Rádio Câmara

15 Minutos de Cidadania

Educação inclusiva

30/09/2019 - 13h00

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou LBI, ou ainda Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), busca assegurar e promover o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência em igualdade de condições com o restante da população.

A pessoa com deficiência tem direito de desenvolver suas potencialidades e de participar da vida social. Mesmo quem precisa ser curatelado para que outra pessoa tome decisões em nome dele mantém o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

O 15 minutos de Cidadania abre hoje uma série especial sobre os direitos das pessoas com deficiência relacionados à educação e ao trabalho. Eu sou Mauro Ceccherini.

E eu sou Verônica Lima.

A educação é um direito da pessoa com deficiência, sendo assegurados um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e o aprendizado ao longo de toda a vida.

Na visão do professor Rodrigo Mendes, que é mestre em Gestão da Diversidade Humana, ao falar em sistema inclusivo, a LBI reconhece o direito das pessoas com deficiência de estudar em convivência com o resto da sociedade.

A lei não delimita uma maneira única de se promover essa inclusão, mas prevê algumas medidas a serem tomadas pelo poder público, como: oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita do Português como segunda língua; oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de recursos de tecnologia assistiva; oferta de profissionais de apoio escolar.

Para Rodrigo Mendes, três requisitos são necessários à educação inclusiva: capacitação de professores, planejamento das aulas e engajamento das famílias. E o objetivo não é criar estratégias padronizadas por tipo de deficiência, mas uma educação que respeite as singularidades de cada aluno, mesmo os que não têm deficiência, que diversifica práticas, traz novos formatos e, assim, se torna mais interessante e efetiva para todos.

“Se a gente não quer deixar ninguém pra trás, a gente precisa ser capaz de criar formas e planos e ações pedagógicas que explorem as potencialidades de todos os estudantes pq a gente não tem uma receita. Existem diferentes formas de aprender e por isso tem que trabalhar com diferentes formas de ensinar”.

Para alcançar a inclusão, a LBI prevê a existência de um serviço chamado Atendimento Educacional Especializado. As secretarias de educação e as escolas particulares devem ter profissionais para auxiliar as equipes pedagógicas na identificação e na eliminação de barreiras. O Rodrigo Mendes explica.

“São profissionais que apoiam as equipes e estão lá para complementar as atividades que acontecem na sala de aula comum. (…) O importante é a equipe ter apoio para que consigam perceber e relacionar quais são as barreiras que estão prejudicando o acesso dos alunos ao conhecimento e ao mesmo tempo apoiar as equipes para criar recursos para buscar alternativas de toda natureza”.

Para os professores que estão nos ouvindo, aqui vão duas dicas: o portal diversa.org.br é uma plataforma colaborativa de práticas de educação inclusiva e contém artigos, estudos de caso, relatos e exemplos de materiais pedagógicos acessíveis. E o Portas Abertas para a Inclusão é um curso de formação gratuito e à distância voltado para a promoção da inclusão escolar de meninos e meninas com deficiência. Os dois portais são iniciativas do Instituto Rodrigo Mendes em parceria com o Unicef e a Fundação Barcelona.

VINHETA QUERO SABER

O quadro de hoje apresenta o relato de três alunos surdos sobre sua trajetória educacional. Todos disseram preferir o modelo de escola bilíngue, que tem metodologia e material didático específicos para os estudantes surdos; ao da escola inclusiva, em que o aluno surdo acompanha a aula ao lado de alunos ouvintes com a ajuda de um intérprete.

A entrevista com os surdos foi realizada em Libras, língua brasileira de sinais, com tradução para o português feita por Domingos Coelho e Agnes Maeda. A interpretação é de André Amaro, Val Monteiro e Ana Delmonte.

Andressa Fernandes – "Eu, desde criança, sempre estudei na escola inclusiva. O professor ensinava e eu não aprendia nada… eu só copiava o que ele escrevia no quadro, não entendia nada, eu só copiava. (…) Fui aprendendo, conhecendo a palavra escrita, fui desenvolvendo, mas, quando mudei pra a escola bilíngue, a metodologia era boa, dava pra desenvolver o conhecimento, adquirir novos conhecimentos. Foi melhor. (…) Na escola bilíngue, tem metodologia boa pra surdo, pra criança surda entender claramente o conteúdo. A prova é visual, tem oficina, material didático claro pro surdo entender. Sem metodologia clara, a gente não entende nada. O surdo se sente magoado, fica triste às vezes".

