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Reportagem Especial

Especial Cinema 3 - Crise com o fim da Embrafilme e retomada a partir de 1995(08'12'')

21/01/2008 - 00h00

  • Especial Cinema 3 - Crise com o fim da Embrafilme e retomada a partir de 1995(08'12'')

ALTOS E BAIXOS NO ESCURINHO DO CINEMA. A TERCEIRA REPORTAGEM ESPECIAL MOSTRA AGORA A CRISE PROVOCADA PELO FIM DA EMBRAFILME E TAMBÉM A RETOMADA DA PRODUÇÃO NACIONAL, A PARTIR DE MEADOS DOS ANOS 90.

Após a revolução cultural provocada pelo Cinema Novo e em meio à ditadura militar, o cinema nacional viveu vários períodos de altos baixos. O público dos anos 70 e 80 viu desde as pornochanchadas produzidas na Boca do Lixo, em São Paulo, até clássicos como "Bye, bye Brasil", de Cacá Diegues; "Memórias do Cárcere", de Nelson Pereira dos Santos; e principalmente "Dona Flor e seus dois maridos", de Bruno Barreto, que levou mais de 10 milhões de espectadores ao escurinho do cinema - um recorde ainda não superado no país.

"Dona flor e seus dois maridos" (Antônio Carlos e Jocafi)
"E ainda se escuta o seu grito de guerra
´Vamos vadiar, deixa a vida de quelé!´
Ah, Dona Flor, Dona Flor
Deixe a vida de quelé
Dona Flor, Dona Flor
Deixe a vida de quelé..."

Já no período de redemocratização do Brasil, o cinema sofre um trauma quase mortal. O Programa Nacional de Desestatização, lançado pelo então presidente Fernando Collor, determina a extinção da Embrafilme, produtora e distribuidora estatal que ajudou a colocar no mercado mais de 200 filmes brasileiros entre 1969 e 1990. Sem a Embrafilme, a produção nacional ficou à mingua, desamparada num mercado predador dominado por filmes estrangeiros, sobretudo norte-americanos. O pesquisador Fernão Ramos, organizador da "Enciclopédia do Cinema Brasileiro", relembra o efeito devastador da medida.

"O cinema brasileiro, com o fim da Embrafilme, acaba. A gente passa de mais de cem filmes por ano, de longas metragens que a gente produzia nos anos 80, para uma produção pífia de quatro ou cinco longas metragens por ano, entre 1991 e 1994. Para se ter uma idéia, nem os festivais conseguiam ter filme para passar."

Para tentar reverter esse quadro de letargia, acontecem algumas ações isoladas, como a da Prefeitura do Rio de Janeiro, que apóia a mobilização de vários cineastas e cria a produtora e distribuidora Riofilme, em 1992. No plano federal, entra em vigor uma nova legislação de incentivo cultural. A chamada Lei Rouanet, de 1991, cria o Programa Nacional de Apoio à Cultura, com o objetivo de facilitar o investimento privado no setor. E a Lei do Audiovisual surge em 1993 com o foco mais direcionado para a produção cinematográfica. O atual diretor comercial da Riofilme, Antônio Urano, avalia que as duas novas leis foram fundamentais para despertar o interesse do empresariado pela sétima arte.

"Essas leis vieram para demonstrar a grande capacidade do produtor brasileiro de se adaptar às adversidades, porque eles eram acostumados com aquele mecanismo da Embrafilme. Com essas leis, que desenharam um novo mecanismo de apoio mais voltado ao mercado - no sentido de que cada um tem que buscar seu próprio recurso no mercado -, eles se adaptaram rapidamente a isso."

Esse novo desenho da produção cinematográfica brasileira só foi surtir efeito prático em 1995. A maior parte dos críticos e estudiosos do cinema aponta o filme "Carlota Joaquina - a princesa do Brasil" como o marco da retomada da produção nacional. A pesquisadora Maria do Rosário Caetano afirma que, além de ser o primeiro filme inteiramente ajustado à nova estrutura privada do mercado, "Carlota Joaquina" também teve o mérito de despertar o longo sono que havia se abatido sobre o público.

"O filme é visto por 1,2 milhão de espectadores. Quer dizer, ele é marco também no sentido de que dialogou com as platéias, porque o cinema brasileiro estava no fundo do poço e os filmes estavam dando de 5 mil a 10 mil espectadores."

A atriz e cineasta Carla Camurati, diretora de "Carlota Joaquina", diz que foi buscar inspiração nos primórdios da emancipação do Brasil como Nação para fazer o filme da retomada do cinema nacional.

