Estudos indicam impactos que as mudanças na legislação terão nas eleições deste ano

Consultores legislativos analisam criação das federações partidárias, o fim das coligações nas eleições proporcionais e outras questões

O fim das coligações nas votações proporcionais deve provocar fusões e reduzir número de partidos no Congresso Nacional. Vamos lembrar como funciona a eleição proporcional para a Câmara dos Deputados e assembleias legislativas e entender por que escolher seu partido nunca foi tão importante para um candidato como agora.

A parte mais complicada da eleição proporcional é entender como são distribuídas as chamadas “sobras”. Você consegue fazer o cálculo de quem se elegeu?

O fim das coligações para eleições proporcionais, regra eleitoral que entra em vigor neste ano para as eleições federais e estaduais, deve reduzir o número de partidos políticos representados na Câmara dos Deputados, com impacto até na maneira como são conduzidas as negociações políticas dentro do Congresso.

A proporcionalidade partidária está na essência constitucional da eleição para a Câmara

A lógica do sistema proporcional é centrada na figura do partido político por definição constitucional. A ideia da proporcionalidade é complexa, e os deputados estão sempre aperfeiçoando as regras eleitorais, buscando a melhor maneira de garantir que a distribuição das cadeiras no Parlamento reflita fielmente a vontade do conjunto de eleitores de apoiar o ideário ideológico de um ou outro partido.

Mas a proporcionalidade tem limite

A cláusula de barreira individual, que estabelece uma quantidade mínima de votos para que o deputado possa ser eleito, contrapõe, em tese, o princípio da proporcionalidade.

Se um determinado partido tiver votos suficientes para ocupar 4 lugares na Câmara mas só 3 deles tenham obtido, individualmente, 10% do quociente eleitoral, esse partido ganha os três lugares - e a quarta vaga será redistribuída. Em tese, isso fere o princípio da proporcionalidade - mas, na prática, esses casos são bem raros

Em 2002, antes da cláusula existir, o deputado Enéas Carneiro obteve 1,5 milhão de votos em São Paulo e “puxou” cinco deputados para sua bancada do Prona – um deles foi Vanderlei Assis, que obteve apenas 275 votos.

Nas eleições de 2018, também em São Paulo, o PSL teve uma votação expressiva, graças a dois candidatos, que "puxaram" oito colegas. Se a barreira individual não existisse, eles teriam “puxado" outros sete candidatos para a bancada do partido – que ficou com 10 deputados em vez de 17.

O Brasil tem hoje a mais alta fragmentação partidária já medida no mundo

Hoje, existem 23 partidos com representação na Câmara dos Deputados – um número considerado elevado na comparação com outros países.

Há bancadas estaduais em que cada deputado representa um partido – o que deturpa a lógica proporcional, dificulta a formação de maiorias, tornando a negociação política mais custosa. Em última instância, isso compromete a governabilidade.

Uma das causas apontadas para a proliferação de partidos é uma resolução do TSE de 2007, que, simultaneamente, proibiu a troca de partidos por parlamentares e eximiu de punição o parlamentar que trocasse de partido para uma agremiação recém-criada. Para que qualquer parlamentar deixasse um partido em que não se sentia confortável, sem perder o mandato, teria que surgir um partido novo.

Fim das coligações deve reduzir o número de partidos representados na Câmara

Embora legítimo e previsto pela regra da proporcionalidade, “puxar votos” não é a regra nas eleições brasileiras – até agora.

As coligações funcionavam como partidos políticos, e um candidato bem votado de um partido pouco votado, desde que fizesse parte de uma coligação bem votada, tinha muita possibilidade de se eleger. Como os partidos optavam sistematicamente por participar das eleições coligados, a soma dos votos dos partidos que compunham cada coligação muito frequentemente superava o quociente eleitoral, fazendo com que todas as coligações minimamente relevantes participassem da distribuição dos lugares.

O fim das coligações foi “compensado" pela possibilidade de criação de federações de partido – que são, no entanto, muito mais custosas de serem negociadas. Para valer como uma federação, os partidos precisam se unir em todos os níveis da disputa eleitoral e, nos quatro anos seguintes, atuar em conjunto no Parlamento e participar conjuntamente de todas as eleições que acontecerem enquanto a federação existir. É de se esperar que mais partidos concorram sozinhos às eleições.

Com o fim das coligações, os resultados das eleições tendem a ser mais proporcionais às votações dos próprios partidos. Isso significa que partidos pouco votados, que poderiam se beneficiar do fato de participarem das eleições coligados com outros partidos, deverão ver suas bancadas diminuírem nestas eleições – ou mesmo deixarem de ter representação no Congresso. Por isso, por mais votos que um candidato tenha sozinho, ele tenderá a não correr o risco de concorrer em partidos pouco competitivos.

Já houve uma tendência de acreditar que partidos mais antigos, como o MDB, o PSDB, o PP e o PT fossem aqueles com mais capacidade de resistir e até se beneficiar do fim das coligações. A fusão do DEM com o PSL abriu a temporada de importantes fusões partidárias para garantir espaço neste novo cenário. A janela partidária que vai de 3 de março a 1o de abril deste ano deve dar um norte importante sobre como se comportarão os partidos a partir das novas regras.

Fonte:

“Empurrando a história: mas para onde? Uma análise das regras partidárias criadas pelo STF”, Ana Luiza Backes e Roberto Carlos Martins Pontes, in 30 anos da Constituição – evolução, desafios e perspectivas para o futuro, Senado Federal, 2018. Pág 51


Questões atuais de direito eleitoral (sobras, proibição de coligações eleitorais, distritão e outras): princípio proporcional x princípio majoritário, Márcio Nuno Rabat, 2021.

Ouça na Rádio Câmara entrevista com o consultor Márcio Rabat sobre as mudanças na legislação eleitoral