Rádio Câmara

Reportagem Especial

O vírus da AIDS assombrou a década de 80 (07'34")

21/02/2011 - 00h00

  • O vírus da AIDS assombrou a década de 80 (07'34")

1985. Cidade de Bela Vista, Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. José Cubila Soares, mais conhecido como Lambari, vivia pelos garimpos da região e gastava o que ganhava se divertindo com mulheres. Até que o corpo reclamou da vida sem limites e ele foi internado.

"Vixi, eu era muito putanheiro. Vivia nos garimpos, aí tudo quanto era mulherzinha nova que chegava eu ia pegando, né. Quando a médica falou pra mim assim que eu estava internado no hospital, ela falou pra mim assim: ´Você sabe o que você tem?´ Daí eu falei pra ela: ´Se eu soubesse o que eu tinha eu não estava aqui´. Ela falou pra mim assim: ´Você está com AIDS´. Só olhei pra cara dela e falei: Deus é mais!"

Assim como José Cubila, mais de 33 milhões de pessoas no mundo vivem com o HIV, 700 mil delas no Brasil. A doença que, por falta de informação e por campanhas equivocadas, já foi sinônimo de morte, hoje pode ser controlada, embora sua cura ainda não tenha sido descoberta.

O HIV, sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana, ataca as estruturas de defesa do organismo, deixando-o mais vulnerável às chamadas doenças oportunistas, como pneumonias e tuberculoses. Por isso não é tão certo dizer que alguém morreu de Aids, conforme esclarece o infectologista da Universidade de São Paulo, Esper Kallas.

"O vírus vai destruindo a imunidade ou a defesa das pessoas e aí ela começa a pegar doenças que normalmente não teriam, o que caracteriza a Aids. Então o mecanismo com que o vírus leva ao adoecimento e à morte das pessoas - claro, se elas não tiverem tratamento - é um mecanismo indireto, ele vai minando as defesas do organismo e provocando esses problemas todos"

O vírus da AIDS foi um fantasma que assombrou a década de 80. A doença, ainda pouco conhecida, era cercada por preconceito e falta de informação, além de dificuldades no tratamento. Até mesmo uma campanha do Ministério da Saúde, já nos anos 90, serviu para reforçar temores, ao rotular os portadores de HIV como pessoas fadadas à morte.

"Mulher 1 - Eu tive tuberculose. Eu tive cura!
Homem 1 - Eu tive sífilis. Eu tive cura!
Mulher 2 - Eu tive câncer. Eu tive cura!
Homem 2 - Eu tenho AIDS. Eu não tenho cura!
Locutor (off) - Nos próximos dias, nos próximos meses, no próximo ano milhares de pessoas vão pegar AIDS e vão morrer. Se você não se cuidar a AIDS vai te pegar"

No ano seguinte o discurso já mudou, passando a utilizar o slogan "Quem ama, cuida". Desde então, as campanhas oficiais tentam focar na prevenção e mostrar que os soropositivos podem levar uma vida completamente normal, sendo o preconceito o pior problema relacionado à Aids.

O diagnóstico tardio é a maior causa das cerca de 11 mil mortes anuais relacionadas à Aids no Brasil, como explica o diretor adjunto do Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde, Eduardo Barbosa.

"A maior parte dos óbitos ainda acontece no Brasil por diagnóstico tardio. As pessoas ou não procuram os serviços ou quando procuram já procuram num estágio já bastante avançado da aids e aí, nesse caso, é muito mais difícil o tratamento"

Por isso, o infectologista Esper Kallas afirma que os testes de sangue deveriam ser feitos rotineiramente por todas as pessoas com vida sexual ativa.

"Porque muitas das pessoas que têm o vírus, senão a esmagadora maioria, não têm sintoma nenhum. Ela pode acabar descobrindo que tem o vírus só na hora que já desenvolveu aids, um processo que pode demorar anos. Então fazer sempre o teste é muito importante pra qualquer pessoa. A gente não pode ter medo de fazer o teste. Se fizer o diagnóstico cedo da infecção pelo HIV, a chance de você resolver o problema, de tratar com os remédios adequados e não adoecer é muito grande.@#$ CORTEI AQUI @#$"

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 46% da população sexualmente ativa já fez pelo menos um teste de HIV. Mas o número é baixo, ainda quando se leva em conta que não basta fazê-lo apenas uma vez na vida.

Muitas pessoas convivem com o HIV sem desenvolver sintomas, nem precisar dos remédios do coquetel. Mas só quem pode determinar se eles são necessários é um médico, como destaca o infectologista e professor da UFRJ, Edimilson Migowski.

"Algumas pessoas ficam sendo observadas sem tratamento e algumas pessoas nunca desenvolvem a doença, embora tenham sido infectadas. Tem pessoas que têm uma resistência natural ao vírus e não chegam a adoecer, isso varia muito de paciente pra paciente."

Já o infectologista Esper Kallas faz outro alerta importante. Mesmo pessoas que vivem com o vírus precisam se proteger.

"Uma pessoa que tem HIV pode pegar HIV de novo, digamos assim, especialmente nas fases iniciais da infecção. E há casos bem documentados de uma pessoa que tem o vírus de certa forma em equilíbrio com o organismo e se ele pega um vírus mais agressivo a doença dele pode evoluir mais rápido. Outros exemplo. A pessoa tem um vírus sensível ao coquetel. Aí ele pode pegar um vírus que é mais resistente a alguns elementos do coquetel. Então a gente sempre aconselha todas as pessoas que vivem com HIV se cuidar e se tratar como se fossem negativas."

Outro risco é a infecção pelo tipo 2 do vírus, identificado neste ano aqui no Brasil. Ainda são poucos os casos dessa variação do HIV, mas pesquisadores já constaram que ela é mais resistente a alguns medicamentos do coquetel anti-Aids, como detalha o infectologista Edimilson Migowski.

"A diferença básica em termos de estrutura não tem, a diferença é em termos clínicos. Existe uma possibilidade de o tipo 2 ter um perfil de resistência a determinados medicamentos um pouco mais amplo que o tipo 1 e esse perfil de resistência pode, infelizmente, culminar num quadro clínico de maior gravidade já que você teria, em teoria, maior dificuldade em medicar e baixar a carga viral do paciente."

É importante destacar que a Aids é uma síndrome silenciosa, muitas vezes descoberta apenas quando seu estágio já está avançado. Mas se o diagnóstico for feito de forma precoce, são muito grandes as chances de o paciente não desenvolver as chamadas doenças oportunistas e levar uma vida completamente normal. Exemplo disso é dado por Lambari, que conhecemos no início dessa reportagem. O homem que tinha uma vida desregrada, e chegou a pesar 31 kg, resolveu cuidar da saúde. Hoje quem o conhece não acredita nos 50 anos que ele tem. É um homem forte, moreno, sem um cabelo branco, com aparência extremamente saudável. O segredo, diz ele, é dormir bem, comer bem, não beber, não usar drogas e ter amor pela vida. Receita que parece dar certo.

De Brasília, Mônica Montenegro

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