Rádio Câmara

Reportagem Especial

190 anos do Parlamento - para que serve o Parlamento?

27/04/2013 - 00h01

  • 190 anos do Parlamento - para que serve o Parlamento? (bloco 1)

  • 190 anos do Parlamento - Império e República Velha (bloco 2)

  • 190 anos do Parlamento - Revolução de 30, Estado Novo e redemocratização (bloco 3)

  • 190 anos do Parlamento - ditadura militar (bloco 4)

  • 190 anos do Parlamento - Constituição de 88 até os dias atuais (bloco 5)

O parlamento brasileiro, que completa 190 anos no próximo dia 3 de maio, é mais antigo que a própria República. Na reportagem especial desta semana, Ricardo Viula e Tiago Amate contam um pouco da história da chamada “Casa do povo”. História que se confunde com o parlamento: do abolicionismo ao impeachment de Collor. Do voto masculino e censitário, baseado na renda, até democracia em permanente construção. Você sabe para que serve o parlamento? E qual é a alternativa para o Congresso Nacional e a política, tão criticados pelos eleitores? Confira agora o primeiro capítulo.

No Plenário da Câmara dos Deputados, questões de interesse do povo brasileiro são debatidas diuturnamente por parlamentares das 27 unidades da Federação. 513 deputados e 81 senadores federais reunidos no Congresso Nacional fazem do legislativo o maior dos três poderes em número de representantes. Com quase dois séculos de existência, esse é o atual retrato do Parlamento brasileiro. Só que nem sempre foi assim. É o que afirma o professor de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro Jairo Nicolau.

“Era uma casa mais elitista, não era uma casa de representação como é hoje. Desde a República, o Senado e a Câmara são casas eletivas, eleitos por sistemas eleitorais diferentes, com funções constitucionais diferentes.”

Mais antigo que o presidencialismo, o parlamento surgiu no Brasil com a figura do imperador D. PEDRO I, em 1823, 8 meses depois da independência do Brasil. Desde então, deputados e senadores participaram de importantes fatos políticos que marcaram a história brasileira. Fosse aprovando a Lei Áurea, em 1888, fosse cassando o ex-presidente Collor, em 1992, parlamentares contribuíram para consolidar a democracia republicana adotada no país.

Analisando esses 190 anos de história, Vamireh Chacon, professor emérito da Universidade de Brasília, considera que o Congresso Nacional mudou na forma de representar o cidadão, num processo de ascenção democrática que acompanhou o Brasil .

No ano de 2013 nunca a democracia brasileira foi mais plena. Nunca o parlamento brasileiro foi mais representativo. Sem subestimar outras épocas de grandeza, porém, por assim dizer, subindo uma escada, cujo alto degrau, hoje por nós ocupado, não será, certamente, o último.

Comissões, audiências públicas, frentes parlamentares, projetos de lei, propostas de emenda à constituição e votações de Orçamento são alguns dos elementos que integram hoje o cotidiano desse poder legislativo. Desde seu surgimento no Brasil, cabe ao Congresso Nacional criar e analisar as leis, além de fiscalizar financeiramente a união.

Apesar das transformações históricas, Antonio Barbosa, historiador da Universidade de Brasília, avalia aquilo que continua do mesmo jeito.

“Em, o que não mudou foi é aquilo que nós poderíamos identificar como a missão fundamental do parlamento, não só no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo. O parlamento existe para falar, para criticar, para propor, mas, sobretudo, para fiscalizar a ação do executivo, sobretudo em termos orçamentários. Aliás, a origem histórica do parlamento no mundo ocidental está diretamente ligada à questão orçamentária, à questão financeira, à questão tributária. Essa é a grande função do parlamento e ele nos acompanha desde o momento que ele começou a funcionar no Brasil, após a independência.”

No Brasil, o modelo de parlamento adotou referências internacionais diferentes no Império e na República. Segundo o cientista político Leonardo Barreto, primeiro o país usou o modelo inglês para, em seguida, adotar a experiência republicana dos norte-americanos - consolidada até os dias atuais. Para o pesquisador, os parlamentos se tornaram essenciais em qualquer regime democrático.

