Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Segurança Pública - As condições das penitenciárias brasileiras (11' 13")

01/11/2005 - 00h00

  • Especial Segurança Pública - As condições das penitenciárias brasileiras (11' 13")

"NÃO HÁ ESPAÇO PARA TODOS OS DETENTOS DEITAREM-SE AO MESMO TEMPO, E MUITO MENOS PARA QUALQUER POSSIBILIDADE DE PRIVACIDADE. HÁ APENAS UM VASO TURCO E UM CANO COM TORNEIRA, CUJA ÁGUA CAI NO INTERIOR DA SELA. NÃO HÁ PIA. QUANDO UM PRESO UTILIZA ÁGUA, RESPINGA NOS OUTROS".

ESSA É UMA DESCRIÇÃO DO PRESÍDIO DA POLINTER, NO RIO, FEITA POR UMA EQUIPE QUE PESQUISAVA AS CONDIÇÕES DAS PENITENCIÁRIAS DO PAÍS. NA QUARTA MATÉRIA DA SÉRIE ESPECIAL SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA, VOCÊ VAI ACOMPANHAR DE PERTO A REALIDADE DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS.

TRILHA: CACHIMBO DA PAZ - (tá rolando um sorteio na prisão. Pra reduzir a superlotação todo mês alguns presos tem que ser executados. E o índio dessa vezfoi um dos sorteados)

O condenado deve ser alojado em cela individual, com dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Você pode não acreditar, mas isso está escrito na lei de execução penal brasileira. É um contraste radical com a realidade. Afinal, em dezembro de 2004, havia cerca 336 mil presos para disputar uma das duzentas mil vagas em presídios brasileiros. Esses números constam de um diagnóstico do Ministério da Justiça sobre o sistema carcerário brasileiro. E essa superlotação só tende a crescer: segundo o mesmo diagnóstico, todos os anos quase quarenta e duas mil pessoas são somadas à população carcerária atual. Esse é um dos motivos que levaram o Juiz Criminal George Leite a chamar o sistema penitenciário brasileiro de monumento à insensatez humana.

"As pessoas são jogadas umas ao lado das outras, a promiscuidade, ociosidade absoluta, a vagabundagem, o ócio, a proximidade de pessoas perigosas com criminosos primários. Isso vai contaminando, e o próprio preso vai assimilando aquela cultura própria daquele universo, vai se sentindo distanciar cada vez mais de uma reaproximação da sociedade normal. Vai assimilando a etiqueta de criminoso"

Entre outubro e dezembro de 2002, uma equipe contratada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes visitou algumas penitenciárias do Estado do Rio de Janeiro. As maiores anomalias foram encontradas no Presídio Evaristo de Moraes. Em cada cela de cerca de 40 metros quadrados estavam alojados entre 25 e 40 presos. Não havia cozinha nem refeitório, a comida era distribuída numa bancada no corredor.

Na Polinter, a superlotação estava numa situação crítica: foram encontrados 1.350 presos para quatrocentas vagas. O resultado disso é que 70 presos dividiam um espaço de 12 metros quadrados. De acordo com o relatório, havia dois andares no interior da cela. O de cima era ocupado por redes. No de baixo, cada preso ocupava um espaço de 23 centímetros quadrados, comprimidos e encostados um ao outro. Para amenizar o problema, o governo está investindo na construção de presídios. O diretor do Departamento Penitenciário Nacional- DEPEN, Maurício Kuehne, disse que o orçamento inicial previsto para sua área estava em 262 milhões de reais. Com o contingenciamento imposto pela área econômica, o orçamento caiu para 160 milhões. Ele explica o que está sendo feito, mesmo com o corte de 100 milhões.

"Nós estamos com a implementação de penitenciárias federais. Para o final do ano, a perspectiva de nós inaugurarmos - inaugurar eu não digo - pelo menos receber fisicamente, as duas penitenciárias: a de Catanduva, no Paraná, e a de Campo Grande, em Mato Grosso. Já autorizamos também, aí já foi feita a assinatura do contrato, o início das obras da penitenciária de Mossoró. Através da fiscalização realizada pela CEF, nós já fizemos repasse da verba necessária para todos os custos respectivos. Mossoró, acreditamos que por setembro ou outubro do ano que vem, também essa penitenciária seja entregue. Já teremos 3 penitenciárias efetivamente entregues e as outras duas, que é do Espírito Santo e de Rondônia, já estão com todos os procedimentos para que as licitações sejam deslanchadas e nós possamos estar já no ano de 2006, com elas também entrando em fase de construção"

O diretor do Departamento Penitenciário Nacional diz que cada presídio custa em média 17 milhões de reais. O restante do orçamento está sendo repassado para os estados, para reforma, construção e ampliação de presídios estaduais.
A socióloga e diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber concorda com a construção de mais unidades prisionais para desafogar a população carcerária.

