Reportagem Especial
Grande Sertão Veredas: um cerrado peculiar que gera renda (09'18'')
09/08/2010 - 00h00
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Grande Sertão Veredas: um cerrado peculiar que gera renda (09'18'')
O norte e o noroeste mineiros estão em pleno cerrado brasileiro. Mas é um cerrado diferente, dominado por extensas veredas de buritis em meio ao cenário árido do sertão das gerais. Também é uma região rica em chapadões, cavernas e água, por conta de afluentes importantes do rio São Francisco, como os rios Urucuia e Carinhanha.
A reportagem da Rádio Câmara percorreu a região e constatou que esse cenário bem peculiar que encantou o escritor Guimarães Rosa ainda está bem preservado e é um dos trunfos para as ações e os projetos de desenvolvimento sustentável em curso no Grande Sertão Veredas.
"A parte de mais árvores, dos cerrados, cresce no se caminhar para as cabeceiras... Se viam bandos de tão compridos de araras no ar, que pareciam um pano azul ou vermelho, desenrolado, esfiapado nos lombos do vento quente. Daí, se desceu mais, e, de repente, chegamos numa baixada toda avistada, felizinha de aprazível, com uma lagoa muito correta, rodeada de buritizal dos mais altos: buriti - verde que afina e esveste, belim-beleza". (Guimarães Rosa)
É nesse ambiente que o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, o Instituto Chico Mendes e a Fundação Pró-Natureza, a Funatura, desenvolvem um megaprojeto para integrar a gestão das 12 unidades de conservação regionais.
Trata-se do "Projeto Mosaico Sertão Veredas - Peruaçu", que abrange 11 municípios e prevê ações de geração de renda combinadas com preservação ambiental. O engenheiro agrônomo da Funatura, Rafael Nogueira, explica o tamanho do desafio.
"Só para vocês terem uma ideia: hoje são três unidades de conservação de nível federal, sete de nível estadual, uma reserva indígena - que é a dos Xacriabás, na região de Januária -, e três RPPNs, de propriedade privada. Esse mosaico é para trabalhar a gestão integrada das unidades de conservação, já que, numa região que tem tanta unidade de conservação, se trabalhar em conjunto, há um potencial muito maior. E aí também tem nessa região a questão do Guimarães Rosa. A gente, trabalhando localmente, vê que a população e a comunidade se desenvolvem. E, claro, a gente se preocupa tanto com a parte ambiental quanto com a parte cultural".
O Parque Nacional Grande Sertão Veredas, que fica no município mineiro de Chapada Gaúcha, é o principal chamariz da região. Foi criado em 1989, possui área de 230 mil hectares, mas funciona precariamente.
O projeto Mosaico tem o apoio do Ministério do Meio Ambiente, que pretende melhorar a estrutura de todos os parques nacionais do país para atrair os turistas que virão ao Brasil acompanhar a Copa do Mundo de 2014.
O secretário-executivo do ministério, Mário Moisés, destacou a necessidade de mais investimento em vias de acesso, qualificação dos atendentes e promoção dos parques por meio de publicidade.
"Nós acreditamos que a biodiversidade só pode ser preservada se ela é vista, apropriada pela sociedade e tem a sua importância reconhecida. A visitação turística é um instrumento muito importante para isso. Basta que o sistema seja organizado, que tenha uma infraestrutura adequada, que as pessoas sejam orientadas e acompanhadas".
Para fortalecer a interação das riquezas cultural e ambiental do sertão das gerais, o projeto Mosaico prevê a construção de uma estrada-parque passando por todas as unidades de conservação da região. A estrada, com 400 quilômetros de extensão, começaria em Formoso, no noroeste de Minas Gerais, e seguiria até Manga, no norte do estado, às margens do rio São Francisco. A ideia é facilitar o turismo responsável ao universo do escritor Guimarães Rosa, que se inspirou na região para escrever clássicos da literatura, como "Grande Sertão: Veredas" e "Sagarana".
