Papo de Futuro
A publicidade online na perspectiva budista do prazer que nunca se realiza e outras coisas mais
01/11/2022 -
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Papo de Futuro (01/11/2022):
Nesta edição do programa Papo de Futuro, a jornalista Beth Veloso explica quem lucra e quem sai perdendo na sociedade da informação.
Quando eu comecei o Doutorado, eu fiquei encantada com as teorias do fim do mundo na internet. Resumindo, elas dizem o seguinte: “se você não está pagando o produto, você é o produto”. Quem diz isso é o queridinho entre os críticos da rede de computador, Tristan Harris[1][2], a estrela do documentário Dilema das Redes[3], do Netflix. Eu recomendo o documentário, com todas as reservas ao Tristan, que ajudou a criar essa internet mercenária que está aí, e depois se arrependeu, o dilema das redes é real. Aliás, ele é intravenal. Fuchs[4] foi mais longe e diz que a internet é o maior shopping center do mundo, sem porta de saída!
No comentário de hoje, eu vou falar sobre vício, mas não sobre drogas, álcool ou jogos. Eu vou falar como a publicidade fez com que a internet se transforme num grande jogo viciante, porque isso faz com que, a cada leilão de anúncio do Google, uma meia dúzia de milionários fiquem ainda mais milionário.
A concentração do mercado
Então, o que chama a atenção da internet hoje é que ela é 100 por cento comercial. Ou seja, tudo que a gente faz na rede é transformado em dinheiro, grana. O problema é a concentração dessa receita, que fica com as Gafam[5]: Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft. Em audiência na Câmara em junho deste ano sobre PL nº 2.134[6], de 2021, que institui a obrigação de os anunciantes e agenciadores de publicidade informarem dados à Secretaria da Receita Federal (SRF), foi dito que 95% da receita da publicidade online no Brasil ficam com Google e Facebook.
Este é o primeiro problema. O segundo problema é que essas empresas usam verdadeiras armas de guerra das indústrias do tabaco ou dos jogos de azar para ganhar mais recursos em anúncios cada vez mais caros, diz Guilherme Felitti, do podcast sobre tecnologia de nome Tecnocracia[7].
E isso quer dizer usar a política que o jornal New York Sun adotou mais de nove décadas atrás para se tornar um sucesso de venda: publicar na manchete o suicídio de um idoso[8]. Ou seja, usa-se o instituto de crueldade natural ao humano e o desejo insaciável de distração ou abstração para explorar o sensacionalismo, o espetáculo, a incitação à violência, o ódio, a agressividade, o escárnio. Sem falar nas Fake News e nas iscas de cliques, ou click-baits. Lúcia Guimarães, em artigo de 2016 no Jornal o Estado de São Paulo[9], lembra a história do britânico com câncer terminal que era frequentemente assediado por anúncios de uma casa funerária?
O que se passa de diferente entre o jornal da década de 40 e os anos 2022? Ao investigar a publicidade durante a pandemia de Covid, Mateus Dellarmelin e Ana Melo[10] afirmam que as redes sociais são muito mais eficazes do que as mídias tradicionais. Não apenas por serem mais abrangentes ou mais velozes.
O apelo às emoções
Mas porque as redes online apelam para a neurociência, na perspectiva da ciência das emoções[11][12], com o auxílio da inteligência artificial. E já falamos disso no que chamados da Grande Ruptura, de Ronaldo Lemos[13], e como a publicidade está dirigida a gerar emoções, porque fala do lugar do inconsciente. Ou seja, as redes querem acessar o lugar do coração, da raiva, da dor, da inveja, da ilusão do amor, e assim é a publicidade.
Sierra Caballero[14], um dos maiores expertos da comunicação na atualidade, diz que a publicidade por si só não é boa ou má. Ela é, sim, necessária. ela é parte da engrenagem do sistema, posto que cumpre uma função econômica para difusão de produtos, empresas e instituições econômicas. O problema surge quando ela estava essencialmente a serviço do capital monopolista. Ou seja, acumulação, e apropriação do tempo livre do trabalhador, como uma esfera do valor, o que gera uma sensação de esgotamento, de cansaço, de frustração, que sociólogos como o sul coreano naturalizado alemão, Byung-Chul Han[15], traduzem como um dos males do Século XXI.
Ao pensar no dinheiro a qualquer custo, na atenção a qualquer preço e na monetização do conteúdo do usuário da rede, as empresas apelam para a atenção como o seu maior capital para nos deixar viciados na rede. Não por acaso, somos usuários da internet, mesmo termo usado para dependentes de drogas.
Com aplicativos cada vez mais viciantes, com uma aposta máxima no entretenimento, não há espaço para uma cultura de massas associada a manifestações genuínas de um lugar e de sua gente.
O papel do Estado
O que vende mais? Um casal de passarinhos voando pelo céu ou imagens de uma multidão esmagada do outro lado do mundo. Um debate sobre o poder do perdão ou bizarrices capturadas por uma câmera escondida, junto com conteúdo jocoso ou misógino? E eu pergunto? Do ponto de vista legal, qual é o código de ética e de conduta que as plataformas seguem para a publicidade online? Qual é o CONAR[16] da Internet, o código de autorregulamentação publicitária? Quais as normas para não divulgação de armas, jogos de azar e cigarros na internet, que são as indústrias que mais esquadrinham o comportamento do consumidor para dar-lhes exatamente o que eles querem.
