Reportagem Especial

História das CPIs: quase um século no Brasil

13/04/2013 - 00h01

  • História das CPIs: quase um século no Brasil (bloco 1)

  • História das CPIs: a origem da expressão “terminar em pizza” (bloco 2)

  • História das CPIs: as CPIs que deram resultado (bloco 3)

  • História das CPIs: a cassação do mandato de um presidente da República (bloco 4)

  • História das CPIs: os relatórios e as recomendações para as autoridades (bloco 5)

O julgamento do Mensalão e o caso Cachoeira, no ano passado, mostraram a força das comissões parlamentares de inquérito. As CPIs, criadas há quase um século no país, ganharam fôlego com a Constituição de 1988. E são o tema da reportagem especial desta semana. Confira hoje, no primeiro capítulo, um pouco da história das CPIs.

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2012. Dois escândalos mobilizam a atenção do país. Um envolve a prisão de um empresário de Goiânia que tem amigos no mundo político e público, mas que a Polícia Federal diz chefiar um esquema de jogos ilegais e de corrupção. Os desdobramentos das investigações sobre Carlinhos Cachoeira revelam uma organização criminosa ampla de desvio de dinheiro público via empresas-fantasmas. O outro caso que concentra a atenção da sociedade brasileira é o desfecho do episódio de compra de apoio parlamentar conhecido como Mensalão, que estava nas mãos do Supremo Tribunal Federal.

O que estes dois casos têm em comum? Além de corrupção e desvio de dinheiro público, ambos foram alvo de CPIs, comissões parlamentares de inquérito.

SOBE SOM

Só com esses dois casos, Mensalão e Cachoeira, já dá para perceber que as CPIs mexem com o poder. Foi sempre assim.

TRILHA

As CPIs foram criadas como uma forma independente de investigação dos problemas de um país. A análise feita por um Parlamento tende a ser mais plural por causa da própria formação do Legislativo, que tem representação dos mais diversos setores e interesses da sociedade.

(sonora com falas diversas de plenário)

As CPIs surgiram na Grã-Bretanha, e os historiadores não sabem bem ao certo quando, mas foi entre os séculos 14 e 17. A partir daí, as comissões parlamentares de inquérito passaram a ser adotadas nos mais diversos países, inclusive aqui no Brasil. Em 1826, já houve registro de um grupo de deputados e senadores que analisaram as condições do Banco do Brasil. Eles não se denominaram "CPI", mas, no fundo, eles se juntaram para fazer exatamente o que se espera de uma comissão parlamentar de inquérito: fiscalizar. Legalmente esse instrumento de investigação só foi existir no país um século depois, como relata Ricardo Guanabara, doutor em Ciência Política.

“As CPIs no Brasil têm como marco a Constituição de 1934. Elas têm uma vida breve por causa do Golpe de 1937, do Estado Novo. Portanto, a história efetiva das CPIs no Brasil começa com a redemocratização de 1945. O período de 1945 a 1964 foi efervescente, em que houve muitos conflitos no Brasil, envolvendo Vargas, João Goulart, então houve algumas CPIs nesse período. Começa de fato a ter uma história a ser contada.“
No Golpe de 1937, o presidente Getúlio Vargas impôs uma Constituição e nela não estavam previstas Comissões Parlamentares de Inquérito. As CPIs só voltaram com a Constituição de 1946, agora podendo ser realizadas tanto pela Câmara quanto pelo Senado. A primeira criada na Câmara era para investigar os atos da ditadura de Vargas. Pelo tom explosivo e pelas disputas políticas, não teve conclusão nenhuma.

TRILHA

Isso também foi o que aconteceu com 52 das 80 CPIs criadas nos dez primeiros anos de funcionamento desse mecanismo de investigação. Nesse período, as CPIs se concentraram em temas que moviam a economia do país: agricultura, em especial o café, transporte e administração pública. A primeira lei que trouxe regras para o funcionamento das CPIs também é dessa época, de 1952. Ela, inclusive, vale até hoje. Lá está previsto, por exemplo, que atrapalhar o trabalho da comissão ou prestar falso testemunho ao colegiado é crime.

TRILHA

As CPIs estavam em pleno vapor, assim como a atividade política no país. Em 1963, um grande escândalo político: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, Ibad, que lutava contra o comunismo no país, havia bancado a candidatura de cerca de um em cada quatro deputados da Câmara na época. Provas foram queimadas durante o funcionamento da CPI do Ibad, que acabou extinta com o golpe militar de 1964.

TRILHA REGIME MILITAR (APESAR DE VOCÊ – CHICO BUARQUE)

A ditadura militar fechou o Congresso Nacional em 1966. A Casa voltou a funcionar para aprovar sem debates a Constituição de 1967, que previa a realização de CPIs formadas por senadores e deputados, as comissões mistas, inexistentes até então. As CPIs também passaram a ter obrigatoriamente um tempo determinado para funcionar. Mas as novas regras demoraram muito para serem colocadas em prática.

