Rádio Câmara

15 Minutos de Cidadania

Inclusão no trabalho

07/10/2019 - 13h00

Não dá pra falar de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho sem falar da Lei de Cotas (Lei 8.213/91). Essa, na verdade, é uma lei que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social. Por isso, a reserva de vagas é destinada a beneficiários do INSS reabilitados ou a pessoas com deficiência.

Bem, de qualquer forma, estamos falando de pessoas com limitações à sua força de trabalho. E, pela norma, toda empresa com 100 ou mais empregados tem que destinar de 2% a 5% de seus cargos a esses profissionais, na seguinte proporção: até 200 empregados, 2% das vagas;
de 201 a 500, 3%; de 501 a 1.000; 4%; e, de 1.001 em diante, 5% dos empregados devem ser pessoas com deficiência.

Segundo o presidente do Conselho Nacional dos direitos da Pessoa com deficiência, Marco Castilho, o número de pessoas empregadas pela lei de cotas é ainda bastante pequeno. Em 2018, ele diz, havia algo em torno de 450 mil pessoas com deficiência com empregos formais no Brasil. Apenas 80% dos empregadores estão contratando pessoas com deficiência, e em razão da cota. Ainda assim, Castilho não faz avaliação negativa da política de reserva de vagas.

“Eu não diria que não está sendo bem-sucedida. (…) Certamente nós não teríamos o índice que, apesar de não ser tão alto, muitas pessoas não estariam empregadas se não houvesse essa chamada lei de cotas. Tenho certeza que o impacto acaba sendo bastante positivo. Em que pese a maioria das empresas ainda relutarem contra a legislação, às vezes preferem pagar a multa do que empregar uma pessoa com deficiência”.

Castilho avalia que a escolha por não empregar pode ser explicada, pelo menos em parte, por alguns mitos em relação às pessoas com deficiência. O primeiro deles seria o da falta de capacidade produtiva.

“Pessoas com deficiência têm capacidade produtiva, sim, obviamente resguardadas as limitações de acordo com cada deficiência. Mas, se forem oferecidas condições adequadas no seu ambiente de trabalho, ela será tão produtiva quanto qualquer outra pessoa. A gente vê outro mito também que muitas das vezes as empresas utilizam dizendo que não sabem lidar com as pessoas com deficiência. Mas ela tem alternativas de buscar informações, de se qualificar na perspectiva de saber lidar com o segmento. E a forma mais prática é perguntar para a pessoa com deficiência”.

Importante destacar que a Lei de Estágio (Lei nº 11.788/08) também reserva 10% das vagas às pessoas com deficiência. Essa cota também não é cumprida. Quem confirma isso é a coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento de Carreiras do Instituto Euvaldo Lodi do Distrito Federal, Érika Caetano. O IEL/DF é integrante do Sistema Fibra – Federação das Indústrias do Distrito Federal.

A gente sensibiliza as empresas pra fazer essa adesão ao cumprimento da cota. Só que a gente observa que a própria empresa não está preparada para receber esse tipo de profissional, seja na estrutura física, ou para transcrição em braille, intérprete de libras, acessibilidade, a gente percebe que as empresas não estão preparadas.

SOBE SOM

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), diz que a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Para garantir essa acessibilidade, a pessoa com deficiência tem direito a receber suportes individualizados, como recursos de tecnologia assistiva e agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho. É o trabalho apoiado, conceito que a professora Ainã Bonfim, da UnB, explica.

“Essa pessoa que está trabalhando tem um apoio de um instrutor que acompanha uma equipe fazendo o diálogo entre a chefia e os aprendizes. Ele funciona como um mediador que vai levantar as necessidades da equipe, conhece mais de perto a família de cada um, as especificidades da deficiência, ou das dificuldades e das habilidades de cada um. Toda pessoa tem condição de trabalhar. Mas são necessárias adequações, e essa adequações é que o emprego apoiado visa a realizar”.

E aí entra outro fator apontado pelo Marco Castilho, do Conade, como obstáculo para a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho: o custo de adaptação dos espaços e tecnologias para receber o funcionário com deficiência. Segundo Castilho, quanto menos a pessoa depender de recursos de acessibilidade, maior a chance de ser contratada.