Nathanael Cruz – "Desde o Ensino Fundamental, estudei sempre com professor falando e com intérprete. Eu não sentia interesse porque os dois no mesmo tempo, intérprete, em Libras, e o professor, pa, pa, pa, pa, pa. E também a escrita? Como? Impossível prestar atenção nos dois. Copiar. Impossível. Como? Eu sempre sonhei com os surdos incentivados dentro de uma escola só de surdos. Melhor. Inclusão é difícil. Dá pra aprender acompanhando as matérias com metodologia própria pra ouvinte? Eu sempre percebi que o professor sente: ai, como ajudar o surdo? Os ouvintes direto com ouvintes; o intérprete direto com o surdo. Mas os professores não incentivam os surdos".

Agnes Maeda – "Estudei na escola normal, sem inclusão, mas era difícil. Reprovava, mudava de escola. Aí fui pra escola inclusiva. Aí fui até o ensino médio na escola inclusiva. Acabou, fiz o Enem, o pas, vestibular, não passei. (...) Aí fiz licenciatura em dança, aí larguei porque não tinha acessibilidade porque não tinha intérprete. Fui a primeira surda no Brasil a passar em licenciatura em dança e fiquei muito triste porque não pude cursar".

O Nathanael e a Agnes são hoje alunos da Universidade de Brasília. Estudam Letras – Língua Brasileira de Sinais e Português como segunda língua. Mas nenhum dos dois sonhava em ser professor. Nathanael queria ser arquiteto; e Agnes, psicóloga. Optaram pela faculdade de Letras pois os intérpretes da universidade estão concentrados ali. A Andressa, que estuda Gestão Pública no Instituto Federal de Brasília, também tinha a Arquitetura como primeira opção. O Nathanael expressa a frustração dos três pela limitação no desenvolvimento profissional.

“Precisa de intérprete nas várias universidades, mas não é só nisso que falta. Você pode perceber. Faltam intérpretes no trabalho, em reuniões, acessibilidade é necessária em toda parte. Então eu fico imaginando quando, por exemplo, se eu entrasse pra uma faculdade de arquitetura e como ficaria sem o intérprete para eu poder me desenvolver também futuramente quando eu tivesse trabalhando na empresa? Como eu estaria trabalhando dessa forma? Eu fico muito preocupado com isso. Eu gosto muito da universidade, mas a gente tem que mudar essa história. Fazer uma nova história”.

A diretora do Instituto de Letras da UnB, Rozana Naves, explica que a criação do curso de Libras e português como segunda língua dentro do Instituto de Letras busca cumprir a exigência legal de formar professores de Libras. Essa, segunda ela, é uma etapa do processo de inclusão: ter professores qualificados para atender aos alunos surdos e para ensinar Libras a ouvintes.

Mas ela confirma que, agora, em função do contexto atual de restrições financeiras, a universidade não consegue atender às demandas dos alunos surdos por outros cursos e disciplinas.

“O que a gente vê é que essa política de inclusão educacional, apesar de ser um processo lento, ela tem sido bem-sucedida porque, nos últimos anos na universidade, a gente percebeu que tivemos o ingresso de muitos estudantes surdos tanto no curso de línguas de sinais brasileira mas também uma demanda desses estudantes por outros cursos. (…) A equipe é reduzida em função do número de surdos que a gente precisaria atender, porque eles atuam em duplas em cada turma. Portanto, a gente precisa agora, como política pública, do aumento de número de tradutores intérpretes nas universidades para atender à demanda fora dos cursos induzidos de Letras - Língua de sinais brasileira e Pedagogia bilíngue que outras universidades abriram”.

O Presidente do Conselho Nacional dos direitos da Pessoa com deficiência, Marco Castilho, também não vê a política de inclusão como um erro. Entre a escola especial e a escola inclusiva, ele lembra que a convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência assegura ao estudante – ou à família – o direito de escolher onde quer estudar.

