Reportagem Especial

Noel Rosa - Os amores e o duelo musical com o sambista Wilson Batista (09'40'')

03/05/2010 - 00h00

  • Noel Rosa - Os amores e o duelo musical com o sambista Wilson Batista (09'40'')

Noel Rosa não era bonito. O corpo franzino e o queixo afundado durante o parto à base de fórceps não ofereciam nenhum atrativo para os olhares femininos.

O jeito, então, era compensar a falta de dotes físicos com a sedução das palavras. E assim, o "poeta da Vila" se transformou em um grande sedutor. Lançava a sua lábia nos cabarés da Lapa ou nos botequins de Vila Isabel para colecionar namoradas em meio à boemia.

Ele conquistou, por exemplo, a extrovertida Fina e a tímida Clara praticamente ao mesmo tempo e não abriu mão de nenhuma delas. Fina trabalhava como operária numa fábrica de tecidos de Vila Isabel e foi presenteada com um dos clássicos de Noel: "Três apitos".

MÚSICA: "Três apitos" (de Noel Rosa, com Maria Bethânia)
"Quando o apito da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você...
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto ao piano
Estes versos pra você..."

A atriz e diretora de teatro Cybele Giannini é autora de um musical em homenagem a Noel Rosa. Ao mergulhar na pesquisa sobre a vida e a obra do poeta, Cybele também não resistiu aos seus encantos. Ela tenta explicar esse fascínio que Noel despertava nas mulheres.

"Ele era inteligente, uma pessoa simpática, carismático. Ele fazia samba como quem toma água, então, ele fazia música para uma, fazia música para outra, cantava. Quando elas reclamavam porque ele demorava para chegar, porque isso e aquilo, ele acabava dizendo que elas tinham razão e elas acabavam sem reação. E elas não podiam falar mais nada porque ele vinha com toda aquela lábia: ´você está certa, desculpas, eu não vou fazer mais´. Ele conquistava mesmo. Eu sou apaixonada pelo Noel desde mocinha. Eu digo sempre que, se ele fosse vivo, eu seria mais uma na rede dele".

Mas de tanto se engraçar com as beldades de Vila Isabel, Noel acabou arrumando encrenca. O namoro com Lindaura, funcionária de uma lavanderia do bairro, foi parar na delegacia.

A moça tinha 17 anos. A mãe dela não gostou de saber das escapulidas da filha com o compositor boêmio e acusou Noel de sedução de menor. Debaixo de muita pressão, não houve outra escolha para ele senão se casar com Lindaura à força.

Porém, a grande musa inspiradora da curta vida do poeta era Juracy, uma dançarina de cabaré da Lapa. Mais conhecida como Ceci, ela arrebatou o coração de Noel e ganhou várias músicas de presente, como, por exemplo, "Vejo amanhecer", "Pra que mentir", "Último desejo" e "Dama do cabaré".

MÚSICA: "Dama do cabaré" (de Noel Rosa, com Orlando Silva)
"Foi num cabaré na Lapa que eu conheci você
Fumando cigarro, entornando champanhe no seu soirée
Dançamos um samba, trocamos um tango por uma palestra
Só saímos de lá meia hora, depois de descer a orquestra..."

Ceci teve outros namorados durante o romance com Noel. Inclusive, manteve um caso com o também cantor e compositor Mário Lago. O jornalista João Máximo chegou a entrevistá-la para escrever a biografia de Noel Rosa e sustenta que o "poeta da Vila" foi, de fato, o grande amor da "dama do cabaré".

"Ceci era uma pessoa adorável. É preciso que a gente entenda o que era ser, em 1934, uma dançarina de cabaré. Ela não era uma prostituta que estava ali para vender amor. A dançarina de cabaré estava ali para agradar o cliente dançando e o fazendo consumir. O cabaré tinha regras fixas, não havia nenhuma semelhança com pensão de mulheres ou com zona ou com rendez-vous ou coisa parecida. Lá dentro, nenhum tipo de contato mais íntimo era possível nem permitido. Mas, se depois dali você quisesse sair com a moça para algum lugar, isso, evidentemente, o chefão do cabaré não proibia. A Ceci era esse tipo de moça, que namorava eventualmente um cliente ou outro".

