Rádio Câmara

Papo de Futuro

Telegram, STF, crise na comunicação digital. É big tech para todo lado! O mundo é das big techs! Mas, afinal, o que é big tech?

11/05/2023 - 08h00

  • Papo de Futuro (11/05/2022):

Você já ouviu falar de Amazon, Apple, Facebook, Google e Microsoft? Certamente já ouviu falar de Telegram, que está em pé de guerra como o Supremo Tribunal Federal.  Se você não ouviu, então eu tenho certeza de que você é de Marte. Afinal, quem são as big techs? O que elas fazem? O que elas querem? E o que eu tenho a ver com tudo isso?

Eu quero começar esse comentário com uma reflexão sobre o Telegram, que foi obrigado a remover conteúdo e a publicar uma nota do STF afirmando que fez desinformação e promoveu um ataque ao Estado Brasileiro. O Marco Civil da Internet limita o dever de agir das plataformas digitais à uma ordem judicial. O Telegram nunca demonstrou boa vontade com as autoridades. Houve ordens judiciais descumpridas. Vazio no contato. Ausência de representação no Brasil. Uma coisa é você é eu não conseguirmos alcançar uma plataforma. É a “cerca de arame farpado invisível”, do sociólogo Morozov. Outra coisa é a Justiça Brasileira cair no vácuo do buraco negro que as plataformas impõem entre elas e os seus usuários.

Como observadora, eu entendo assim: a democracia funciona assim.  Ela pressupõe diálogo. Ela pressupõe respeito. Ela pressupõe regras. Ela impõe limites. Dedo no olho não vale. O PL 2630 não vai acabar com a democracia. Não vai ferir a liberdade de expressão. Isso não é verdade. O dever de cuidado será analisado para comportamentos repetidos, de larga escala. Você não será vigiado pelo governo da forma como você já é vigiado pela plataforma. Se você incita um grupo em grande escala, e leva a um ataque do 8 de janeiro, sim, isso é um problema. Se você fala mal do governo para um tio, isso é liberdade de expressão. Mas esse não é o ponto. Para entender essa decisão do STF, é preciso entender quem é o Telegram, o Google e a Meta. O Telegram sequer será atingido pela lei. É preciso entender o eh abuso de poder, o que é cultura de pânico e o que chantagem digital. É preciso entender que esse filme já se passou na Austrália e vários países e que ali, as empresas espernearam, mas aceitaram as regras ao final. E a vida segue com mais respeito e menos milícias digitais, menos abuso online e mais responsabilidade por parte das plataformas. Eu também não gosto da ideia das plataformas como gate keepers, ou seja, como censores da internet. Mas é preciso entender que só as plataformas conseguem atuar para remover um conteúdo em uma hora, antes que ele faça um dano irreparável. Não há outra maneira de salvar vidas e coibir vidas num mundo da aceleração e globalizado.

Quando você vê um crime, você não chama o juiz. Você chama a polícia, porque não há tempo a perder. É isso?

O senso de emergência existe na internet. Agora, vamos falar do que são as big techs. Para entender porque delas estão sob fogo cruzado. É porque eles se colocam como inimigas do governo brasileiro, no sentido latu sensu. Pela teoria ampliada de Gramsci, quando as plataformas atacam o estado, elas atacam a sociedade brasileira. Em meio à tanta polarização sobre regras na internet, discurso de ódio, monitoramento e o receio de que a rede vire uma censura grande, eu resolvi inovar. Afinal, estamos falando de tecnologia, não é mesmo? A pergunta hoje é: o que é “big tech”? Big tech é o termo que se usa para chamar uma parte das empresas do mundo digital. Big quer dizer grande e tech é uma abreviação para tecnologia. Um nome, eu diria. Modesto. Elas são gigantes. Portanto, giant techs, gigantes tecnológicas seria mais apropriado. Gigantes em que? Em tudo! Em faturamento, ganham mais ou menos o mesmo que o PIB brasileiro, o correspondente a mais de 1 trilhão de dólares, segundo o Banco Mundial (1) (2). Google e Facebook, por exemplo, possuem, cada uma delas, mais de dois bilhões e meio de usuários em todo o mundo. Ocupam mais de 90% do mercado em que atuam. Estão presentes em mais de 10 setores da economia, da agricultura à comunicação. Da saúde ao comércio online. Nós estamos falando da Amazon, que vende de tudo na internet. Da Apple, dona dos IPhones. Do Facebook, que dispensa apresentações. Do Google (96% do mercado de buscas na internet), que nos conecta dos e-mails aos vídeos do Youtube e da Microsoft, dona dos softwares que usamos na rede.

Olha só, há incríveis coincidências:

- Todas são norte-americanas;

- Todas elas têm escala global, estão no mundo todo, exceto alguns países, como China, Rússia, Coréia do Norte, Irã e Cuba;

- Todas elas usam infraestrutura própria para guardar dados, em sistemas de nuvem;

- Todas elas usam sistemas de inteligência artificial, capazes de prever desde estratégias de vendas até comportamento presumido do consumidor;

E não para por aí:

- As Big techs têm regras próprias e se auto intitulam como responsáveis: 1) dizem respeitam as leis, da privacidade às leis trabalhistas; 2) dizem pagam impostos, mas não dizem quanto remetem às suas sedes americanas nem aos seus acionistas; 4) usam dados pessoais, os meus, os seus, o de todo mundo, mas nunca dizem como, nem quem os vê, em nome do sigilo comercial, e vendem para outras empresas esses dados, e não se responsabilizam quando eles vazam; 5) geram publicidade, mas ninguém sabe quem paga, quando cobram, se deixam taxas, que tipo de conteúdo financiam - mas elas garantem que pornografia, violência contra crianças, pedofilia, racismo não são financiados por publicidade -; 6) segregam, removem, organizam, filtram, sugerem, escolhem tudo que você vê, ouve e lê, mas elas garantem que não editam nada, de jeito nenhum, são apenas estradas que os usuários usam sem pagar nada, onde circulam em  condições de absoluta igualdade;