“A minha defesa é que a pessoa esteja incluída, dentro de todas as possibilidades que a sua deficiência permite, mas também dentro da obrigação da escola pública (…) então a escola tem que estar preparada para receber a pessoa com deficiência e, se não está, se preparar para. Por outro lado, não há como exterminar as chamadas instituições especializadas de ensino em detrimento do ensino inclusivo. Por exemplo, por que acabar com o Instituto Benjamin Constant, se é o único especializado para educação de pessoas com deficiência visual? Não faz o menor sentido. Porque aquela escola, chamada regular, chamada pública não terá a condição pro aluno com deficiência visual tudo aquilo que o IBC oferece”.

Bem, mas para resolver a angústia do Nathanael, da Agnes e da Andressa, o mais adequado seria que todos nós, brasileiros, conhecêssemos também a Língua Brasileira de Sinais. Assim, as pessoas surdas poderiam se comunicar normalmente nos diversos espaços: de ensino, de trabalho, de lazer. Para a professora Rozana Naves, da UnB, esse é um projeto possível, mas depende da formação de professores de Libras, o que já começou a ser feito justamente pelo curso que a Agnes e o Nathanael frequentam. A primeira turma se formou em 2019.

Bem, falamos até aqui da escola inclusiva, com as críticas de quem a vivenciou e com as explicações sobre como ela pode evoluir. Mas a Lei Brasileira de Inclusão traz um segundo princípio relacionado ao direito da pessoa com deficiência à educação: o aprendizado ao longo de toda a vida. A professora Ainã Bonfim, da UnB, explica o conceito.

"Uma escola convencional, a intenção dela é aplicar um conteúdo, que se espera que seja aprendido no fim do ano e que após a conclusão do conteúdo a pessoa se encaminhe para uma universidade, tenha uma continuidade acadêmica. No caso da educação ao longo da vida, a gente está preocupado com o indivíduo, com o bem-estar, com a cidadania, com o envelhecimento dele".

Isso quer dizer, segundo a coordenadora pedagógica da Apae, Kelly Assunção, que a pessoa que não consegue acompanhar o currículo padrão no tempo certo não perde o direito à educação.

“A partir do momento que se prega a escola com idades mínimas e máximas pra cada série, onde vou encaixar o diferente, onde eu vou encaixar a pessoa com deficiência, que ela precisa às vezes de 2, 3 anos pra fazer a mesma série? E é direito dela por lei, está lá na LDB, ela tem direito a adaptação curricular. Eu adaptar o conteúdo à capacidade dela e adaptar o tempo também que ela tem pra fazer aquele conteúdo. Uma mesma série posso dividir em um ano, dois anos. E, mesmo com essa adaptação, ela tem direito a salas de recurso, no horário contrário, pra que ela possa também desenvolver habilidades e competências que vão auxiliar na aprendizagem da sala de aula”.

É importante deixar claro que as regras da LBI não se aplicam somente às escolas públicas. As instituições privadas também precisam oferecer um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, e o aprendizado ao longo da vida.

E elas não podem cobrar a mais por isso. Nem recusar a matrícula de crianças e adolescentes com deficiência.

Termina aqui o 15 minutos de Cidadania, que teve produção de Cristiane Baker e Caio Guedes; trabalhos técnicos de Nilton Gomes; edição e apresentação de Mauro Ceccherini e de Verônica Lima. Se você tem alguma dúvida, mande pra gente! O e-mail é radio@camara.leg.br, e o whatsapp é 61 – 99978-9080.

O 15 minutos de Cidadania é produzido pela Rádio Câmara e transmitido pelas rádios parcerias em todo o Brasil, como a RÁDIO ACESA FM, de Volta Redonda, Rio de Janeiro. Você pode conferir todas as edições do programa no site radio.camara.leg.br ou no Spotify. Uma boa semana e até o próximo programa.

Até lá!

Uma análise da eficácia das leis brasileiras

Em 4 horários: segunda, 13h; quinta, 22h45; e sexta, 6h e 13h.

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