Reportagem Especial
Número de fumantes no Brasil caiu de 34% para 11% da população
24/11/2014 - 00h01
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Número de fumantes no Brasil caiu de 34% para 11% da população (bloco 1)
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Legislação nacional contra o cigarro prevê punições mais rigorosas (bloco 2)
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Cigarro está associado a 50 doenças que matam 200 mil por ano no Brasil (bloco 3)
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Câmara analisa mais de 140 propostas restritivas à fabricação e consumo de cigarros (bloco 4)
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Hospital de Brasília é referência nacional contra o vício do cigarro (bloco 5)
Na reportagem especial desta semana, em cinco capítulos, a repórter Lara Silvério revela como está ocorrendo uma significativa mudança no Brasil. Em 1989, 34% da população adulta fumava. Já em 2013, esse índice caiu para 11%! Para se ter uma idéia da importância dessa mudança, a redução do número de fumantes nos últimos 25 anos fez com que o Brasil já se apresente hoje como o terceiro país com maior índice de ex-fumantes do mundo! Conheça as razões que levaram a essa mudança, o perfil do fumante brasileiro, as iniciativas do governo e do Parlamento para controlar o uso do tabaco, as doenças relacionadas ao consumo do cigarro e os centros de atendimento gratuitos que estão acessíveis para o tratamento de males causados pelo fumo. Você também vai ter informações sobre os mais recentes modismos para atrair novos fumantes como o narguilé e o cigarro eletrônico.
“Eu comecei a fumar na época de colégio ainda. Eu tinha uns 16 anos de idade. Na época, eu já fazia esporte e os campeonatos já eram, inclusive, patrocinados por marca de cigarro. E aquilo era muito bonito, era charmoso, né. E aí, começou assim, com uma brincadeira tornou-se o vício que é”.
“Até o médico fumava no consultório naquela época. Fumavam no hospital. Outro dia eu vi umas imagens da seleção brasileira, toda a comissão técnica da seleção fumando no campo. E as propagandas eram maravilhosas também. Era tudo muito fácil”.
Miguel da Costa, de 54, e Ludmila Menezes, de 45 anos, representam milhares de pessoas que foram atraídas pela imagem extremamente positiva que se criou do cigarro ao longo do tempo. Durante muitas décadas, belas propagandas de marcas como Hollywood, Chanceller e Marlboro associavam o cigarro com esportes radicais, vitalidade e beleza. Quem, com mais de 40 anos, não se lembra de spots publicitários como estes que fizeram sucesso nos anos 70 e 80...
Eh... mas a utilização de publicidades que buscavam unir as ideias de juventude, força ou até mesmo glamour com o consumo do cigarro vem de longe.
Já nos anos 40, 50 e 60, o cinema norte-americano também foi um grande veículo de disseminação do cigarro. O filme Casablanca, de 1942, é um bom exemplo. Em quase todas as cenas, o cigarro estava lá, contracenando com o galã Humphrey Bogart, que, aliás, morreu jovem, aos 57 anos, com câncer de pulmão. O objetivo de todo esse marketing era bem claro: tornar o cigarro um bem de consumo desejável, principalmente entre os jovens, que sempre foram os principais alvos da indústria do cigarro.
Mais de meio século depois que o cinema começou a promover a popularização do cigarro, em 1964 o Ministério da Saúde dos Estados Unidos divulgou o primeiro relatório com estudos que relacionavam o tabagismo e diversas doenças. Ao mesmo tempo em que o número de mortes causadas pelo cigarro começou a gerar uma reação do mundo, se iniciou, nos anos 60, uma verdadeira guerra entre a saúde pública americana e grandes empresas fabricantes de cigarro.
Essa reação negativa ao produto começou a repercutir em todo o mundo, mas, no Brasil, a preocupação com o fumo só ganhou força no final da década de 80, quando o Ministério da Saúde criou os primeiros instrumentos de controle do tabagismo no país, como campanhas de conscientização quanto aos males do fumo nas unidades de saúde pública e nas empresas, ações educativas, com a abordagem do tema do cigarro nos currículos escolares, além da inclusão do tratamento gratuito de dependência da nicotina no Sistema Único de Saúde, o SUS.