FILME: "Noel, o poeta da Vila" (de Ricardo van Steen)
"Noel: Você gostou do samba que eu fiz pra você?
Ceci: Vai procurar a sua esposa, vai.
Noel: Mas é você é que é a razão da minha vida.
Ceci: Não seja ridículo.
Noel: Por gentileza, princesa. A minha alma tesa decreta que não se completa a minha natureza sem a sua realeza.
Ceci: Me esquece, Noel.
Noel: Só se eu fosse cego, surdo e louco".

Esse diálogo entre Noel e Ceci está no filme "Noel, o poeta da Vila", de Ricardo van Steen, lançado em 2006.

Outro fato marcante presente em todos os livros, filmes e peças teatrais sobre Noel Rosa é a briga, em forma de música, que ele teve com o sambista Wilson Batista, outro boêmio e assíduo frequentador dos cabarés da Lapa, onde fazia uma espécie de apologia à malandragem.

Apesar de alguns de seus melhores amigos serem malandros e desocupados, Noel Rosa ficou incomodado especialmente com uma música de Wilson Batista: "Lenço no pescoço".

MÚSICA: "Lenço no pescoço" (de Wilson Batista, com Zé Renato)
"Meu chapéu do lado, tamanco arrastando
Lenço no pescoço, navalha no bolso
Eu passo gingando, provoco e desafio
Eu tenho orgulho em ser tão vadio..."

Era 1934 e Noel Rosa iniciou a polêmica ao responder Wilson Batista com a música "Rapaz folgado".

MÚSICA: "Rapaz folgado" (de Noel Rosa, com Aracy de Almeida)
"Deixa de arrastar o teu tamanco
Pois tamanco nunca foi sandália
E tira do pescoço o lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga fora esta navalha que te atrapalha..."

Wilson Batista decidiu comprar a briga e, no mesmo ano, fez "Conversa fiada" e "Mocinho da Vila". Nessas músicas, Wilson chama Noel de "otário" e o aconselha a deixar os malandros em paz. Ele também questiona os versos de "Feitiço da Vila" ao afirmar que o bairro de Vila Isabel não tinha tradição no samba.

Foi aí que, em 1935, o "poeta da Vila" tentou encerrar a polêmica com uma obra-prima: "Palpite infeliz".

MÚSICA: "Palpite infeliz" (de Noel Rosa, com João Gilberto)
"Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também..."

No entanto, Wilson Batista resolveu pegar pesado, mexendo com o defeito físico no rosto que tanto incomodava Noel.

FILME: "Noel, o poeta da Vila" (de Ricardo van Steen)
Áudio de rádio: "E esquenta o duelo musical protagonizado pelo ´filósofo do samba´, Noel Rosa, como ouviremos agora nas palavras duras de seu desafiante. Com vocês, Wilson Batista cantando ´Frankenstein da Vila´.
Wilson: "Boa impressão nunca se tem / quando se encontra um certo alguém / que até parece um Frankenstein / Mas, como diz o rifão: por uma cara feia perde-se um bom coração / Entre os feios, és o primeiro da fila / todos o reconhecem lá na Vila / Essa indireta é contigo / e depois não diga que eu não sei o que digo / Sou teu amigo".

Noel ficou envergonhado de ser chamado publicamente de feio e ser comparado a Frankenstein. Ele se retraiu por alguns dias, mas logo se recuperou do golpe. Para encerrar a briga definitivamente, ele aproveitou a melodia de um samba recente de Wilson Batista, chamado "Terra de cego", e compôs a música "Deixa de ser convencida", única parceria assinada pelos dois brigões, que, no entanto, não chegou a fazer muito sucesso.

Esquecido o rico duelo musical com Wilson Batista, Noel Rosa apontou a sua veia criativa para os outros temas que o circundavam na década de 1930.

MÚSICA: "Cansei de pedir" (de Noel Rosa, com Aracy de Almeida)
"Já cansei de pedir pra você me deixar
Dizendo que não posso mais continuar amando sem quere amar
Meu Deus, estou pecando, amando sem querer
Me sacrificando sem você merecer..."

De Brasília, José Carlos Oliveira

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