MÚSICA: "Sagarana" (Clara Nunes)
"Quem quiser que cante outra / Mas à moda dos gerais / Buriti: rei das veredas / Guimarães: buritizais"
O Instituto Rosa e Sertão já trabalha com "contação de causos" regionais e conscientização ecológica nas comunidades sertanejas de Chapada Gaúcha.
A coordenadora do instituto, Damiana Campos, conta que a meta é valorizar as formas tradicionais de preservação da paisagem e da cultura locais.
"É uma forma de sensibilizar do quanto é importante o cerrado em pé e de estar retratando o ambiente e valorizar os causos e contos da região. Eles continuam com aquela roda de prosa na beira do fogão, continuam lavando a sua vasilha lá na beira do rio. E aí, você vê e descreve trechos do 'Grande Sertão', de ele falando do Vão dos Buracos: um canion e corredor ecológico que liga o Parque Nacional Grande Sertão Veredas ao Parque Estadual Serra das Araras. E a gente tenta tocar o coração de cada um pela sensibilização de quanto é importante esse ambiente em que a gente vive, o quanto é tradicional, bonito e intocado e como o Guimarães conseguiu descrever tão bem a forma de vida do sertanejo".
"Quem me ensinou a apreciar essas as belezas sem dono foi Diadorim... A da Raizama, onde até os pássaros calculam o giro da lua - se diz - e cangaçu monstra pisa em volta. Lua de com ela se cunhar dinheiro. Quando o senhor sonhar, sonhe com aquilo. Cheiro de campos com flores, forte, em abril: a ciganinha, roxa, e a nhiíca e as escovas, amarelinhas..." (Guimarães Rosa)
Outro trunfo da região é a Estação Ecológica de Sagarana, que fica no município de Arinos. Nela, são desenvolvidas ações de educação e pesquisa científica para garantir o manejo de áreas degradadas, o monitoramento da fauna e da flora e a preservação ambiental.
Como o agronegócio, a monocultura da soja e as queimadas avançam na região, o desafio é conciliar o necessário desenvolvimento econômico com a proteção ecológica. O gerente da Estação Ecológica de Sagarana, Fernando Vilaça, revela a riqueza ameaçada no Grande Sertão.
"A vegetação nativa da estação ecológica é uma floresta decídua, ou seja, uma floresta bem peculiar, considerada até como Mata Atlântica. A gente tem uma flora bem representativa, com espécies de aroeira, cedro, peroba, sucupira e várias espécias ameaçadas de extinção. É habitat natural de onça pintada, queixada, tamanduá bandeira, espécies que estão bem raras no estado. E essa serra funciona como esponja, com um potencial de recarga hídrica muito grande, responsável pela manutenção das nascentes e dos mananciais principais da comunidade de Sagarana".
O geógrafo Venícius Mendes escolheu o Vale do Urucuia - Grande Sertão Veredas como foco para a sua tese de mestrado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB. Venícius também identifica na paisagem local a fonte para o progresso da região.
"Hoje as pessoas buscam, no processo de desenvolvimento, aliar a proteção ambiental da região, utilizar os potenciais - seja hídrico, paisagístico e histórico também - no desenvolvimento, não destruindo as matas e o cerrado. O próprio turismo pode ser uma atividade econômica bastante produtiva. Então, a gente tem que entender hoje que o desenvolvimento não significa industrialização e urbanização. O desenvolvimento pode ser promovido em qualquer lugar. Basta que se tenha vontade política e motivação das pessaos por meio da organização social".
Os parceiros do desenvolvimento sustentável do Vale do Urucuia - Grande Sertão Veredas promovem várias atividades culturais ao longo do ano, o que ajuda na divulgação e na troca de ideias sobre esses projetos junto às comunidades. A intenção é fazer com que o sertanejo assuma o protagonismo das mudanças na região.
De Brasília, José Carlos Oliveira