"É obrigação sim do governo federal auxiliar os estados na construção de mais unidades para desafogar o sistema. O que a gente precisa ter em mente é que a gente não pode apostar nesse tipo de estratégia indefinidamente. A gente tem que realmente reduzir o uso do encarceramento. A gente precisa avançar ainda mais na nossa legislação penal, de tal forma que a prisão seja reservada apenas para o criminoso violento e perigoso. É esse tipo de infrator que precisa ser privado da liberdade. Homens e mulheres que cometem crimes devem ser punidos sempre, porque infringem a lei então devem ser punidos, a gente não está defendendo a impunidade. Agora, nós precisamos começar a utilizar com mais intensidade as alternativas à pena de prisão".

As penas alternativas também são visadas pelo governo. O Diretor do DEPEN, Maurício Kuehne, defende penas alternativas a quem pratica crimes de pequeno e médio potencial ofensivo. Ou seja, não podem ser usadas para crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Além disso, o governo pretende tirar do papel alguns instrumentos previstos na Lei de Execução Penal. É o caso dos patronatos, órgãos de assistência aos que deixam o sistema penitenciário, e dos conselhos comunitários, que devem acompanhar as necessidades e carências dos detentos.

"Para que o preso possa trabalhar, para que o preso possa estudar enquanto está no presídio, se faz necessário que em cada comarca do Brasil, nós tenhamos esse conselho da comunidade. Porque o conselho da comunidade existente nas capitais e nas cidades interioranas, ele vai ter um foco especial para o cidadão encarcerado. Na medida em que a sociedade esteja a olhar esse cidadão encarcerado, a sociedade irá lhe propiciar condições para que ele estude, para que ele trabalhe. Para que amanhã, quando ele retornar à vida livre, ele possa ser um cidadão útil."

TRILHA: CACHIMBO DA PAZ - Era tanta ocorrência, tanta violencia, que o índio não tava entendendo nada

O trabalho na cadeia mudou a vida do presidiário José Ramalho. Há 7 anos e 8 meses, ele cumpre pena na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador. José Ramalho conta que passou em profunda angústia nos 5 primeiros anos na cadeia. Mas há dois anos, ele trocou a ociosidade pelo trabalho. Começou a fazer parte do Projeto Arte que Liberta - Projal, onde aprendeu técnicas artesanais, e começou, junto com seus companheiros, a confeccionar peças para o comércio.

"E a outra coisa que mudou a minha vida foi justamente a vontade de ir embora para a minha casa, cuidar da minha família, sabendo que jamais voltarei para este lugar."

Pelo trabalho, ele recebe 225 reais mensais, sendo que uma parte é descontada para o pecúlio, uma ajuda quando o preso sair da cadeia. José Ramalho deve ser libertado ainda este ano pelo livramento condicional e, aos 66 anos de idade, aprendeu um ofício para se dedicar também fora da cadeia.

O presidente da ONG que desenvolve o projeto Arte que Liberta, Chico Maia, diz que há 6 anos ele começou a trabalhar de forma voluntária, ensinando aos presos técnicas de decoração de móveis. No início, eram apenas 10 detentos no projeto, mas a oportunidade de trabalhar acabou animando os outros presos, que pediram para ser incluídos. Hoje, já com a ONG formada, e tendo capacitado mais de 250 presos, Chico Maia está em São Paulo, para desenvolver seu projeto também naquela cidade.

"A gente visa auto-sustentabilidade. A idéia é não somente estar levando algum tipo de ocupação para o reeducando, mas especialmente desenvolver ações que ele pode continuar realizando depois que sair da penitenciária. Então, a gente produz objetos de arte, peças decorativas, artigos de presente, móveis de ferro, coisas que a gente comercializa para se sustentar"

Chico Maia conta que a própria penitenciária faz a seleção dos presos que podem participar do projeto. Depois disso, a ONG avalia a aptidão de cada um. Ele tem noção exata da importância do trabalho na vida de um presidiário.

"A pessoa que está ali, está excluída da sociedade. Excluída fisicamente e emocionalmente também. Então a reintegração se dá em vários aspectos. Primeiro na redescoberta de potencialidades que a pessoa talvez até nunca tenha experimentado. Segundo aspecto importante é saber que a sociedade de alguma forma está valorizando essa iniciativa. Então esse conjutno de ações vai colaborando de maneira muito efetiva e simples"

De acordo com a Lei de execução Penal, o trabalho, seja ele interno ou externo, é obrigatório para o preso. O trabalho do preso é remunerado, não podendo ganhar menos do que 3/4 do salário mínimo. O preso desconta um dia de sua pena a cada três trabalhados. Apesar de comprovada a diminuição de reincidência em presos que trabalham, ocupam seu tempo, são poucos os presídios que adotam programas nesse sentido.

De Brasília, Adriana Magalhães.
SM

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