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Reportagem Especial

Remédios - venda em supermercados

11/03/2019 -

  • Remédios - venda em supermercados (bloco 1)

Uma das audiências públicas mais concorridas da Câmara em 2018 aconteceu na Comissão de Seguridade Social e Família. Em discussão, o projeto de lei que permite que supermercados, minimercados e lojas de conveniência possam vender remédios que não precisam de receita médica. Donos de farmácias se mobilizaram, encheram um dos plenários da área de comissões e o debate foi polêmico.

Não é de hoje que a legislação estabelece os limites para a venda de medicamentos. Basta uma pesquisa rápida na internet para localizar preciosidades como um decreto de 1851, assinado pelo imperador Dom Pedro Segundo. A lei regulamenta a Junta de Higiene Pública. Em seu artigo 67, ela diz: "Os medicamentos compostos, de qualquer denominação que sejam, não poderão ser vendidos senão por pessoa legalmente autorizada."

Em tempos bem mais recentes, o Congresso já se debruçou sobre a possibilidade de tirar a exclusividade das farmácias na venda de remédios. Um projeto do Senado, de 1998, já previa esta permissão para remédios que não precisassem de receita ou de orientação de um profissional de saúde. Pela proposta, uma lista seria frequentemente atualizada pelo Ministério da Saúde. Mas o projeto não vingou. Uma Medida Provisória sobre o mesmo assunto foi rejeitada na Câmara, mas foi modificada e aprovada pelo Senado em 2012. Logo depois, foi vetada pela então presidente Dilma Roussef.

O projeto que está na Comissão de Seguridade Social e Família é do deputado Ronaldo Martins, do PRB do Ceará. O autor justifica a proposição alegando que a segurança e a eficácia dos medicamentos isentos de prescrição médica, chamados tecnicamente de MIPs, já estão comprovadas. O parlamentar também argumenta que os produtos são conhecidos, inclusive seus efeitos adversos, e que não envolvem elevados riscos sanitários quando comparados a outros tipos de remédios.

O que se viu na audiência pública é que o assunto não tem consenso. De um lado, setores empresariais reivindicaram a abertura para a venda de remédios em outros pontos comerciais. A primeira justificativa foi melhorar o acesso do consumidor aos remédios. Os empresários dizem que há 82 mil farmácias em todo o país e um milhão de pontos comerciais que poderiam vender os remédios sem receita. Também apresentaram outros dados: 5 por cento dos municípios brasileiros não têm farmácias e 17 por cento só contam com um estabelecimento.

Marcio Milan, da Associação Brasileira de Supermercados, lembrou que, em 1995, por meio de uma liminar, o comércio foi autorizado a vender os medicamentos isentos de prescrição médica. Ele apontou benefícios para o consumidor.

Marcio Milan: "Durante o período em que os supermercados comercializaram os MIPs, houve uma drástica redução nos preços, com destaque para analgésicos e antitérmicos, cuja queda chegou a 35 por cento."

O presidente do Conselho Federal de Farmácia, Walter João, reclamou que o debate estava focado apenas em interesses econômicos. Ele apresentou dados da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, que apontam três casos de intoxicação de medicamentos por hora no país. E alertou para problemas como a combinação de remédios controlados com alguns MIPs. Deu exemplo da mistura do medicamento Varfarina com o ácido acetilsalicílico.

Walter João: "Isso vai produzir nesse paciente uma tremenda bomba, porque um é antiagregante, o outro é anticoagulante. E se esse paciente vier a óbito, o atestado de óbito dele, não será causa básica, vai dizer que ele morreu de hemorragia e não por essa combinação de medicamentos entre si."

Alessandro Dessimoni, consultor Jurídico da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, discordou do ponto de vista do representante do Conselho Federal de Farmácia.

Alessandro Dessimoni: "Se a preocupação é tão grande com a intoxicação, que as farmácias sejam proibidas de vender pela internet, porque não tem nenhuma orientação de nenhum farmacêutico, que se proíba vender pelo telefone e que também se coloque o MIP atrás do balcão. Aí sim nós vamos ter a orientação efetiva de um farmacêutico na compra do MIP."

A representante do Conselho Federal de Medicina, Rosylane Rocha, opinou que uma falha do projeto de lei era não prever a obrigatoriedade da presença de um farmacêutico nos pontos comerciais onde os remédios, mesmo os que não precisam de receitam, seriam vendidos. Ela salientou a importância de se ter um profissional de saúde por perto para orientar o comprador de remédios.

Rosylane Rocha: "Todas as vezes que a gente pensar em uma febre, em uma cefaleia, em uma dor abdominal, algo que parece muito inocente, pode não ser. E a partir do momento em que a gente faz uma medicação, a gente vai mascarar um diagnóstico, que o médico pode fazer."

Já a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias chamou a atenção para outra consequência que a entidade antevê com a aprovação do projeto: o aumento da auto-medicação. Cassiano Correr, da Abrafarma, informou que quem se auto-medica teria um risco 28 por cento maior de sofrer efeitos adversos dos remédios.

Cassiano Correr: "A gente tem dados brasileiros mostrando que 14,6 % de todos os atendimentos de pronto-socorro no Brasil são devidos a problemas com medicamentos. Isso gera, segundo dados do Datasus de 2017, algo na ordem de 4,8 milhões de atendimentos pré-hospitalares de urgência ligados a mau uso de medicamentos, o que dá 9 atendimentos em pronto-socorros por minuto."

Durante a audiência pública, a representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Andrea Takara, acrescentou que o projeto não considera que o manuseio e a conservação de medicamentos requerem cuidados especiais. Ela é de opinião que a ampliação dos pontos de venda dificulta o combate aos medicamentos falsificados, assim como o monitoramento e a notificação à Anvisa de eventos adversos provocados pelos remédios.

Presidente da Comissão de Seguridade Social e Família em 2018, o deputado Juscelino Filho, do Democratas do Maranhão, foi escolhido relator do projeto.

Juscelino Filho: "Eu, como médico, mais do que nunca tenho que pensar nas pessoas, pensar nos pacientes, pensar naqueles que serão usuários desse sistema."

A expectativa era que o relatório fosse apresentado ainda na legislatura que terminou em 2018 para ser votado pela Comissão, o que não aconteceu. Se o autor da proposta, deputado Ronaldo Martins, voltar à Câmara a partir de fevereiro deste ano, ele pode desarquivá-la. Se ele não cumprir mandato, outro deputado pode apresentar projeto com o mesmo teor.

No segundo capítulo, saiba mais sobre os Mips, remédios que não precisam de receita médica.

Reportagem - Cláudio Ferreira, com a colaboração de Karla Alessandra
Produção - Carmen Fortes e Mércia Maciel
Edição - Aprigio Nogueira
Trabalhos Técnicos - Indalécio Wanderley

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