“Sem ele, o executivo exerceria suas regras de uma maneira totalitária e ditatorial. Sem controle, a tendência é que o executivo abuse do poder que é confiado a ele. Por isso que os parlamentos foram criados inicialmente, pra controlar os reis, os reis absolutistas na Europa. E nas formas republicanas eles permaneceram, eles continuaram existindo aí para controlar a figura do presidente, onde se estabeleceram regimes presidencialistas, ou para se constituírem em órgãos de governo em países que adotaram o parlamentarismo. Agora, a gente não tem hoje no mundo nenhuma experiência democrática onde não haja a figura do parlamento, então, isso mostra, isso demonstra a importância dele especialmente pro controle do executivo e a manutenção da liberdade das pessoas.”

Mas essa necessidade vive em confronto com a opinião do povo. Escândalos, denúncias de corrupção, crises de representatividade e os elevados custos com senadores e deputados são alguns dos motivos que fazem do legislativo um poder mal visto pelos brasileiros. Em pesquisa do ano passado, o Ibope registrou que, no Brasil, o índice de confiança social no Congresso é de 36 pontos numa escala que vai até 100. Análise do Senado Federal divulgou também em 2012 que apenas 25% das pessoas entrevistadas consideram como boa ou ótima a atuação do Senado no parlamento brasileiro.

A distância e a falta de conhecimento também agravam essa relação entre o cidadão e o Congresso Nacional. Em sondagem feita pela Câmara dos Deputados, mais de 20% dos brasileiros ouvidos não lembram quem são seus representantes. Além disso, a maior parte dos entrevistados deu nota cinco à instituição, quando o máximo era 10.

Na opinião do deputado Domingos Dutra, do PT do Maranhão, o problema com o legislativo é antigo e também diz respeito à força que os outros dois poderes possuem no Brasil.

“A população entra, toca na nossa costela, bota o dedo no nosso nariz, diferentemente do poder executivo, que nem nós, como deputados, não temos acesso ao presidente ou à presidenta. E o judiciário que ninguém entra. Então, essa facilidade do acesso ao parlamento acaba funcionando ao contrário, porque o parlamento acaba não dando as respostas na velocidade e de acordo com os interesses da população. E o segundo motivo é porque os outros poderes têm uma força historicamente maior do que o parlamento. É uma contradição: o poder mais democrático é o poder mais desacreditado. E, por último, o poder legislativo não se faz respeitar. São bancadas fisiológicas, as bancadas funcionam com troca de cargos.”

O deputado Chico Alencar, do Psol do Rio de Janeiro, acredita que é possível mudar essa imagem do parlamento brasileiro. Para isso, algumas das soluções estariam numa reforma da política feita no país. O parlamentar comenta algumas opções imediatas.

“Fortalecimento dos partidos de cunho ideológico, doutrinário, propositivo, e debilitação dos partidos meramente fisiológicos, legendas de aluguel, aqueles que são mais um cartório de negócios inconfessáveis e que proliferam por aí na aba, na franja de partidos maiores. Também temos que instituir a revogação de mandatos, a obrigatoriedade de audiências públicas permanentes, de prestação de contas, transparência absoluta de cada mandato parlamentar.”

Para o doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília Leonardo Barreto, a imagem ruim do parlamento não é um fenômeno brasileiro. Na opinião de Barreto, a atual crise brasileira seria um fenômeno democrático e passageiro.

“Os parlamentos, eles não vão ter necessariamente uma imagem positiva pelo mundo, porque eles são casas de debate por excelência, de discussão, de construção de consensos, e, muitas vezes, são questões demoradas.”

Já o professor Jairo Nicolau não é tão otimista. De acordo com ele, a fragilidade histórica do Congresso é reforçada pelos maus exemplos.

“Volta e meia aparece mais um escândalo, mais um nome, mais um senador, mais um deputado. Isso, a longo prazo, vai minando a imagem dos políticos. E os privilégios, eu acho que os privilégios também. E um terceiro fator, que eu acho que esse é menor, é que o eleitor não tem um acompanhamento sistemático do Congresso. O Congresso, em relação ao executivo no brasil, ele é muito mais frágil, em termos de poderes e pra população também, a população acompanha o governo.”

Nesses 190 anos, o Parlamento brasileiro presenciou alguns momentos de destaque, mas se manteve coadjuvante em relação ao executivo, fosse ele imperador, fosse ele presidente. Essa história que tem seu ponto final hoje em Brasília, começa em 1823, no Rio de Janeiro.

Reportagem: Tiago Amate

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h