Reportagem Especial
Especial Forças Armadas - Serviço militar obrigatório (06' 22")
03/04/2006 - 00h00
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Especial Forças Armadas - Serviço militar obrigatório (06' 22")
A EDIÇÃO DE HOJE DO REPORTAGEM ESPECIAL SOBRE AS FORÇAS ARMADAS DISCUTE O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO.
Terror dos que gostam de cabelos grandes, tatuagens e piercings e sonho dos que vibram com a farda, o serviço militar obrigatório brasileiro completa em setembro deste ano um século de existência. Ultimamente, vem ganhando força a discussão sobre a profissionalização deste serviço, com base na adesão voluntária. Embora tenham ocorrido mudanças no modelo adotado por diversos países, não há nenhuma alteração significativa nesse serviço no Brasil desde sua criação em 1906. Estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP mostra que o número de jovens que têm realizado o serviço militar obrigatório está em queda. Em 1987 foram alistados quase 1 milhão e quatrocentos mil jovens e perto de 130.000 foram incorporados - 9,33% do total de alistamentos. Em 2001, apesar de terem sido realizados pouco mais de 1 milhão e meio de alistamentos, apenas 77 mil, ou 5,14%, foram incorporados às unidades militares. Em 2005, aproximadamente 1 milhão e 670 mil jovens se alistaram e cerca de 89 mil serviram.
Na Inglaterra, Canadá e Austrália o sistema é de voluntários e profissionais há bastante tempo; nos EUA, a profissionalização ocorreu após o conflito no Vietnã. Alguns países da Europa estão em processo de mudança de modelo de incorporação, como Portugal, Espanha, Itália e França; na América Latina, o Uruguai, o Peru e a Argentina têm incorporação totalmente baseada no voluntariado. O Chile flexibilizou a incorporação, priorizando os voluntários; se não são completadas as vagas, é feita a convocação obrigatória. Será que o Brasil poderia adotar um sistema semelhante?
Antônio Flávio Testa, sociólogo da UNB, é favorável à uma flexibilização. Ele acredita que o serviço militar obrigatório gera expectativas para o jovem de que conseguiu seu primeiro emprego, alimentação, assistência médica, além de passar a ser visto como cidadão, mas isso se dissipa após um ano, quando esse jovem é devolvido à sociedade e não é engajado na força. O sociólogo alerta, inclusive, para o perigo de cooptação dessa mão-de-obra especializada por criminosos.
"Em tese, eu sou a favor da profissionalização das Forças Armadas porque pressupõe que o serviço militar obrigatório deveria ser alterado nessa sua lógica. E acho que se fizer uma leitura sociológica do fenômeno da obrigatoriedade do serviço das Forças Armadas, ele não tem cumprido aquela missão que o Brasil precisa hoje, que são profissionais extremamente bem qualificados das Forças Armadas. E tem havido também uma apropriação indevida dessa força de trabalho que é treinada pelo estado, essa iniciação ao mundo dos adultos com o ritual de servir à Pátria, pelo crime organizado. A gente tem verificado bastante isso. Então é um problema que, a meu ver, tende a crescer se não houver uma mudança na gestão desse processo. Acho que poderia haver uma flexibilização, sim"
De acordo com o chefe da seção de Informações Públicas do Centro de Comunicação Social do Exército, Coronel Fernando, apesar do seu caráter obrigatório, o sistema atual permite que a expressiva maioria dos recrutas seja de voluntários, em razão do grande contingente de jovens alistados e da pequena parcela que, anualmente, incorpora nas Forças Armadas.
"O Exército Brasileiro posiciona-se a favor do Serviço Militar Obrigatório. Eu posso aqui citar algumas razões. Primeiro, propicia um processo seletivo mais eficiente a partir de um universo de escolha mais amplo. Permite que um grande número de jovens, ao passar pelas fileiras do Exército, todos os anos, exercite a cidadania e o civismo, evitando o distanciamento entre o Exército e a sociedade brasileira. Proporciona melhor representatividade regional, social e racial da população nos quadros da nossa Força, mantendo o vínculo permanente com a sociedade e o caráter verdadeiramente nacional da Instituição. Vale lembrar também que os custos de manutenção são sensivelmente reduzidos, uma vez que o conscrito recebe remuneração menor, não é transferido de uma localidade para outra, e, por não poder ser arrimo de família, não onera a Força com encargos sociais. Para se ter idéia, a manutenção de um efetivo 100% profissional custa cinco vezes mais, o que seria inviável na conjuntura atual. Além do mais, possibilita a manutenção de efetivos completos nas nossas organizações militares, além de permitir, também, a implementação da Estratégia da Presença, uma vez que as unidades são mobiliadas com jovens oriundos de todas as partes do País. Efetivos totalmente profissionais levariam, a médio prazo, ao envelhecimento de militares em funções que exigem elevado vigor físico de seus ocupantes"
Na concepção das Forças Armadas, o desafio de responder às necessidades da defesa nacional tem sido vencido graças ao atual sistema de serviço militar, que permite, em curto prazo, mobilizar reservas e atender, com oportunidade e menor custo, às situações emergenciais que possam ocorrer. O Exército Brasileiro defende que o sistema de serviço militar não é um processo que pode ser simplesmente transplantado de um país para outro e ressalta que dos 143 países com forças estruturadas, 83 adotam o serviço militar obrigatório. Independentemente de posições favoráveis ou contrárias, uma eventual profissionalização das Forças Armadas e extinção da obrigatoriedade do serviço militar dependem, acima de tudo, de questões financeiras, administrativas e políticas.
De Brasília, Simone Salles
AMANHÃ, NA QUINTA EDIÇÃO DO REPORTAGEM ESPECIAL SOBRE AS FORÇAS ARMADAS, VAMOS FALAR SOBRE A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA MISSÃO DE ESTABILIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO HAITI.