salto atribui a crise à má gestão por parte dos governos petistas.
Felipe Salto: "Você teve com os anos do PT, desde 2008, 2009, principalmente, uma desorganização muito grande das contas públicas. Começou em 2009, com o chamado abatimento da meta fiscal, em que você contabilizava determinados gastos de investimento, do PAC, e depois descontava isso na meta fiscal para ter um compromisso menor, mas na verdade você estava autorizando uma meta menor. (...) Em 2010 houve a manobra contábil da Petrobras, como ficou conhecida, em que o governo antecipou quase 1% do PIB em recursos à vista pela cessão onerosa das reservas do pré-sal pra Petrobras, então foi uma série de movimentos que ficaram conhecidos como contabilidade criativa. E o último capítulo dessa história foram as pedaladas fiscais, que todo mundo sabe no que resultou."
Bem, resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na opinião do presidente da CUT, Vagner Freitas, a crise política é um dos elementos geradores da crise econômica.
Vagner Freitas: "Adendado à crise econômica mundial tem essa questão do impeachment, (...) engendrado desde o primeiro dia do segundo mandato da presidenta Dilma, num conluio da mídia, parcela da mídia, parcela do Poder Judiciário, nos partidos políticos conservadores, para minar e inviabilizar o governo. (...) E a crise econômica que nós vivemos é por conta, juntamente com a mundial, é da crise política que o Brasil vive. O Brasil está paralisado desde o primeiro dia do governo da presidenta Dilma."
Na verdade, há um segundo ponto de consenso entre críticos e alguns apoiadores da PEC: a necessidade de baixar os juros da dívida. Na última reunião do Comitê de Política Monetária, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros, Selic, para 14%. O Brasil é o país que paga os maiores juros reais, que é a taxa Selic menos a inflação, do mundo: 8,5%, chegando a quase o dobro do segundo colocado, a Rússia. Para Felipe Salto, não há nenhum critério teórico para justificar a manutenção de juros tão altos.
Felipe Salto: "Tanto pela regra da paridade, quando a gente olha os juros internacionais mais o risco Brasil, a taxa que sai daí é muito menor do que os 8,5%. Então por que não reduzir? Quando você olha a taxa neutra, que é a que sai do modelo macroeconômico, também reduziu. Quando você olha as expectativas de inflação, estão despencando".
Na visão do governo, o equilíbrio da dívida pública é condição necessária para a queda dos juros. A proposta de emenda à Constituição que limita os gastos da União por 20 anos já foi aprovada pela Câmara e está em análise no Senado.
No segundo capítulo, conheça os argumentos favoráveis e contrários ao teto de gastos.
Reportagens – Verônica Lima
Edição – Mauro Ceccherini
Produção – Lucélia Cristina e Cristiane Baker
Trabalhos Técnicos – Milton Gomes