"É uma história que aconteceu há apenas 200 anos. E, de fato, a chegada da família real no Brasil, eu diria que é o princípio do Brasil, da sociedade brasileira, da implantação das leis. Nós somos um país muito jovem para imaginar que isso tem 200 anos. E a quantidade de histórias absurdas, engraçadas, incoerentes, ilógicas, loucas que aconteceram no período são deliciosas com essa idéia lúdica que a gente tem, de anti-herói, de rir de si mesmo."

"Carlota Joaquina" (Carla Camurati)
"- Por que Vossa Majestade não funda um banco?
- Grande idéia. Nada melhor que um banco para fazer dinheiro. Procura os 20 homens mais ricos do Rio de Janeiro e avisa que o príncipe vai fundar um banco: Banco do Reino Unido de Portugal e Brasil, Banco Dom João..."

O sucesso de "Carlota Joaquina" mostrou que era possível fazer cinema de qualidade novamente no Brasil. Ao longo de 1995, foram lançados outros 12 filmes. "O Quatrilho", de Fábio Barreto, também conseguiu a façanha de atrair mais de um milhão de espectadores para as salas de cinema. O romance entrecruzado de dois casais que resolvem morar juntos para enfrentar as dificuldades da vida é indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Para a pesquisadora Maria do Rosário Caetano, a retomada da produção cinematográfica nacional se consolida no início desse século.

"Eu pessoalmente acho que a retomada acabou por volta de 2002, com ´Cidade de Deus´, porque naquela altura a produção já não era mais de 5 a 10 filmes, mas sim de 40 a 50 filmes. O diálogo com o público já se dava. No ano de ´Cidade de Deus´, cerca de 10 milhões de brasileiros viram filmes brasileiros. No ano seguinte, em 2003, vem um ano muito feliz na história recente do cinema brasileiro porque o país ocupou quase 22% do seu mercado interno, graças ao sucesso de ´Carandiru´, que teve 4,6 milhões de espectadores."

Só "Cidade de Deus" teve público superior a 3 milhões de pessoas. O filme de Fernando Meirelles mergulhou fundo na violência urbana do Rio de Janeiro ao mostrar a saga do tráfico de drogas num bairro da zona oeste da cidade, desde os anos 60 até o início da década de 80.

"Cidade de Deus" (Fernando Meirelles)
"Na Cidade de Deus, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come
(gritos e tiros)
Meu nome é Zé pequeno, porra!
E aí pintou o Mané Galinha.
E a Cidade de Deus virou notícia."

Maria do Rosário Caetano é autora do livro "Fernando Meirelles: uma biografia prematura", em que desvenda a vida do diretor de "Cidade de Deus". Ela conta que as indicações do filme para o Oscar de melhor direção, roteiro adaptado, montagem e fotografia acabam de vez com o preconceito do brasileiro em relação ao cinema nacional.

"No caso do Fernando Meirelles, que competiu em quatro categorias, isso causou um impacto imenso no Brasil. Um certo público de classe média, que despreza o cinema brasileiro, quando vê que a Academia está dando algum tipo de reconhecimento, acha que essa cinematografia deve ter algum valor."

A partir daí, a produção nacional volta a arrastar multidões para o escurinho do cinema. Dentre os filmes de maior público, desde então, destacam-se: "Cazuza, o tempo não pára", de Sandra Werneck, e "Olga", de Jayme Monjardim, em 2004; e "Se eu fosse você", de Daniel Filho, em 2006. As três obras atraíram cerca de 3 milhões de espectadores, cada uma. Façanha ainda maior foi obtida por "Dois filhos de Francisco", de Breno Silveira, lançado em 2005. A história da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano foi vista por 5 milhões e 300 mil pessoas.

"Tropa de elite"
"Tropa de elite, osso duro de roer.
Pega um, pega geral.
Também vai pegar você..."

O badalado "Tropa de elite", de José Padilha, acaba de chegar às telas de cinema depois de ser alvo de pirataria. Calcula-se que, só em São Paulo, um milhão e meio de pessoas viram o filme por DVD pirata, o que não entra na contagem oficial de público da obra. Apesar do avanço inegável, o mercado cinematográfico nacional ainda convive com algumas distorções que precisam ser corrigidas, como veremos na próxima reportagem.

De Brasília, José Carlos Oliveira

NÃO PERCA AMANHÃ, NA QUARTA REPORTAGEM ESPECIAL, A DISCUSSÃO DE CINEASTAS, PRODUTORES E PESQUISADORES EM TORNO DAS POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA OS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE AINDA PERSISTEM NO CINEMA NACIONAL.

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