Rádio Câmara

Reportagem Especial

Movimentos Sociais - A falta de uma legislação específica (07' 01")

26/06/2006 - 00h00

  • Movimentos Sociais - A falta de uma legislação específica (07' 01")

A Constituição Federal estabelece entre os objetivos fundamentais da República do Brasil o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. E ainda o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. São metas amplas e complexas, sobretudo numa população em torno de 180 milhões de pessoas. Os movimentos sociais cobram o que a lei determina. E o Estado brasileiro - na forma de seus três poderes - tem se esforçado para atender esses objetivos? Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, acha que não. Ele
critica o Executivo por, na sua opinião, ter atitude pouco sistemática e não cumprir com o que prometeu aos movimentos sociais.

"Alguns setores são atendidos, mas outros não. Há um misto de satisfação e de insatisfação com o Executivo nesse plano. Do ponto de vista da reforma agrária, é evidente que as metas prometidas não são cumpridas. Do ponto vista do emprego também. E, sobretudo no meu campo, que eu prezo mais, do ponto de vista ético, que é a defesa dos direitos humanos, nós temos uma falha fundamental, porque não está se conseguindo manter a segurança com a justiça. Os dois elementos não estão realizados"

No que diz respeito à reforma agrária, o governo federal afirma que mais de duzentas e sessenta mil famílias foram assentadas em três anos e meio do governo Lula. Mas, para o professor Bernardo Mançano, do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista, não há uma política de reforma agrária em desenvolvimento no País.

"Simplesmente porque 70% das famílias que foram assentadas até o momento pelo governo Lula foram em assentamentos já criados por governos anteriores ou em terras públicas, de maneira que hoje o governo federal não está conseguindo mexer na estrutura fundiária do país. Não há uma reforma agrária se você não desconcentra a estrutura fundiária"

Caio França, coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, discorda do professor Bernardo Mançano. Ele argumenta que, além de garantir o acesso à terra, o governo federal vem pondo em prática uma série de políticas públicas, como o acesso ao crédito, ao seguro-safra, à comercialização e à assistência técnica.

"Eu não conheço os dados do professor, mas os dados com os quais trabalhamos mostram exatamente o contrário: que a políticas implementadas pelo governo federal contribuem para a democratização do acesso à terra, para a democratização inclusive da renda e para a ampliação do acesso a direitos fundamentais"

O professor Dalmo Dallari, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, considera que os Três Poderes da União estão falhando e deixando de cumprir seus deveres constitucionais. Ele avalia, por exemplo, que o Congresso Nacional poderia ter um papel mais ativo na busca de soluções para os problemas que afligem a população brasileira.

"Eu vejo também uma falha no Congresso Nacional, que tem se mantido silencioso ou numa posição de parcialidade, fazendo a condenação de movimentos sociais"

O deputado federal Orlando Desconsi, do PT gaúcho, reconhece que, algumas vezes, o Parlamento demora a apreciar projetos que poderiam melhorar a vida das populações mais carentes.

"O Poder Legislativo é um poder que recebe todas as pressões e nós temos total apoio e defendemos agilidade na votação dessas matérias. É uma vergonha um país não ter uma legislação dura em relação ao trabalho escravo. Já abolimos a escravatura há muitos anos e precisamos ter medidas mais duras pela frente. Com a composição atual do Congresso, em que há uma representação forte da grande propriedade e que resiste à mudança da legislação nesse caso, há sem dúvida uma pressão para que não se vote matéria dessa natureza. E aí a pressão é legítima, precisa acontecer para que o Congresso tenha mais celeridade em votações de matérias como
essas."

O Judiciário também foi criticado por várias pessoas ouvidas pela reportagem. Benedito Barbosa, da direção nacional da Central dos Movimentos Populares, afirma que esses grupos têm tido uma relação complicada com a Justiça.

"Há um conservadorismo muito grande no Poder Judiciário no Brasil, há dificuldade de acesso à Justiça das pessoas excluídas, das pessoas pobres, temos visto de forma permanente pelos meios de comunicação; enquanto pessoas que têm dinheiro, acesso a advogado, que podem pagar e viver dos recursos que a Justiça propõe acabam não pagando pelos seus crimes. Mas, muitas vezes, com as lideranças dos movimentos populares, a Justiça é rápida em tomar atitude, em prender e punir de forma severa"

Andréa Pachá, presidente interina da Associação dos Magistrados do Brasil, argumenta que, depois da Constituição de 88, novos direitos e garantias individuais passaram a ser assegurados aos cidadãos. E os juízes tiveram que aprender na prática a lidar com eles.

"Não me parece que seja culpa da Justiça, mas a estrutura jurídica do processo é pesada e nem sempre as decisões são proferidas a termo, à hora. Fica para a população a sensação de baixa efetividade, de ineficácia, e acaba sobrando para a Justiça a responsabilidade por essa série de conflitos ou pela falta de solução adequada para o conflito num tempo razoável"

A presidente interina da Associação dos Magistrados do Brasil entende que a crise é do sistema judiciário, e não das pessoas que integram aquele poder. Uma crise histórica, faz questão de ressaltar. Andréa Pachá lembra que é preciso ter clareza de que as coisas não mudam da noite para o dia.

De Brasília, Marise Lugullo

Amanhã, a última parte do Reportagem Especial sobre os movimentos sociais organizados toca na questão da violência na sociedade brasileira.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

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