Rádio Câmara

Reportagem Especial

Alienação Parental - Capítulo 1

19/08/2019 -

  • Capítulo 1 - O que é alienação parental?

“Eu sempre participei de todas as consultas, as vacinas, e eu gostava de conversar com o médico, de pesquisar e ela foi me tirando aos poucos as coisas. Primeiro ela já não entrava mais no meu carro com as crianças, depois ela já não ia mais me informar mais quando eram as consultas e me formava depois da consulta e depois passou a não me informar nada sobre tratamento de saúde e eu não podia visitar as minhas filhas, às vezes ela me deixava ver outras não, não deixava ninguém da minha família ver se eu fosse com alguém da minha família ela não atendia...”.

 

 Esse é o relato de um pai que conversou com a Rádio Câmara. Para preservar os pais e mães que deram entrevista, optamos por não identificá-los e por alterar levemente a voz.

 

 Lei aprovada em 2010 considera alienação parental os atos praticados pelo pai, mãe ou outro responsável, que induzam a criança ou adolescente a repudiar o outro genitor, ou que causem prejuízo aos vínculos do filho com esse genitor. Alguns dos exemplos trazidos pela lei são: realizar campanha de desqualificação do genitor; dificultar o contato ou omitir informações sobre a criança ou adolescente; apresentar falsa denúncia contra genitor ou familiares; e mudar o domicílio para local distante sem justificativa.

 

 De acordo com a Lei, se ficar caracterizado o ato de alienação parental, o juiz poderá advertir ou estipular multa ao alienador; ampliar o regime de convivência em favor do genitor alienado; determinar que a guarda passe a ser compartilhada ou mesmo inverter a guarda; ou suspender a autoridade parental.

 

 Na visão de Sérgio de Moura Rodrigues, presidente da Associação Brasileira Criança Feliz, que participou do movimento que levou à elaboração da Lei, a alienação parental quase sempre começa quando, após a separação, o casal passa a discutir pensão alimentícia e partilha de bens, ou quando o ex-cônjuge se envolve em outro relacionamento.

 

Com o passar do tempo, à medida que um daqueles alienadores não consegue seu objetivo de afastar o filho, por raiva interna anterior, por raiva de já ter outro relacionamento, por raiva de saber que foi traído, por querer manter um status de uma pensão muito alta ou para brigar por patrimônio. Brigam até por um carro. E aí acabam envolvendo o filho como arma nessa discussão”.

 

 A consequência da alienação parental para as crianças é devastadora, segundo o presidente da ONG Apase, Associação de Pais e Mães Separados, Analdino Rodrigues.

 

 “Tem casos que as crianças ficam muito debilitadas psicologicamente, deprimidas, depressivas, têm problemas escolares, relacionamento com amigos, amiguinhos e fica criança muito retraída. Uma criança com alienação parental num grau mais elevado não consegue sorrir. (…) autoflagelamento, tentativa de suicídio, suicídio real, que aconteceu”.

 

Ainda que ocorra geralmente após o divórcio, que é uma situação que traz sofrimento para o casal e para os filhos, a alienação parental não é um conceito do campo da Psicologia, afirma a Iolete Ribeiro, do Conselho Federal de Psicologia. Para ela, discutir a alienação parental somente pela via judicial, que não considera a complexidade da situação, pode gerar mais sofrimento em vez de resolver o problema.

 

 “A psicologia explica de outras formas. (…) E aí muitas vezes os profissionais do Direito querem determinar que tipo de análise vai ser feita e, muitas vezes, eles usam de forma inadequada conceitos da Psicologia que eles não tem domínio teórico com uma sustentação pra explicar a partir da lógica do Direito”.

 

 A lei permite ao juiz determinar o acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial dos envolvidos em processos de alienação parental. Mas, para Iolete, a avaliação do caso não pode se limitar ao processo judicial. Para ela, é necessário que o Estado amplie a oferta de atendimento dentro da rede de proteção e assistência social, que é capaz de acompanhar a criança ou adolescente no longo prazo.

 

 “Se eu olho só o processo judicial, só o que vai acontecer dentro do sistema de justiça, muitas vezes essa criança vai ser colocada numa situação de ampliação do sofrimento dela porque o Estado não está atendendo adequadamente porque só está olhando o processo e não as pessoas. E as pessoas precisam de atendimento antes da denúncia, durante a denúncia e após o julgamento da denúncia”.

 

 A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul acompanha atualmente mais de 30 casos que envolvem acusações de alienação parental contra mães. E apenas um caso de alienação parental contra pai. De acordo com estudo realizado nas Varas de Família do Distrito Federal e registrado no livro Alienação Parental: um retrato dos processos e das famílias em situação de litígio, os pais alegaram alienação parental em 44% dos casos, e as mães em 22%. Diante de dados assim, a psicanalista Ana Maria Iencarelli, da ONG Vozes de Anjos, denuncia o mau uso da legislação, por meio da falsa acusação de alienação parental contra mães.

 

 “A gente encontra 99% dos casos que foram denunciados como abuso sexual se transformarem em alienação parental. (…) Os maiores criminosos podem receber visita da mãe, podem conversar livremente com a mãe, mas uma criança que é vítima já de abuso ou de violência perde a mãe”.

 

 A equipe que analisou os casos com alegação de alienação parental no Distrito Federal era composta por psicólogos e assistentes sociais. O estudo confirmou alienação parental em somente 0,15% dos processos. De modo geral, o conflito era reflexo de questões conjugais não elaboradas, mas a responsabilidade para resolvê-las havia sido transferida ao juiz, dizem os autores do estudo. No entanto, a maioria das famílias se mostrou ao final capaz de superar a crise pós-divórcio, encerrando o processo sem necessidade de sentença judicial, ou seja, por acordo ou desistência por parte de quem havia entrado com o processo.

 

Saiba mais, no segundo capítulo, sobre a relação entre denúncias de abuso e alienação parental.

Produção - Lucélia Cristina

Trabalhos técnicos - Nilton Gomes e Indalécio Wanderley

Edição - Mônica Thaty

Reportagem - Verônica Lima

A abordagem em profundidade de temas relacionados ao dia a dia da sociedade e do Congresso Nacional.

De segunda a sexta, às 3h, 7h20 e 23h

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