Reportagem Especial
Transgênicos: o Brasil é o segundo maior produtor mundial
09/10/2012 - 17h15
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Transgênicos: o Brasil é o segundo maior produtor mundial (bloco 1)
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Transgênicos: a realidade dos agricultores (bloco 2)
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Transgênicos: eles fazem ou não mal à saúde? (bloco 3)
A última safra colocou o Brasil em lugar de destaque na lista dos maiores produtores mundiais de alimentos geneticamente modificados. Perde apenas para os Estados Unidos. São 30 milhões de hectares destinados à cultura de transgênicos, especialmente soja, milho e algodão. Saiba mais sobre as sementes plantadas no Brasil, os desafios dos agricultores e as divergências sobre o consumo.
TEXTO
Soja temperada com gene de bactéria, cana de açúcar com parte de algum vírus, arroz com material genético de vírus e bactéria. Não, não se trata de nenhum mutante, personagem de filme de ficção científica, mas de plantas geneticamente modificadas presentes no cotidiano de pessoas do mundo inteiro há quase duas décadas. Mas, como ocorre com toda tecnologia nova, os transgênicos ainda deixam muitas dúvidas. São seguros para o consumo humano? Podem causar problemas ambientais? E para os agricultores, são vantajosos?
Trilha (Gonzaguinha - Feijão Maravilha)
Na história dos transgênicos, o Brasil assume papel de protagonista - na última safra passou a ocupar o segundo lugar na lista dos maiores produtores mundiais de alimentos geneticamente modificados. Perde apenas para os Estados Unidos. São 30 milhões de hectares plantados, contra 69 milhões no País do Norte.
E entre os produtos cultivados, a soja é um dos campões de produtividade. Segundo a economista do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, Jovir Vicente Esser, 89% da soja produzida no País é geneticamente modificada.
Mas ela não está sozinha nos campos cultivados. De acordo com o presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável pela regulação da biotecnologia no Brasil, também são plantados milho e algodão com alterações genéticas.
A principal explicação para a preferência por estas culturas está no mercado. Desenvolver um novo organismo geneticamente modificado leva anos de pesquisas e custa milhões. Então, é melhor investir em culturas extensivas, porque a venda de sementes garante lucro maior e mais rápido para as empresas, como explica o engenheiro agrônomo e assessor técnico da Agricultura Familiar e Agroecologia Gabriel Biancone Fernandes.
"O que acontece é que as empresas de biotecnologia, que detêm as patentes sobre essa tecnologia, elas acabam investindo em três ou quatro espécies só, que são exatamente essas espécies cultivadas em grande escala, em monocultura, e, no geral, voltadas para o mercado internacional. No nosso caso aqui, principalmente milho, soja e algodão. Então são três commodities que acabam interessando mais às empresas porque é justamente onde tem o plantio em larga escala".
Mas o que caracteriza exatamente um transgênico? Simples. Trata-se de uma espécie que recebeu material genético de outra, quase sempre vírus ou bactéria. Quem esclarece melhor essa tecnologia é o coordenador do Projeto de Desenvolvimento de Plantas Resistentes a Estresse Hídrico da Embrapa, Eduardo Romano.
"O organismo geneticamente modificado é o organismo vivo que recebeu um gene de uma outra espécie por uma técnica chamada engenharia genética.É, por exemplo, uma planta de milho, por exemplo, que recebeu um gene de uma outra espécie que é mais resistente à seca, aí, esse, recebendo esse gene, incorpora essa característica. Ou seja, você tem um milho mais resistente à seca."
Trilha (Titãs- Comida)
As plantas atualmente existentes no mercado sofreram a alteração genética quase sempre com o objetivo de se tornarem mais resistentes - seja a agrotóxicos, pragas ou às intempéries climáticas, como o milho mencionado por Eduardo Romano. É o caso também da famosa soja da empresa Monsanto, que resiste ao herbicida glifosato.
