09/12/2013
Terceira reportagem da Retrospectiva 2013 trata da PEC das Domésticas
2013 foi o ano de aprovação de uma emenda à Constituição chamada por muitos como a segunda abolição da escravatura no Brasil. A mudança acabou com a distinção que existia entre os empregados domésticos e dos demais trabalhadores. Alguns pontos ainda dependem de regulamentação — o que significa que outra lei ainda precisa ser aprovada para detalhar como alguns direitos trabalhistas estabelecidos vão entrar em vigor. Mas dois desses direitos que já estão valendo trouxeram mudanças para o dia a dia de muitas famílias em 2013: a jornada de trabalho de 44 horas semanais, sendo no máximo 8 por dia, e o pagamento de hora extra para o que ultrapassar essa jornada.
Depois de três anos de debate no Congresso, a aprovação em abril de 2013 da mudança na Constituição que estabeleceu mais direitos trabalhistas para os empregados domésticos foi comemorada no Plenário. Aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado, a chamada PEC das Domésticas é considerada pela categoria como a correção de uma injustiça histórica.
Para a presidente da Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos, Creuza Maria Oliveira, esse direito para a categoria é questão de reparação. Para o autor da proposta de emenda à Constituição, deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), as mudanças na legislação representam uma nova abolição da escravatura.
Com a aprovação da PEC, as empregadas domésticas passaram a ter direito a jornada de trabalho de 44 horas semanais, sendo de no máximo 8 horas por dia.
A hora extra passou a ser remunerada, e seu valor é de no mínimo 50% a mais do valor da hora normal trabalhada.
Elas agora têm direito a estabilidade em razão da gravidez e de licença-maternidade de quatro meses.
Como já estava previsto desde a Constituição de 1988, os trabalhadores domésticos continuam com direito ao salário mínimo, a férias de 30 dias com adicional de um terço na remuneração e vale-transporte.
A nova lei mudou a rotina de trabalho de muitas domésticas e chamou a atenção para o cumprimento da jornada de trabalho. A empregada doméstica Denise Freitas passou a assinar o ponto todos os dias com horário de chegada e saída, e as horas extras passaram a ser declaradas oficialmente e devidamente remuneradas.
Impacto financeiro e demissões
Para as famílias que exigiam jornada maior de oito horas e não pagavam as horas extras, no entanto, houve impacto financeiro – e na época da discussão da PEC isso causou um temor de demissão em massa. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) se pronunciou sobre isso.
Em setembro de 2013, o IBGE atestou de fato uma retração no emprego doméstico — na comparação com o ano anterior, o número de empregadas caiu 10,6% em seis capitais. Mas para o instituto, a queda acompanha uma tendência histórica de migração do trabalho doméstico para outros setores da economia — e não um impacto direto da ampliação dos direitos.
Hoje, metade das trabalhadoras domésticas tem mais de 45 anos. Há dez anos, apenas 30% estavam nessa faixa etária, o que aponta uma tendência de que a categoria não se renove, como explica Tiago Oliveira, economista do Dieese.
Denise Freitas tem 34 anos, já usa as horas livres do dia para se capacitar e não pensa em ser doméstica para sempre.
O Congresso ainda discute vários aspectos da mudança na Constituição que dependem de regulamentação. O projeto de lei que regulamenta os novos direitos já foi debatido na comissão mista e aprovado pelo Plenário do Senado. Agora ainda precisa ser votado pela Câmara.
O texto que será analisado pelos deputados define um horário máximo de plantão de 12 horas, com 36 horas de descanso, torna obrigatório o registro do ponto, define que horas extras podem ser computadas em um banco de horas e devem ser compensadas em um ano, além de estabelecer as regras para o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço das empregadas domésticas — um assunto polêmico, cujo desafio é garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores sem onerar demais as famílias.
A solução foi concentrar todos os encargos do empregador numa alíquota única de 20% do valor do salário pago: 8% de contribuição patronal ao INSS, mais 8% relativos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e 3,2% que funcionam como um recolhimento antecipado, pago mês a mês, para financiar a indenização de 40% por dispensa do empregado sem justa causa. O 0,8% restante é relativo ao seguro acidente de trabalho.
A diluição da multa por demissão sem justa causa nos encargos mensais foi um dos assuntos mais polêmicos na comissão mista. O relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), deixou claro no texto que a indenização não vai ser aplicada quando houver justa causa, com roubos ou violência comprovados.
Mas a categoria não está satisfeita com os rumos da regulamentação. Para a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), ex-empregada doméstica e principal articuladora da aprovação da PEC na Câmara, do jeito que está hoje, a nova lei cria tratamentos diferenciados e desfaz a promessa de equiparação dos direitos com os demais trabalhadores.