Enquanto as drogas físicas atuam no nível físico, corpóreo, a adição no mundo online opera no nível inconsciente, a partir de técnicas apreendidas pelo Tick Tock para gerar sensações de prazer, que levam à busca por mais sensações de prazer, gerando um círculo vicioso para uma desprotegida geração infantil que está totalmente submersa e desprotegida na rede. A Constituição brasileira, artigo 220, impõe limitações publicidade de tabaco, agrotóxicos, medicamentos e terapias, mas a internet é extraterritorial, correto?
Como diz Sierra Caballero, a finalidade da publicidade é a de produzir o “homo consumens”. E, para romper esse ciclo de escravidão na Era da Mercadoria, é preciso buscar a liberdade de expressão repensando a publicidade como uma forma de colonização de nossas mentes. Ou seja, convocando o Estado a regular o tempo destinado à publicidade, reconhecendo-a como uma esfera que constrói sentido e poder político, para transformá-la numa arena midiática onde viver é preciso. E consumir, não é preciso.
Sim, a rede precisa ser regulada pelo Estado, assim como a televisão e o rádio o foram, e os jornais também.
E, quanto ao fato de que a internet está atrelada às lógicas de lucro do capital, em que o jogo do vale tudo segue as regras do consumo e do lucro máximos na Sociedade da Atenção, na Era da Mercadoria, o que fazer?
Em termos estruturais, não vejo muito o que fazer, a não ser sentar-se e chorar e orar pelas nossas crianças. O pesquisador americano Tim Wu compara o lucro das redes com o lucro da colheita agrícola e chama os donos das plataformas online de Mercadores de Atenção[17]. A verdade é que quem detém hoje os meios econômicos de comunicação, detém o poder, é exatamente aí que está toda a fonte de poder. E, como diz o crítico Evgeny Morozov, conhecido como o herege da rede, qualquer regulação pode ter o efeito de um simples band aid[18], se não houver uma atitude ética para privilegiar o humano e não o consumo. Outras soluções mais radicais, como estatizar o Google, defendidas por Srnick[19], o socialista canadense que cunhou o termo capitalismo de plataforma, não são realistas, pelo menos na conjuntura política atual.
Dicas para uma autorregulação
E aqui vamos para as dicas sobre como se proteger da ditadura da publicidade em nossas vidas:
- Desligando as notificações dos aplicativos, que são o gatilho da sociedade da atenção;
- Navegando no modo privado[20], para fugir da publicidade customizada e dos algoritmos;
- Evitando o conteúdo sensacionalista, simplesmente não assista; deletar os aplicativos do celular, usando-os apenas no computador;
- Fazendo o detox de desligar o celular por duas horas por dia ou, pelo menos, colocando no modo avião a cada uma hora e meia, com intervalos de meia hora, ou “esquecendo” o celular em casa quando for dar um passeio;
- Detox de domingo sem celular e com churrasco;
- E, por fim, se o vício for muito grande, peça que um familiar esconda o celular e só devolva diante dos primeiros sinais mais sérios de abstinência física.
O budismo na busca do prazer
Na perspectiva do budismo, a busca do prazer, que é a meca da internet, é a principal causa do Samsara[21], o ciclo de vida e morte e renascimento que é a fonte do sofrimento. Para os budistas e hinduístas, o prazer tem como fonte primária a dopamina, hormônio que tem como objetivo a busca por mais dopamina, ou seja, a busca pelo prazer como forma de aliviar a ausência de prazer, num círculo vicioso que é âncora mestra da publicidade online.
Encontrar a paz só é possível mediante a renúncia a tudo isso que está aí. Você está disposto a isso?
Mande suas dúvidas, críticas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br
[1] https://www.humanetech.com/who-we-are
[2] As notas de rodapé foram introduzidas em 31.10.2022.
[3] https://www.youtube.com/watch?v=slNayjEi5bM
[4] https://www.academia.edu/43332710/Christian_Fuchs_Social_Media_a_critical_introduction
[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/GAFAM
[6] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2286413
[7] https://manualdousuario.net/series/tecnocracia/
[8] https://blog.runrun.it/economia-da-atencao/
[9] https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,mercadores-da-atencao,10000083889
[10] https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/78661
[11] https://www.youtube.com/watch?v=UEtE-el6KKs
[12] https://www.youtube.com/watch?v=-aWO9F3XYUI
[13] https://www.youtube.com/watch?v=lDdgi8EpOC4
[14] https://www.printfriendly.com/p/g/uKWJca
[15] https://brasil.elpais.com/cultura/2021-10-09/byung-chul-han-o-celular-e-um-instrumento-de-dominacao-age-como-um-rosario.html
[16] https://brasil.elpais.com/cultura/2021-10-09/byung-chul-han-o-celular-e-um-instrumento-de-dominacao-age-como-um-rosario.html
[17] http://catedradatos.com.ar/media/Comerciantes-de-atención-Tim-Wu-_-Cap%C3%ADtulo-26_-La-Web-toca-fondo-.pdf
[18] https://www.youtube.com/watch?v=uhU0hRng-eE
[19][19] https://www.youtube.com/watch?v=0fg0wj9Ntes
[20] https://www.youtube.com/watch?v=uhU0hRng-eE
[21] https://www.dharmalog.com/2014/01/06/samsara-budismo-perambulacao-ilusao-humana/
Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Marcio Achilles Sardi