Reportagem Especial
Obstáculos à lei que garante vagas às pessoas com deficiência nas empresas
17/09/2013 - 14h46
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Obstáculos à lei que garante vagas às pessoas com deficiência nas empresas
Os obstáculos ao cumprimento da lei que garante vagas para pessoas com deficiência nas empresas brasileiras não são apenas o preconceito e a má vontade dos empregadores. Há ainda dificuldades da empresa em se adaptar à regra e a falta de qualificação dos profissionais interessados. Se a lei de cotas fosse cumprida, pelo menos 900 mil trabalhadores com deficiência teriam emprego. Confira agora o segundo capítulo da reportagem especial sobre "Pessoas com deficiência e mercado de trabalho", com Noéli Nobre.
Seiti Kleffer se considera um vencedor. Aos 23 anos, ele acaba de se formar em Serviço Social e já conseguiu o primeiro emprego. O que diferencia Seiti de outras pessoas é o fato de ser cego e surdo de um ouvido. Essas características, no entanto, nunca o impediram de ir à luta em busca de seus direitos e do próprio crescimento profissional.
Seiti trabalha em uma universidade em Brasília, justamente no setor que busca incluir alunos com deficiência. A tarefa do jovem é digitalizar materiais para outros alunos que, como ele, não enxergam ou enxergam pouco. Faz parte da política da instituição incluir alunos e também contratar pessoas com deficiência para trabalhar no local.
As deficiências de cada pessoa são específicas, o que obriga a empresa a se adequar às necessidades de cada um. Talvez por isso o próprio Seiti tenha tido dificuldade na hora de encontrar um emprego:
"Existe um trabalho bem específico para cego e um trabalho mais específico para surdo. Inúmeros trabalhos, eu recebi propostas e, na hora de poder trabalhar, eu fui recusado. Não pude trabalhar por causa do laudo médico. Além da deficiência visual, eu tenho deficiência auditiva de um lado. O trabalho para cego envolve muito telemarketing. E trabalho para surdo eu não posso, porque não consigo ver."
A sorte de Seiti Kleffer não é regra no Brasil. Para que casos esses se tornem mais comuns, o País conta, há 22 anos, com uma lei que obriga empresas com mais de 100 empregados a contratar pessoas com deficiência. Pela regra, as empresas que têm entre 100 e 200 funcionários devem reservar pelo menos 2% das vagas para profissionais com deficiência. Para empresas com até 500 funcionários, a cota sobe para 3%; com até mil, 4%; e acima de mil a cota é de 5%.
Nem sempre a lei é cumprida. De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais, das mais de 45 mil empresas com 100 ou mais empregados no Brasil, apenas três mil e oitocentas - pouco mais de 8% do total - cumpriam a cota mínima de contratação de pessoas com deficiência no fim de 2011.
Auditores fiscais do Trabalho fiscalizam o cumprimento da medida em todo o País. A empresa infratora é punida com multa que varia de mil e trezentos a quase R$ 133 mil, conforme o tamanho do negócio.
Em média, mil empresas são autuadas a cada ano. Segundo Fernanda Di Cavalcanti, coordenadora nacional do Projeto de Inserção de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, a fiscalização tem levado muitas empresas a se enquadrar.
"A gente tem deparado, cada dia mais, com empresas mais abertas a cumprir essa legislação. A gente tem empresas que não querem cumprir de forma alguma, e a gente chama que são empresas que não são inclusivas. Mas a gente tem, hoje em dia, um crescimento muito grande das empresas inclusivas e que querem cumprir a lei de cota."
A falta de vontade de algumas empresas e o preconceito em admitir pessoas com deficiência não são os únicos entraves ao cumprimento da lei. Em muitos casos, o que há é dificuldade mesmo para se adaptar, como já havia destacado Seiti Kleffer e como afirma Janilton Fernandes Lima, da Confederação Nacional do Comércio:
"Vai precisar investir, de alguma forma, na adaptação. Pelo menos, a convenção fala adaptação razoável, mas que seja adaptação razoável e implique em alterar sua estrutura física. Às vezes, a estrutura física, o lojista, o comerciante não é proprietário daquilo."
Em outros casos, o que faltam são profissionais com deficiência qualificados. De qualquer forma, cursos adaptados existem, como explica Adriana Barufaldi Bertoldi, especialista em Desenvolvimento Industrial do Senai. Segundo ela, o Senai adapta os currículos do curso de interesse da pessoa com deficiência e já incluiu 80 mil profissionais no mercado de trabalho entre 2007 e meados de 2013. A maior dificuldade é fazer com que as pessoas tenham acesso a essa capacitação, mas quem se capacita surpreende, segundo Adriana.
"A gente sempre subestima. A gente tem muito essa questão da barreira atitudinal de achar que eles são incapazes, que eles são limitados, que eles são menos do que realmente eles são. E, na verdade, eles só precisam que a gente garanta os apoios necessários. Na medida que a gente garante esses apoios, eles aprendem, eles se desempenham bem, eles são muito bem qualificados e vão para o mercado e surpreendem como a gente está vendo aí, em todo tempo, nessas grandes empresas."
Calcula-se que, se a lei de cotas fosse cumprida, pelo menos 900 mil trabalhadores com deficiência teriam um emprego, em um universo de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.
Amanhã, na série especial, você vai conhecer propostas de mudanças na lei que obriga a contratação de pessoas com deficiência.
De Brasília, Noéli Nobre