Para juízes e procuradores, reforma na Lei de Lavagem de Dinheiro poderá dificultar combate ao crime
Mudanças devem ser "pontuais", segundo especialistas ouvidos pela comissão de juristas que discute o tema
13/11/2020 - 18:14
Integrantes de associações de juízes e de membros do Ministério Público manifestaram receio de possíveis retrocessos em caso de uma reforma ampla na legislação de combate à lavagem de dinheiro. O assunto foi debatido nesta sexta-feira (13), em audiência pública da comissão de juristas que avalia mudanças nas regras atuais.
A Lei da Lavagem de Dinheiro é de 1998 e já foi parcialmente reformada em 2012.
O representante da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Vitor Cunha, destacou a dificuldade de punição caso seja retirada a autonomia do crime de lavagem de dinheiro, ou seja, caso a lavagem volte a depender de um crime antecedente.
Cunha usou o exemplo de um crime ambiental, chamado de “esquentar a madeira”, ou seja, dar uma aparência lícita para a madeira extraída ilegalmente, para explicar porque a punição por lavagem de dinheiro ajuda a combater o crime anterior, que às vezes tem pena baixa e pode ser mais difícil de provar. “O combate ao desmatamento da Amazônia hoje depende fundamentalmente do combate à lavagem de dinheiro”, declarou.
Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Danniel Bomfim, a atual legislação tem se mostrado eficaz no combate ao crime organizado. Por isso, ele afirma que qualquer reforma deve se restringir a aspectos específicos e pontuais.
Ele considera que seria um retrocesso retirar o caráter de crime autônomo que a lavagem atualmente tem. “Seria um retorno ao que chamamos de legislação de segunda geração. Essa restrição do rol de crimes antecedentes é prejudicial, seria a vinculação do crime principal à do crime parasitário e redução do espectro do crime de lavagem”, explicou.
“Ao instituir um rol fechado de infrações penais, invariavelmente nós vamos ter omissões, deixando de fora do escopo punitivo dessa lei aqueles agentes que lavam dinheiro perante atividades criminosas não contempladas no rol”, disse o representante da AMB.
Com relação às penas para o crime de lavagem, Danniel Bomfim argumentou que o intervalo atualmente previsto, de 3 a 10 anos de reclusão, é razoável para que a pena seja dosada de forma justa, de acordo com o dano provocado.
O desembargador Nino Oliveira Toldo, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), também afirmou ser contrário a grandes alterações na legislação vigente, pois “grandes organizações transnacionais atuam no Brasil, e o País não pode servir de local de lavagem de capitais”.
Para ele, as penas por lavagem de dinheiro não devem ser atreladas ao crime antecedente. “A ideia de proporcionalidade de penas entre crimes antecedentes e crime de lavagem: isso não pode ser acolhido, sob pena de se esvaziar a proteção ao bem jurídico tutelado por meio da lavagem de capitais. Afinal, há inúmeros crimes antecedentes que, pelo nosso confuso sistema de leis penais, têm penas muito baixas, como, por exemplo, o descaminho.”
O vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Tarcísio José Sousa Bonfim, também defendeu as penas atuais para lavagem de dinheiro.
Ele disse que essas penas estão adequadas, se comparadas com o que é praticado no cenário internacional. “Faço questão de ilustrar: na Austrália, a pena máxima para o crime de lavagem de dinheiro é 20 anos; no Canadá, 10 anos; nos Estados Unidos, 20 anos; no México, 5 a 15 anos; e, na França, máxima de 10 anos.”
Crime antecedente
O representante do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Márcio Barandier, apresentou opiniões divergentes na reunião. Para ele, é impossível pensar no crime de lavagem de dinheiro sem o crime que o antecedeu.
“O crime de lavagem de dinheiro pressupõe um ilícito penal anterior. Há uma dependência intrínseca. É inconcebível, a nosso ver, a caracterização de um delito sem uma de suas elementares”, disse o representante do IAB.
“A independência total dos processos pode conduzir e tem conduzido às vezes a decisões contraditórias, até teratológicas, como condenações por lavagem de dinheiro sem confirmação do ilícito penal anterior”, criticou.
Barandier manifestou-se a favor da redução das penas para a lavagem, com previsão de aumento de acordo com a gravidade do crime antecedente.
Honorários advocatícios
O representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na audiência, Juliano José Breda, criticou o que chamou de “tentativa de criminalização do legítimo recebimento de honorários advocatícios”, tema, segundo ele, recorrente no Congresso Nacional, com o argumento de que eles servem à lavagem de dinheiro. Segundo Breda, a OAB instaura processos e aplica sanções quando há casos de lavagem por advogados.
A deputada Margarete Coelho (PP-PI), que é advogada e integrante da comissão, ressaltou que já existe um debate sobre a regulamentação dos honorários advocatícios.
“O Estatuto da Advocacia é uma das leis com maior número de pedidos de emendas e reformas, ao lado da Lei Maria da Penha. Muitos desses pedidos visando de alguma forma alterar, regulamentar, trazer novas regras a respeito dos honorários advocatícios. É importante que essa comissão debata e que o tema seja posto na mesa, mas ele vem sendo debatido com muito rigor, com muita responsabilidade e com muita competência não só pela OAB mas também no Parlamento”, disse a deputada.
Temas de consenso
O coordenador da comissão de juristas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca, disse que pretende levar à discussão dos parlamentares os temas sobre os quais for possível construir um consenso dentro da comissão.
Instalada em setembro pela Câmara dos Deputados, a comissão é formada por 19 integrantes, entre magistrados, membros do Ministério Público, acadêmicos e especialistas.
Confira o ato de criação do grupo e a lista completa de integrantes
Reportagem – Paula Bittar
Edição – Pierre Triboli