TRILHA ENDURECIMENTO DITADURA (PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES - GERALDO VANDRÉ)

As investigações parlamentares ficam inibidas pelo endurecimento do Regime Militar em 1968 e só voltaram em 1973, ainda assim, timidamente, com uma só comissão na Câmara, que investigava o tráfico de drogas no país.

TRILHA REDEMOCRATIZAÇÃO

As CPIs voltaram a tomar fôlego depois da Constituição de 1988, que valorizou a investigação parlamentar, dando a ela poderes próprios de autoridades judiciais, como, por exemplo, quebra de sigilos bancários, fiscais e telefônicos e até decretação de prisão.

JINGLE COLLOR

Em 1992, a CPI que mudou a história do país: a que investigou o caso PC Farias e acabou causando a queda do então presidente da República, Fernando Collor de Mello. O doutor em Ciência Política Ricardo Guanabara fala da importância dessa comissão.

“Nunca se poderá estudar a história política do país, do Parlamento, sem citar essa CPI, que provocou a redescoberta desse mecanismo de fiscalização do poder público, que provocou uma mudança política no Brasil extremamente importante. Quanto mais porque o Brasil se tornou o primeiro caso de impeachment das democracias presidencialistas.”

Um ano depois, outra CPI que ficou marcada na história: a dos Anões do Orçamento. A comissão mostrou que parlamentares recebiam propina para incluir emendas no Orçamento e beneficiar empresas-fantasmas. No fim, seis deputados foram cassados e dois renunciaram para não perder os direitos políticos, entre eles, João Alves, que chefiava o esquema.

TRILHA

Depois desses grandes escândalos os partidos políticos se deram conta dos reais poderes de uma CPI. A cientista política Argelina Figueiredo faz uma comparação das comissões atuais com as que existiam antes do regime militar.

“No período 46-64, mais CPIs eram instaladas. No período atual, uma porcentagem muito grande não era instalada. Antes, um número grande era concluído. Atualmente, a porcentagem é bem menor. Outra coisa é que o controle por parte do governo nas CPIs hoje é maior do que era antes. O que significa isso? O número de relatores e presidentes que são da base do governo é maior. Outra coisa é que os autores da CPIs, de 46 a 64, a oposição, pedia mais. Hoje, não é oposição, são os próprios partidos da base do governo. A minha explicação para isso é a limitação de existência de CPIs funcionando, o governo usa esse mecanismo para impedir que uma CPI da oposição funcione na época que ela pediu.”

Várias outras investigações passaram pelo Congresso Nacional, mas foi em 2005 que, mais uma vez a história política do Brasil, ficou marcada por causa de uma comissão parlamentar de inquérito.

TRILHA MENSALAO / FALA SÉRIO

A CPI dos Correios começou para investigar o pagamento de propina na estatal, mas acabou por desvendar o Mensalão. Foi por causa desta CPI que agora, em 2012, 25 pessoas acabaram condenadas por sete crimes, entre eles formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva, entre elas, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Para o cientista político Ricardo Guanabara, realmente foi um marco.

“A CPI trouxe um resultado inédito, a condenação por crimes comuns no STF de pessoas importantes do setor financeiro, de um extrato social que é muito raro de se ver em processos criminais no país e mais raro ainda de se ver condenado e a condenação de líderes políticos importantes, então isso é histórico do país.”

TRILHA

Também agora em 2012 voltamos àquela outra CPI que falamos lá no começo, a do Cachoeira, que depois de 8 meses de muita disputa partidária por causa dos políticos e empresários supostamente envolvidos no esquema de desvio de dinheiro público via organização de Carlinhos Cachoeira, veio o fim: o relatório final aprovado, de uma página e meia, não apontou nenhum culpado, só remeteu todo o material recebido pela CPI, de dados sigilosos a depoimentos, para o Ministério Público e Polícia Federal. O que muitos classificaram como pizza, para outros foi uma saída triunfal, como para o deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio de Janeiro.

“Pela primeira vez, eles vão receber não é um pouco dos sigilos, aquilo que a CPI achou necessário mandar, é tudo. Então esse é o ovo da serpente. Quem achar que essa CPI teve um resultado fraco, vai se espantar com as repercussões que isso terá na sequência das investigações. Porque o Ministério Público não obteria a quebra desses sigilos, a não ser com o trabalho de dois anos. Isso mostra bem o que é uma CPI. Não é única e exclusivamente aquilo que fica visível. Aquilo para acontecer teve uma análise, reflexão, iniciativa de contato e já começou a dar filhotes. No dia da aprovação do parecer, nós recebemos comunicação de pessoas, tanto do Ministério Público quanto da Polícia Federal dizendo: agora deixa.”

Se ele está certo, só o tempo e a Justiça vão dizer.

De Brasília, Ginny Morais.

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