“Óbvio que as empresas acabam preferindo, isso não sou eu que estou dizendo, são dados estatísticos, ela acaba preferindo as pessoas que têm o menor grau de deficiência. Via de regra, as pessoas com mais dificuldades são as pessoas com deficiência intelectual ou pessoa com espectro do autismo; pessoas com deficiência visual; ou seja, o que a gente constata é que as empresas, como são obrigadas a cumprir a lei de cotas, ela acaba destinando a vaga obrigada a dar à pessoa que tenha o menor grau de comprometimento porque isso exigiria menos da empresa em todos os aspectos”.

Castilho afirma, ainda, que as empresas pagam menos às pessoas com deficiência. Dados do IBGE de 2016, ele diz, indicam que esse valor é, em média, 11,5% menor do que o que se paga a funcionários sem deficiência.

A Érika Caetano, do IEL-DF, sugere um movimento conjunto das empresas e dos alunos para favorecer o cumprimento das cotas, já que, segundo ela, há também poucos alunos que se apresentam em busca de estágio. No IEL-DF, menos de 1% dos alunos cadastrados têm deficiência.

Para Castilho, dizer que não existem pessoas com deficiência disponíveis ou qualificadas para o trabalho é mais um mito. Há muitas instituições que trabalham com capacitação de pessoas com deficiência para o trabalho, ele diz, e são as empresas que não buscam essa parceria.

O IEL-DF, diz a Érika, trabalha, sim, com esses parceiros. E estimula as empresas a ofertar mais vagas, mas há, ainda, fatores externos que dificultam a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

“Eu lembro de um caso, que nem tem tanto tempo assim, que a empresa ofertou a vaga, nós conseguimos uma cadeirante, e, às vezes, a barreira está na dificuldade de deslocamento para o estágio. Ela não conseguiu estágio porque não conseguiu ninguém que levasse e buscasse”.

VINHETA QUERO SABER

O quadro de hoje traz os relatos de três trabalhadoras com deficiência intelectual apoiadas pela Apae-DF. Na sequência, você ouve a Juliana Ramos e a Dayane Dias, que trabalham com higienização de livros do acervo da Câmara dos Deputados e do Inep, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, respectivamente. Ao final, você ouve a Sheila Montalvão, que é terceirizada na Câmara e realiza atividades administrativas em vários setores da Casa.

Juliana - “Eu faço limpeza de livros e também tiro sujeiras do livro e faço algumas limpezas de caixas. Faz 10 anos que trabalho lá. Gosto muito. Dá pra ajudar, com a minha grana dá pra ajudar a saúde da minha família. Meu maior sonho mesmo é continuar trabalhando com livros, mas em outros lugares também”.

Daiane - “Eu mexo com documentos do acervo histórico. Está higienizando e fazendo o restauração. Na época que eu não trabalhava, que eu ajudava alguma coisa lá em casa, meu pai e minha mãe, eu recebia mesada em casa. O que eu amo na minha vida é higienizar e restaurar documentos. Eu tenho vontade de fazer o curso de maquiagem e fotografia’.

Sheila – “Eu trabalho na Câmara e cada mês fico num setor diferente. Cada mês aprendo uma coisa nova. Quando comecei, fiquei 5 meses no anexo I, no Demap, depois fui pro anexo 4 no avulsos, que trabalha com projetos de leis pro plenário e depois eu fui pra biblioteca, aprendi a magnetizar as revistas, colocar etiquetinha nos livros. E depois fui pra biblioteca de volta de novo, fiquei na Edições Câmara”.

SOBE SOM

Um nó que sempre aparece quando se fala de inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho é o BPC, Benefício de Prestação Continuada. Ele é pago a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade e miserabilidade.

Quando essa pessoa consegue um emprego, o benefício é suspenso. Se ela perde o trabalho, pode voltar a receber o BPC. Mas, para o presidente Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, deputado Gilberto Nascimento, do PSC de São Paulo, esse retorno não é tão rápido, o que pode fazer com que a pessoa pense duas vezes antes de aceitar uma oferta de emprego.