Em princípio, no entanto, a engenharia genética pode produzir alterações quase ilimitadas nos organismos vivos, como tornar as lavouras mais produtivas ou os alimentos mais nutritivos. Mas, embora a produção de alimentos represente a parte mais visível dessa tecnologia, há inúmeras outras possibilidades.
A insulina, por exemplo. Poucos sabem, mas é produzida por uma bactéria geneticamente modificada, que recebeu um gene humano para sintetizar a substância. Bactérias também são usadas para produzir vacinas, como explica Eduardo Romano da Embrapa.
"É uma tecnologia que permite fazer vacinas, são várias vacinas que são feitas em organismos transgênicos, e, curiosamente, a gente não vê falar isso na mídia, por exemplo, vacina de hepatite é uma vacina recombinante, que é produzida, ou seja, é uma vacina produzida numa bactéria transgênica."
Resultado das pesquisas em engenharia genética iniciadas na década de 70, alimentos modificados começaram a ser testados em campo em 1986 nos Estados Unidos e na França. Mas o primeiro país a comercializar plantas modificadas foi a China. No início da década de 90, o país asiático começou a vender fumo e tomate resistentes a vírus.
Trilha (Jorge Ben Jor - Paz e Arroz)
No Brasil, a história dos transgênicos começou tumultuada. No início dos anos 90, produtores do sul do País iniciaram o cultivo de soja modificada vinda da Argentina, mas o assunto ainda não era regulamentado no País. A comercialização dessa soja só foi autorizada por medida provisória em 1995.
Mas, a alegria dos produtores durou pouco. Em 1998 a venda dos transgênicos foi proibida, devido a uma ação judicial do Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. O embargo durou até 2003, com a edição de nova MP para autorizar a comercialização.
A Lei de Biossegurança, aprovada pelo Congresso em 2005, representou o fim da polêmica em torno do assunto. Além de criar regras gerais sobre as pesquisas em biotecnologia no País, a lei criou a CTNBio, comissão que passou a ser responsável por toda regulação do setor de biotecnologia.
Desde então, o órgão já aprovou a utilização comercial de cerca de 50 organismos geneticamente modificados, dos quais aproximadamente 35 são plantas. As regras de liberação desses organismos no País, conforme o presidente da CTNBio, Flávio Finardi, estão entre as mais rigorosas do mundo.
"Em alguns aspectos, nós somos tão rigorosos quanto à União Europeia. Em outros aspectos, nós temos critérios de liberação, que a União Europeia não libera nada para plantio, tem muitos produtos liberados, mas para comercialização, quer dizer, eles compram, mas não plantam. O Japão é o país que tem o maior número de produtos liberados, 189 produtos liberados, transgênicos, mas eles não produzem um grão de soja transgênica."
Ao todo, para chegar às prateleiras, um produto transgênico tem de passar por cinco fases no Brasil. Primeiramente, a empresa deve submeter o projeto à aprovação da CTNBio. A Comissão analisa a proposta e faz uma visita local para saber se há condições para se desenvolver o trabalho com segurança.
Aprovada a proposta, vem a fase de desenvolvimento e testes, que devem ser realizados em ambiente restrito e controlado. Se for uma planta, cabe ao Ministério da Agricultura fiscalizar o experimento. Em seguida, antes da liberação comercial, a CTNBio avalia se os dados coletados correspondem aos critérios de biossegurança.
Mas, antes da comercialização efetiva, o produto ainda será submetido a uma avaliação política. Um conselho formado por 11 ministros decide se é vantajoso ou não para o País lançar a novidade no mercado.
Mesmo com todas essas etapas para a liberação de transgênicos, a legislação ainda prevê outras regras específicas para plantio e comercialização de produtos modificados ou que contenham esses ingredientes na fórmula. Mas esses aspectos serão discutidos nos nossos próximos capítulos. Amanhã, trataremos dos aspectos relacionados à agricultura e ao meio ambiente.
De Brasília, Maria Neves