- Alegam que respondem a valores éticos e morais, mas os tribunais internacionais e os nacionais estão muito ocupados com ações de violação das regras das big techs pelas próprias big techs;

- São as empresas mais agressivas e bem sucedidas, eu diria, em tirar todos os competidores do mercado, comprando startups, ou seja, pequenas empresas inovadoras, apenas para deixar o caminho livre para expandir seus negócios.

E não há nada que possa deter as big techs, Beth? Elas não são importantes, eu diria, fundamentais?

Tudo que a gente não consegue explicar, a gente chama de “complexo e multifacetado”. Inovação tecnológica com viés ideológico, práticas anti-competitivas, negócios disruptivos, falta de transparência e influência política baseada em manter uma total liberdade para conduzir suas políticas fizeram com que muita gente torcesse o nariz para as big techs. Primeiro, porque elas são americanas. E os europeus e outros povos não gostam disso. Segundo, porque dizem que fazem, mas não mostram que fazem. Terceiro, porque o conteúdo na internet se deteriorou muito, e o infoentretenimento passou a ser palco para muitos crimes e atrocidades. Quarto, a precarização do trabalho nessas empresas, com a negação dos direitos trabalhistas, transformou uma legião de trabalhadores em zumbi, trabalhando de sol a sol para não fechar o mês no vermelho, e o termo uberização virou sinônimo de espoliação. Ou seja, esbulho, expropriação.

Monopolização, promoção do discurso de ódio, concorrência desleal, exploração de mão de obra. É disso que estamos falando? Isso não são apenas acusações, Beth?

O Facebook tem sido criticado por permitir a disseminação de discurso de ódio em sua plataforma e por não tomar medidas suficientes para removê-lo. A Apple foi acusada de prejudicar a concorrência ao impor restrições às empresas que vendem aplicativos em sua App Store, como exigir que os desenvolvedores usem seu sistema de pagamento interno e pagar uma taxa de 30% sobre as vendas. A Amazon enfrentou críticas por suas práticas trabalhistas, incluindo a falta de proteção dos direitos dos trabalhadores em seus centros de distribuição e o uso de algoritmos de monitoramento que rastreiam o desempenho dos trabalhadores e podem levar a demissões injustas. A Google, por exemplo, foi acusada de usar sua posição dominante em mecanismos de busca para promover seus próprios serviços e prejudicar a concorrência.

O que a gente se pergunta é: por que ninguém fez nada quando o Facebook adquiriu o Instagram e o WhatsApp; o Google adquiriu o Waze e o YouTube e a Amazon adquiriu a Whole Foods? Essas aquisições foram criticadas por alguns por limitar a concorrência e restringir a inovação.

Existe um manto de proteção quando a gente fala de comunicação, Márcio. O ato de comunicar-se é um ato quase sagrado, pois toca no que temos de mais humano: o ser social que somos. Rolando Toro diz que o maior ato político é o abraço! As big techs usaram da sua liberdade como meios de comunicação que hoje alcançam milhões de pessoas num único post para fazer uma propaganda política de si próprias, e deu certo. O Google chegava a dizer: “don´t be evil” (3), ou não seja mal, frase que foi adotada desde o princípio, em 1998, para dizer que a empresa jamais faria algo para prejudicar as pessoas. Por trás, a empresa e todas as outras big techs investiram pesado num modelo que incentiva financeiramente a circulação de conteúdo sensacionalista e extremista, o que é muito ruim para a sociedade. Por que quem manda no Google e nas outras empresas não é a sociedade, nem os estados, nem os governos. São os acionistas que investem nessas empresas, que não são lucrativas, porque vender e entregar de graça, para derrubar o concorrente no mercado, não dá lucro. Quando elas não querem ou não gostam, elas usam seus bilhões de usuários, e eu disse bilhões, para fazer uma campanha maciça, ao invés de sentar na mesa e dialogar. E isso irritou muito o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na semana passada (4) (5) (6).

(1)     receitas publicidade Google: https://www.statista.com/statistics/266249/advertising-revenue-of-google/

(2)     receitas de publicidade Meta, dona do FAcebook, Instagram e WhatsApp: https://www.statista.com/statistics/268604/annual-revenue-of-facebook/

(3)     https://www.theenemy.com.br/tech/google-remove-referencias-a-dont-be-evil-de-seu-codigo-de-conduta

(4)     https://www.camara.leg.br/noticias/958162-camara-tomara-medidas-contra-big-techs-pelos-ataques-ao-pl-das-fake-news-diz-lira/

(5)     https://olhardigital.com.br/2023/05/03/pro/pl-das-fake-news-big-techs-ultrapassaram-os-limites-diz-lira/

(6)     https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/05/5091806-lira-diz-que-pressao-das-big-techs-a-deputados-foi-desumana-e-mentirosa.html

Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o email papodefuturo@camara.leg.br.

Comentário – Beth Veloso

Apresentação – Marcio Achilles Sardi

Coluna semanal sobre as novas tendências e desafios na comunicação no Brasil e no mundo, da telefonia até a internet, e como isso pode mudar a sua vida.

Terça-feira, às 8h