“Eu defendo, por exemplo, que o BPC, mesmo a pessoa indo para o serviço, ela continue recebendo, mantenha seu BPC. Porque hoje, vamos imaginar que ela saia de casa para trabalhar, em determinado momento ela perde o emprego e volta pra casa, na hora que ela vai tentar voltar para a fila do BPC, ela vai entrar numa fila de perícia que demora um ano, então ela fica numa situação muito difícil”.

Na letra da lei, a retomada do pagamento após a perda do emprego não depende de perícia, mas a avaliação das condições que dão direito ao BPC é necessária a cada dois anos para todos os beneficiários.

O Marco Castilho lembra que esse problema já foi pior, quando a pessoa perdia o direito ao BPC definitivamente. Para ele, mesmo com todas as dificuldades para sair de casa e acessar o mercado de trabalho, as pessoas com deficiência não querem ficar dependentes de um benefício assistencial; querem trabalhar e se desenvolver.

“A pessoa com deficiência, quando chega ao mercado de trabalho, existe um grau de importância na vida dessa pessoa que é a emancipação. Mesmo que com esse salário que não é o ideal, adequado, mas ela alcança um grau de autonomia e de independência. Segundo que, estando no mercado de trabalho, ela tem direitos assegurados que o BPC não lhe permite. Ela vai ter o FGTS recolhido, ela vai ter direito a férias remuneradas, 13°, ela vai ter uma série de ganhos que, estando só no BPC, ela não alcança. (…) Elas querem ser produtivas, elas querem estar em vida social, contribuindo”.

E como querem! No programa anterior, a gente sentiu a angústia de três estudantes surdos que veem seu desenvolvimento profissional ser limitado pela falta de intérpretes de Libras – Língua Brasileira de Sinais nas escolas e nos ambientes de trabalho.

Mas, olha, eles ainda enfrentam outros desafios. A Lei de Libras (Lei nº 10.436/02) proíbe a substituição da modalidade escrita da Língua Portuguesa pela Língua Brasileira de Sinais. Dessa forma, os estudantes surdos são obrigados a escrever, por exemplo, redações em português na prova do Enem.

É importante a gente entender que a primeira língua dos surdos não é o português, e que ler o português escrito não é tão natural quanto pode parecer. Por isso, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos questionou esse ponto da lei no Supremo Tribunal Federal, argumentando que a proibição do uso da Libras pelos surdos em processos seletivos fere a Constituição. O advogado da Federação, Abel Santana Filho, explica o motivo da ação.

“Quando você impõe que ele use português, você está obrigando que ele use uma segunda língua. É como se você fosse um estrangeiro em seu próprio país. O que a gente busca é que haja essa igualdade para que o surdo possa usar primeiro a libras em processos seletivos, inclusive para fazer redações. Em vez de escrever uma redação em português, que é a segunda língua dele, uma língua que ele não consegue dominar completamente como não conseguem ouvir, não conseguem assimilar bem as conjugações, preposições, coisas assim que são estranhas à língua de sinais”.

A prova do Enem já é traduzida para Libras, mas a redação, diz o Abel, ainda precisa ser feita em português. A demanda dos surdos é para que seja possível gravar um vídeo dissertando sobre o tema da redação também em Libras.

SOBE SOM

Termina aqui o 15 minutos de Cidadania, que teve produção de Cristiane Baker e Caio Guedes; trabalhos técnicos de Gilson Carlos e Leandro Gregorini; edição e apresentação de Mauro Ceccherini e de Verônica Lima. Se você tem alguma dúvida, mande pra gente! O e-mail é radio@camara.leg.br, e o whatsapp é 61 – 99978-9080.

O 15 minutos de Cidadania é produzido pela Rádio Câmara e transmitido pelas rádios parcerias em todo o Brasil, como a Rádio Capela FM, de Vinhedo, São Paulo. Você pode conferir todas as edições do programa no site radio.camara.leg.br ou, agora, no Spotify. Uma boa semana e até o próximo programa.

 

Uma análise da eficácia das leis brasileiras

Em 4 horários: segunda, 13h; quinta, 22h45; e sexta, 6h e 13h.

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