Rádio Câmara

Reportagem Especial

Especial Nutrição 2 - Diversidade cultural é refletida na alimentação do brasileiro ( 08' 05'' )

07/07/2005 - 00h00

  • Especial Nutrição 2 - Diversidade cultural é refletida na alimentação do brasileiro ( 08' 05'' )

Não existe pecado do lado debaixo do Equador - Ney Matogrosso - "sarapatel caruru tucupi tacacá"

Pirarucu, tucunaré, pupunha, sarapatel, sarrabulho. Se você nunca ouviu essas palavras, não se assuste: são comidas regionais brasileiras, muito comuns em alguns estados, mas verdadeiros "palavrões" para quem não está acostumado. Juliana Lofêgo Encarnação sabe muito bem o que é diversidade regional na culinária. Ela, que é carioca e mora há 5 anos em Rio Branco, capital do Acre, gosta muito da alimentação local, mas demorou um tempo para se adaptar.

"No começo, você tem que se adaptar ao sabor, que é muito diferente, mas depois você toma gosto também, e começa a comer igual a todo mundo."

Por incrível que pareça, o que mais causou estranheza foi a falta de hábito dos acreanos de consumir verduras e legumes. Juliana conta que, para driblar a carência de legumes, fez uma horta no quintal, onde planta rúcula, por exemplo.

"Porque no Rio e em Brasília, a gente tem uma alimentação mais equilibrada, encontra com mais facilidade essas coisas no supermercado, e aqui, a coisa vem melhorando, vem encontrando mais produtos, mas é muito difícil. Espinafre, por exemplo, é uma coisa muito rara aqui, a gente tem que saber quem vende para poder encontrar."

A professora da Universidade Federal da Bahia, Maria do Carmo Soares de Freitas, estuda há anos a diversidade cultural refletida na alimentação. Ela sustenta que os hábitos alimentares são herança da história dos povos. No Brasil, por exemplo, houve, principalmente, influência européia, indígena e africana. A culinária do norte do país, essencialmente indígena, é baseada no consumo de peixes. Tucunaré e pirarucu são peixes de água doce bastante apreciados na região amazônica. A professora Maria do Carmo Freitas credita a falta de verduras, observada por Juliana, à influência portuguesa que, com sua agricultura de monocultura, não costumava cultivar alimentos variados. Ela destaca que, durante quase quatrocentos anos, as verduras vinham de fora.E por isso ficaram conhecidas como pimenta do reino, a batata DO REINO.

"Até mesmo naquela época da casa grande e da senzala, na época da produção de cana com escravidão, até mesmo os pomares estavam distante do povo. Eram próximos à casa grande, para o consumo da casa grande. Por isso se criou uma série de tabus em torno da associação das frutas. Os próprios jesuítas levavam a informação de disciplinar os negros a não roubar as frutas do pomar, incutindo na cabeça deles que a mistura de algumas frutas, ou a ingestão de frutas à noite, provocava doenças."

A professora Maria do Carmo alerta que a alimentação pobre em legumes enfraquece a qualidade do prato.

TEC: Música "No Tabuleiro da Baiana tem"

Estado eminentemente negro, a Bahia tem influência africana em seus pratos, que, por sua vez, recebem influência da religião, por causa do candomblé.

"Alguns alimentos vão ser confeccionados para um determinado santo. O caruru. O caruru agrega 13 pratos distintos, que correspondem a 13 orixás. Se for uma pessoa com uma característica de determinado santo, predominantemente, irá comer mais raízes do que grãos, se for outro tipo de santo, vai comer mais grãos do que raízes, e vai todo um cardápio que é formado a partir de uma concepção dessa cultura religiosa."

Em termos nutricionais, Maria do Carmo Freitas destaca que é rica a alimentação com herança africana. O dendê, por exemplo, é fonte de vitamina A. A professora destaca que a alimentação também é rica em raízes, mas alerta que o excesso de frituras presente nessa culinária é prejudicial. Por isso, muito cuidado com o abuso de acarajé.

TEC: Música - " Na feira de Caruaru - Luiz Gonzaga

Sílvia Cozzolino, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, alerta que a população do Nordeste tem adquirido hábitos alimentares pouco saudáveis, ultimamente. Ela reprova o excesso de frituras, principalmente nas áreas turísticas.

"O que eu tenho percebido ultimamente é que as pessoas estão tendo uma dieta muito mais à base de carboidratos, incluindo as farinhas, e toda essa cultura de farinha de milho, de mandioca não é tanto no nordeste, é mais de milho. E o que a gente percebe é o seguinte, está aumentando a obesidade."

No centro do país, a influência dos vaqueiros é observada também na alimentação. Maria do Carmo explica que o resultado é uma comida misturada, socada.

"No Centro-Oeste, fundamentalmente, essa alimentação socada, uma alimentação de panela, uma alimentação misturada, com alguns produtos que são encontrados nessa região, como o pequi. O uso do pequi vem a ser associado a essa mistura, dando uma cor e um gosto predominantemente diferenciado de outras regiões do Brasil."

As regiões mais urbanizadas do país, sul e sudeste, estão perdendo suas características regionais diante da globalização do fast food, afirma a professora Maria do Carmo Freitas. Ela destaca a padronização das culinárias nestas regiões.

TEC: Música "Feijão Maravilha"

O feijão com arroz é realmente uma mistura bem brasileira, pode-se dizer que é o prato típico do Brasil, de acordo com a professora Maria do Carmo Freitas. Ela diz que, em termos nutricionais, o feijão com arroz é fantástico. E lamenta que, ao longo de 21 anos trabalhando com favelas de Salvador, vem observando redução desse prato.

"Porque o feijão com arroz, dá uma produção de nutrientes essenciais que permite um desenvolvimento e um crescimento da criança melhor que o que acontece hoje com a concentração de pirão de farinha de mandioca. Hoje, basicamente, a nossa população, não como mais feijão com arroz diariamente, e come pirão de farinha com osso de galinha, ou com cabeça de peixe, com o que acha pelo lixo. A grande produção da miséria neste país modificou o hábito alimentar do povo mais pobre."

Sílvia Cozzolino concorda com as propriedades nutricionais dessa mistura brasileira. Mas, alerta, é preciso usar outros grupos alimentares.

"Claro que eles sozinhos não são uma alimentação adequada. Você tem que incluir aí as carnes não muito exageradas, em quantidades normais, e dar uma preferência bastante grande para verduras, frutas, e consumo de alimentos integrais, mais ricos em termos de fibras e outros nutrientes."

Para deixar muita gente espantada, a professora Maria do Carmo revelou que a feijoada não é prato originário do Brasil. Ela disse que não existe nacionalidade única dessa mistura de feijão e carne, mas que ela já existia na Europa quando os portugueses chegaram aqui.

De Brasília, Adriana Magalhães.

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