Um bom exemplo de instituição que tem atuado no combate ao consumo de cigarros no Brasil é o Instituto Nacional de Câncer, o Inca, com sede no Rio de Janeiro. Desde 1989, o Inca coordena as ações do Programa Nacional de Controle do Tabagismo. O médico pneumologista Ricardo Meirelles trabalha no Instituto e acredita que as medidas educativas e restritivas ao cigarro vêm gerando, lentamente, mudanças comportamentais em fumantes e não fumantes:
“Antigamente, o tabagismo era uma coisa estimulada pela sociedade. Era um estilo de vida ser fumante. Ainda não existiam estudos que mostravam o malefício do cigarro. Nos anos 1930, 1940, nos Estados Unidos, os médicos faziam propaganda de cigarro. A comunidade científica só descobriu que a nicotina é uma droga no final dos anos 1980, em 1986.”
Até final dos anos 80, estudos com abrangência nacional sobre o cigarro eram escassos no Brasil. Quando, em 1989, a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição mostrou que 27 milhões, ou seja, 34% dos adultos fumavam. Já em 2013, de acordo com outra pesquisa feita pelo Ministério da Saúde, esse índice caiu para 11%, ou seja, 20 milhões de pessoas. Pode parecer pouco, mas, durante esse tempo, a população brasileira saiu dos 140 e bateu a casa dos 200 milhões. Então, comparativamente, um aumento de 60 milhões de pessoas e uma redução de sete milhões de fumantes é bastante expressiva.
A revista inglesa The Lancet, uma das publicações médicas mais importantes do mundo, revelou, em 2012, dados ainda mais impressionantes: o Brasil é o terceiro país com o maior índice de ex-fumantes do mundo, ficando atrás apenas do Reino Unido e dos Estados Unidos.
A médica e chefe do Programa Nacional de Controle do Tabagismo do Inca, Tânia Cavalcante, conta que a forma como o cigarro e o fumante passaram a ser vistos pela maioria da sociedade brasileira foi de um extremo a outro ao longo desses quase 25 anos, desde que o Brasil acordou para o problema do cigarro. Segundo Tânia, vinte ou trinta anos atrás o fumante era visto como moderno e descolado, mas, atualmente, chega a ser discriminado por quem não fuma:
“Devagarzinho se construiu uma representação social negativa do ato de fumar. A sociedade, de certa forma, ela até meio que massacra o fumante porque o senso comum hoje vê o fumante como uma pessoa que não tem força de vontade, mal educada. O que nós temos trabalhado é para mostrar que aquela pessoa que hoje fuma é uma vitima de todo o processo de construção desse mercado.”
Altamente viciante, a nicotina presente no tabaco do cigarro é uma substância poderosa. Tanto quanto o álcool, a cocaína e outras drogas. Especialistas relatam que basta uma tragada para que se comece o processo de dependência. Apesar disso, parar de fumar é possível e viável. Depois de fumar por 27 anos, a servidora pública Ludmila, de quem nós falamos no começo da reportagem, acendeu o último cigarro em abril de 2012. Ela conta que resolveu parar quando percebeu que sua saúde já não era mais a mesma:
“Eu já não conseguia fazer as coisas que eu fazia, ficava cansada. O cheiro também me incomodava. O cheiro na mão, na roupa, no cabelo. Desde então, eu voltei a nadar. A minha pele melhorou muito, ficou mais bonita, mais clara. Ela clareia, é impressionante. O sono é mais tranquilo, porque o cigarro é muito excitante”.
Longe do cigarro há pouco mais de dois anos, Ludmila conta que a qualidade de vida é mesmo outra:
“Eu não tenho mais aquela dependência do cigarro. O medo de o cigarro acabar. Será que vai ter o meu cigarro? Eu me despreocupei. E o cheiro de cigarro me incomoda e eu sinto a quilômetros de distância. Então, a qualidade de vida é outra”.
Apesar das ações de controle do fumo colaborarem para que o cigarro perca popularidade e para que a indústria tabagista não atraia mais fumantes como antigamente, a Organização Mundial da Saúde estima que mais de um bilhão de pessoas no mundo ainda sejam fumantes, o que representa um terço da população mundial adulta.
Reportagem – Lara Silvério
Edição – Mauro Ceccherini, José Carlos Oliveira e Carlos Eduardo Esch
Trabalhos técnicos – Marinho Magalhães