Rádio Câmara

Reportagem Especial

Trabalho Infantil2 - Serviço rural mutila e deixa crianças fora da escola

09/06/2005 - 00h00

  • Trabalho Infantil2 - Serviço rural mutila e deixa crianças fora da escola

O trabalho em áreas rurais acomoda cerca de 70% das crianças e adolescentes que trabalham no Brasil. O trabalho infantil rural é um hábito enraizado na cultura brasileira, como destaca o Coordenador do Centro de Referência Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, Vicente Faleiros.

"A maioria das crianças que trabalham estão na zona rural, dentro de uma cultura em que elas devem ser educadas para o trabalho, e devem participar da renda familar através do seu trabalho. A gente diz até que na zona rural a ciança é braço e na zona urbana é boca."

O hábito da criança ajudar na produção agrícola da família pode ter um traço cultural positivo, como acontece com famílias do sul do país, que trouxeram da Europa a tradição dos filhos levarem adiante as fazendas dos pais. Mas a faceta cruel dessa cultura aparece principalmente na região Nordeste, que possui 700 mil crianças na faixa de 5 a 13 anos trabalhando. Também na região Nordeste 73,3% das famílias que têm crianças trabalhando sobrevivem com até meio salário mínimo.

Cristiane Soares é economista, técnica da área de indicadores sociais do IBGE. Ela apresenta mais alguns números sobre o trabalho infantil na área rural.

"O trabalho precoce está muito mais associado na área rural e principalmente na região na região nordeste. Por exemplo, na área rural, cerca de 37% começaram a trabalhar com menos de 9 anos de idade, enquanto na área urbana esse percentual é de 12%."

A educação é um aspecto fundamental quando falamos em trabalho infantil. A pesquisadora do Departamento de Economia, Administração, Economia e Sociologia da USP, Ana Lúcia Kassouf, destaca a relação direta entre o nível de escolaridade dos pais e o trabalho exercido pelos filhos.

"Quando esses pais são muito educados ou têm um nível de escolaridade maior, eles vão valorizar a escola, vão observar o problema que um trabalho perigoso pode causar, o dano psicológico, o dano físico e não vão deixar essa criança trabalhar. Os pais que tem uma escolaridade menor já vão ter uma inclinação maior para deixar essa criança trabalhar."

Mas chegar à escola é justamente o problema das comunidades mais carentes do Norte e Nordeste do Brasil. Escolas distantes e necessidades mais urgentes, como a de sobreviver, explicam porque a educação é uma preocupação secundária, como explica Vicente Faleiros.

"Em primeiro lugar a sobrevivência da família e o cultivo da terra. E também não há muitas escolas acessíveis. Então a criança necessita de caminhar quilômetros por estradas não muito seguras, então a escola também não está acessível.

Mas o que fazem as crianças que são iniciadas tão cedo no trabalho? Grande parte delas ajuda os pais na lavoura de subsistência. Plantam arroz, feijão, milho e madioca. De acordo com a região do país, outras atividades são desenvolvidas. Na Paraíba, por exemplo, que é o estado com maior incidência de trabalho infantil, as crianças trabalham na lavoura do abacaxi. Quem explica as consequências das crianças trabalharem nesse cultivo é uma paraibana, Terçalia Suassuna, que é coordenadora de um projeto de enfrentamento do trabalho infantil, o projeto Catavento.

"E ainda temos casos de meninos que perderam a digital por conta desse tipo de atividade. As impressões digitais, em decorrência da própria natureza do abacaxi, que é áspero, que tem um ácido. Em uma mão muito fina, como é a mão de uma criança, isso fez com que de criança que, não é um número muito grande, mas existem casos, de crianças que perderam as digitais."

Já o Estado do Maranhão é rico na plantação do babaçu, uma palmeira nativa. É tradição que as mulheres façam a quebra do coco do babaçu, de onde se extrai um óleo bastante usado na indústria. Enquanto os meninos acompanham os pais na lavoura de subsistência, as meninas cuidam das crianças menores e acompanham as mães no trabalho com o babaçu. O educador Paulo Buzar é o Coordenador do Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil no Maranhão, e explicou como esse trabalho acontece.

"É um trabalho que inicia de manhã e vai até o final da tarde. Para a extração desse coco se utiliza um machado. Elas ficam sentadas as mulheres, e as meninas acompanham desde pequenas. Elas poem esse machado entre os pés e com um cacete arremessam contra o machado e a amêndoa. Aí você pode imaginar essa cena, vários dedos sendo dilacerados. Inclusive muitas meninas adolescentes não apertam as nossas mãos. As unhas não expressam a beleza que elas gostariam que fossem expressadas."

Essas são algumas das mutilações que o trabalho infantil pode ocasionar nas crianças. Nas casas de farinha, é comum que crianças pequenas se machuquem com seriedade no manejo com os facões que descascam a mandionca. Algumas chegam a perder alguns dedos. Nas carvoarias de Mato Grosso do Sul, crianças adquirem problemas respiratórios, doenças de pele e se arriscam nos grandes fornos que queimam o carvão. Nos dois exemplos, as famílias recebem por produção. Quanto mais gente trabalhando, gente grande ou pequena, mais se pode ganhar. Ainda assim, essa remuneração muitas vezes é irrisória. Na extração do babaçu, uma família consegue produzir em média cinco litros por dia. Quantidades que rende cerca de um real e 30 centavos.

A Coordenadora do Fórum Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, falou sobre os riscos a que essas crianças ficam expostas no trabalho no campo.

"Nós temos muito trabalho na área agrícola, crianças expostas ao sol, com o uso de agrotóxicos, transportando um peso superior a sua capacidade física, e essas situaçãoes geram muitos prejuízos para a saúde e para o desenvolvimento pleno dessa criança. Nas casas de farinha as crianças também são sujeitas a mutilações, nas pedreiras, olarias, na mineração, todas essas situações trazem riscos grandes para as crianças."

Na área rural, o rendimento de crianças e adolescente entre 10 e 17 anos, contribui com 21,5% do rendimento familiar.

De Brasília, Daniele Lessa.

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h